O relógio marca 12h de uma sexta-feira. A psicóloga Andressa da Silva Maria, de forma pontual, encerra o dia de trabalho para se concentrar em uma nova missão: dirigir cerca de 150 quilômetros pela BR-101.

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Aos 28 anos, a moradora de Joinville cursa Gestalt-terapia na escola Comunidade Gestáltica, em Florianópolis. Uma vez por mês, ela precisa ir presencialmente às aulas. Andressa faz a mesma viagem há um ano e sete meses, em uma rotina que já é de costume. Apesar de trafegar pela rodovia federal apenas no último dia útil da semana, os preparativos já iniciam há, pelo menos, cinco dias antes. Isso porque Andressa sabe que vai precisar ficar horas a mais na estrada.

Imagens mostram a realidade da BR-101 em SC

Um trajeto que tem duração de duas horas e 30 minutos, acaba se transformando em três ou quatro horas de viagem. Todo mês, a rotina é a mesma. Andressa se prepara para sair de casa com antecedência, por volta das 13h30min, sabendo que a aula começa às 18h30min. Confere o trânsito em tempo real no aplicativo de GPS, coloca para ouvir um podcast e dá a partida no Chevrolet Onix que dirige.

Cerca de 60 quilômetros depois ela já está parada nas filas da BR-101, em Balneário Piçarras. A motorista faz os cálculos e percebe que já corre o risco de se atrasar para o compromisso ao ficar involuntariamente parada e perdendo tempo entre o banco da frente e o volante. Tempo, inclusive, que não volta mais.

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Andressa é um dos exemplos do quanto a BR-101 colapsada impacta a vida real das pessoas. Marcada pelas filas quilométricas, a BR-101, em Santa Catarina, possui uma extensão de pouco mais de 460 quilômetros no litoral do Estado. O traçado contempla 32 cidades catarinenses, de Garuva, no limite norte da divisa com o Paraná, até Passo de Torres, no limite sul com o Rio Grande do Sul. No entanto, o trecho mais caótico é visto de Joinville a Florianópolis, em quase 150 quilômetros de pista.

Os principais entraves estão na região de Itajaí e Balneário Camboriú, no trecho que vai de Penha a Itapema, e no Norte do Estado, em Joinville. São regiões que abrigam alguns dos maiores terminais portuários do país, como os portos de Itajaí, Navegantes, São Francisco do Sul e Itapoá, onde o tráfego de caminhões é constante. Dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) mostram que, somente em 2023, mais de 2,4 milhões de TEUs (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés) foram movimentados na BR-101, sendo um crescimento de 152,14% em relação aos 952,2 mil movimentados em 2010.

Leonardo Luiz da Costa, de 29 anos, compartilha o mesmo sentimento de Andressa. O professor fazia o exato trajeto de Joinville a Florianópolis pela BR-101 desde o começo do ano, pelo menos uma vez por mês, para visitar a namorada na capital. Para ele, não importava o período do dia em que dirigia o Volkswagen Gol na rodovia federal, porque pegava trânsito lento em quase todas as vezes.

— Uma viagem que dura, mais ou menos, duas horas e 30 minutos, chegava a fazer em três horas e 30 minutos. A pior parte era na região de Penha e Navegantes, além de Balneário Camboriú — afirma.

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O tráfego era ainda pior, segundo ele, durante feriados prolongados ou fins de semana, e até nas manhãs de segunda-feira.

Maior movimento na BR-101

Como um dos fatores que pode ser o causador do lento tráfego na rodovia federal em Santa Catarina, Andressa e Leonardo apontam que perceberam um maior fluxo de veículos percorrendo a estrada nos últimos anos.

— Eu acho que tem um desproporcional número de carros para a estrutura que tem na BR-101. Com isso, qualquer coisa que aconteça trava a rodovia, seja o alto número de veículos ou um acidente de trânsito — conta Leonardo.

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O presidente da Câmara de Transporte e Logística da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc), Egídio Martorano, aponta que o trecho Norte da BR-101 possui, atualmente, o nível mais precário de serviço entre as rodovias federais catarinenses, conforme a metodologia Highway Capacity Manual (HCM), que classifica a eficiência rodoviária.

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— Os segmentos nos municípios de Palhoça, São José, Biguaçu, Itapema, Balneário Camboriú, Itajaí, Navegantes, Joinville, apresentam os níveis de serviços “E”, o que significa 50% a 80% de possibilidade do usuário de chegar atrasado no seu destino, sendo que, em determinados dias da semana e horários podem apresentar o pior nível “F”, o que significa que o usuário tem 100% de possibilidade de chegar atrasado — destaca.

Segundo Martorano, uma das principais causas das filas quilométricas é, junto do crescimento de veículos, o processo de “litoralização” da população catarinense. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos municípios que registraram os maiores crescimentos no Estado nos últimos 24 anos, os 15 primeiros da lista tem praia ou estão localizados a até cinco quilômetros de distância do mar.

— As cidades transformaram a BR-101 em vias urbanas, algo que não pode acontecer. Isso é falta de planejamento, a rodovia é um corredor expresso e não de tráfego urbano — explica.

