A construção de um condomínio de luxo no bairro Córrego Grande, em Florianópolis, gera conflito entre moradores, prefeitura e a empresa responsável. Os capítulos mais recentes envolvem um lamaçal que cobriu parte do bairro durante as fortes chuvas da semana passada e a suspensão temporária das obras determinada pela Justiça. Os envolvidos projetam caminhos distintos para solucionar o imbróglio. Enquanto os moradores questionam a validade das licenças ambientais concedidas pela administração municipal e que permitiram o avanço do loteamento, a empreiteira quer finalizar os trabalhos que estão na reta final.

Continua depois da publicidade

Saiba como receber notícias do NSC Total no WhatsApp

Ambas concordam, no entanto, que é necessária uma intervenção rápida no local do loteamento para que se evite um novo lamaçal cobrindo o bairro. O Grupo D”Agostini, empresa responsável pela obra, afirma que o solo está exposto e que a drenagem do local, prejudicada pelas chuvas, precisa ser revisada. 

— A próxima chuva vai ser pior — alerta o líder comunitário do Córrego Grande, Adriano Roberto Weickert.

Morador do bairro há mais de 40 anos, ele afirma ter certeza de que em uma próxima chuva de maior intensidade, o lamaçal voltará a cobrir as ruas dando origem a mais um “desastre ambiental”, em suas palavras. 

Continua depois da publicidade

Laboratório do Hospital Infantil Joana de Gusmão apresenta erros em exames, alerta CRM

A obra do loteamento Brisas da Ilha começou em abril de 2021. O local escolhido fica em uma área elevada, rodeado por árvores e plantas que compõem a Mata Atlântica. Segundo o site que anuncia a venda, são 58 lotes que variam de 350m² a 580m². O espaço conta com vista panorâmica, pavimentação e rede de esgoto. A obra, segundo a empresa responsável, estava em fase de finalização e a previsão era de entregar os lotes em 60 dias. 

Nas primeiras semanas de dezembro, a chuva intensa que atingiu Florianópolis deixou o Córrego Grande coberto pela lama que teve como origem o loteamento Brisas da Ilha. As bocas de lobo próximas à rua onde ele foi construído ficaram cheias de terra e não deram conta de escoar o material. 

O “mar de lama” desceu e percorreu até 1 quilômetro de distância. Em alguns pontos foi necessária a atuação de uma retroescavadeira para recolher o barro e liberar o trânsito. O lamaçal entrou em algumas casas, danificando móveis e eletrodomésticos. 

Bocas de lobo próximas à rua do condomínio de luxo ficaram cheias de terra (Foto: Tiago Ghizoni / Hora de SC)
Obra foi suspensa na segunda-feira (Foto: Tiago Ghizoni / Hora de SC)
Região ficou coberta por lama durante período de chuva (Foto: Tiago Ghizoni / Hora de SC)
Lamaçal entrou em algumas casas, danificando móveis e eletrodomésticos (Foto: Tiago Ghizoni / Hora de SC)

Decisão judicial suspendeu obras 

— Foi uma vitória — disse Mônica Duarte, presidente do Conselho Comunitário do Córrego Grande sobre a decisão que suspendeu a obra no loteamento. 

Continua depois da publicidade

A associação é uma dos cinco autores da ação civil pública que questiona a construção. Além dela estão a União Florianopolitana das Entidades Comunitárias (UFEC), a Rede de Organizações não-governamentais da Mata-Atlântica e o Ministério Público Federal (MPF). A judicialização começou em agosto de 2021, cinco meses após o início das obras do loteamento. 

Pinguins voltam ao mar em Florianópolis após reabilitação; veja imagens

A ação tornou réus a D’Agostini, a prefeitura de Florianópolis, o Instituto do Meio Ambiente (IMA), a Fundação Municipal do Meio Ambiente (Floram) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Nacionais Renováveis (Ibama). 

Segundo Mônica, os moradores ficaram alarmados ao verem a derrubada de árvores na região do loteamento e junto às demais entidades questionaram as licenças obtidas pela construtora para seguir com a obra. 

A decisão pela suspensão temporária ocorreu na segunda-feira (12). A juíza Marjôrie Cristina Freiberger determinou a suspensão imediata das intervenções na área até que o processo seja julgado. 

Continua depois da publicidade

Além disso, a magistrada solicitou a realização de uma prova pericial para verificar a legalidade do loteamento. 

Deputados estaduais de SC alteram regra que limita aumento salarial a prazo de 4 anos

O conselho de moradores aponta que há ilegalidades e irregularidades na liberação da obra por parte da prefeitura. A questão principal é o licenciamento ambiental já que a área é próxima à Mata Atlântica.

Segundo apontado, não há garantia de preservação de no mínimo 50% da vegetação em estágio avançado, sobreposição com área de Área de Preservação Permanente, em razão de declividade e curso d’água e área que possui altíssima susceptibilidade erosiva.

KM por KM: SC tem duplicações lentas de BR’s e licitações desertas nas estradas estaduais

Prefeitura e empresa negam irregularidades 

A D”Agostini negou que haja ilegalidade na construção do Brisas da Ilha. Em nota a empresa afirmou que não ocorreu desmatamento ilegal e que a obra foi regularmente licenciada e fiscalizada. A empreiteira recorreu da decisão.

Continua depois da publicidade

“O empreendimento está sendo construído em uma área que era predominantemente composta por espécies invasoras e exóticas, como eucaliptos”, disse a empreiteira. 

O grupo disse ainda que recupera a área com o plantio de espécies ameaçadas de extinção. “Uma área correspondente a 80% do total do imóvel será reservada, perpetuamente, para fins de conservação ambiental, formando corredor ecológico com unidade de conservação”, completou a nota. 

Sobre ações para evitar novos deslizamentos de lama, a construtora diz que a pavimentação é um caminho. 

Questionada sobre o que será feito para evitar novos deslizamentos, a prefeitura informou que notificou o condomínio por conta do carreamento e para realizar a contenção do solo. Já sobre o licenciamento ambiental, afirmou em nota que a D’Agostini apresentou toda a documentação necessária para gerar a autorização da obra. 

Continua depois da publicidade

“A instalação do projeto e supressão de vegetação são regulares, mediante compensação ambiental”, disse a prefeitura em nota. 

Vistoria da Defesa Civil 

Enquanto o processo avança, a Defesa Civil municipal prepara um relatório com orientações sobre o que pode ser feito para evitar um novo lamaçal. Um geólogo participa da avaliação que ainda não tem prazo para finalização. 

A empresa responsável pela obra também será consultada pela Defesa Civil antes de determinar o que deve ser feito no local. O órgão é citado na decisão judicial como competente para orientar os trabalhos de recuperação.