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Junto do crescimento de veículos, a BR-101 é um importante corredor para o turismo em Santa Catarina. Conforme números da Agência de Desenvolvimento do Turismo de Santa Catarina, levantados pela Fiesc, o Estado obteve um aumento de 39,3% na movimentação de turistas por temporada de 2008 a 2018, passando de 6,1 milhões a 8,5 milhões.

Ainda, segundo dados do Governo de SC, o Estado recebeu 2,9 milhões de turistas somente entre dezembro de 2023 e março de 2024. No fim do ano passado, Balneário Camboriú, que possui população de pouco mais de 148 mil, recebeu mais de 1 milhão de pessoas, que, obrigatoriamente, precisam se deslocar pela BR-101.

— Todos os segmentos sofrem. O turismo, importante corredor estratégico, a indústria, com portos, aumento do frete e consumo de gasolina, e as pessoas, pelo excesso de tráfego — afirma Egídio.

Além de exigir paciência dos motoristas com as filas constantes, o trecho também está entre os mais perigosos do Brasil em número de acidentes. Conforme dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), em 2021, a BR-101, em SC, foi a estrada federal com o maior número de acidentes do país, com 4.094. Somente até outubro deste ano, ainda conforme a PRF, a rodovia registrou mais de 3 mil acidentes.

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As possíveis soluções a curto prazo para a BR-101

Na rodovia federal, diariamente milhares de motoristas trafegam por diferentes motivos em distintos veículos, sejam a trabalho ou a passeio. Mesmo com o transtorno que a BR-101 tem gerado, pessoas como Andressa e Leonardo dividem o sentimento de não ter outra alternativa para chegar aos destinos. A solução, a longo prazo, seria a construção de uma rodovia paralela, que ganhou o nome de Via Mar. A estrada prevista tem como principal objetivo desafogar o trânsito na BR-101. Mas, só deve ter efeitos práticos em, no mínimo, 10 anos.

Nesse tempo, surge a dúvida: com um prazo longo de conclusão da rodovia paralela, como solucionar, a curto e médio prazo, os problemas de filas e acidentes na BR-101?

Para Egídio Martorano, uma saída é realizar a repactuação do contrato de concessão da BR-101, atualmente com a Arteris Litoral Sul.

— Acreditamos que a saída é fazer uma extensão do contrato com uma série de obras de melhorias. Com a priorização das obras, em um ano já deveríamos sentir o progresso — explica.

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Além disso, em estudos apresentados pela Fiesc, outras soluções poderiam ser implementadas para o trecho. Uma delas seriam Sistemas de Inteligência de Tráfego, que poderiam ser equipados com sensores, câmeras e radares conectados por inteligência artificial para gerar dados em tempo real a serem avaliados. Estes dados armazenados poderiam gerar um histórico de informações úteis para análises, como o do volume de tráfego, velocidade média, congestionamentos, acidentes e tempo de trajeto.

Outra proposta seria implementar um sistema de cobrança por quilômetro rodado, nomeado Free Flow, operado por estruturas que possuiriam um sistema de câmeras, antenas e sensores que permitem que os usuários sigam a viagem sem precisar parar em praças físicas ou reduzir a velocidade, mantendo o fluxo contínuo. Segundo a Fiesc, a tecnologia ajudaria na redução do congestionamento e melhoria na fluidez.

Para a segurança da rodovia, uma das principais propostas seria a utilização de motocicletas para atendimento de vítimas, em um sistema denominado “motolância”. A moto para atendimento deveria contar com um técnico de enfermagem e enfermeiro, com material para socorrer, uma vez que o veículo seria utilizado para o atendimento pré-hospitalar (APH) em locais congestionados e de difícil acesso por conta de filas.

De acordo com Adriano Fiamoncini, chefe de comunicação da PRF-SC, a redução de acidentes no Estado deve passar por três pilares: fiscalização, educação e infraestrutura.

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— O principal é a fiscalização. Todos os dias estamos nas rodovias flagrando motoristas ultrapassando em locais proibidos, em excesso de velocidade, sem habilitação, sem cinto de segurança, falando ao celular enquanto dirigem, embriagados. Esse é o trabalho constante da PRF o tempo todo — afirma.

No entanto, para reduzir o número de acidentes de forma efetiva, Fiamoncini alerta que seriam necessários mais agentes nas estradas.

— Nós precisaríamos de um efetivo maior para reduzir esses acidentes. Não só a PRF, mas a PM também, as guardas municipais, precisa que o efetivo aumente todos os anos porque a frota de veículos aumenta todos os anos e o efetivo precisa acompanhar esse crescimento — disse o oficial.

Além da fiscalização, a Polícia Rodoviária reforça que, constantemente, trabalha no campo da educação, com palestras em escolas, universidades e empresas, junto de outras ações.

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Seja pela melhor fluidez no trânsito ou pela segurança daqueles que trafegam pela BR-101, motoristas como Andressa e Leonardo, que você conheceu no início da reportagem, pedem melhorias na rodovia federal e alternativas para o tráfego ao longo dos próximos anos.

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