Quem entrar na faculdade de Medicina a partir de 2015 terá de cumprir dois anos de estágio obrigatório na saúde pública, em regiões pobres, antes de receber o diploma. Levando em conta que o Brasil forma 20 mil novos médicos por ano, a medida ajudaria a reduzir o déficit de profissionais, mas não totalmente. O Ministério da Saúde estima que faltam 54 mil médicos no país.

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A mudança no currículo das faculdades de Medicina é parte do programa do governo federal que também dá diretrizes para a contratação de estrangeiros e diplomados no Exterior, o Mais Médicos. No mesmo pacote, o governo anunciou a abertura, até 2017, de 11,5 mil novas vagas em cursos de Medicina.

Com isso, o país terá, em 2025,40 mil médicos a mais do que teria sem a medida, ampliando a média atual de 1,8 médico por mil habitantes para 2,7 por mil – taxa que tem hoje o Reino Unido.

Mas o motivo da polêmica na categoria é o novo modelo de formação proposto pela portaria conjunta dos ministérios da Saúde e da Educação, publicada nesta terça-feira no Diário Oficial da União (veja detalhes abaixo).

Entidades médicas já prometeram ingressar na Justiça para tentar reverter as mudanças, alegando que a ampliação do tempo de formação favoreceria a exploração de mão de obra.

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– Não se pode obrigar médicos, que já passam seis anos se dedicando em tempo integral, a passar por mais dois sob condições precárias, onde não querem – sustenta o presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Florentino Cardoso.

O diretor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Jefferson Braga da Silva, destaca que existem experiências semelhantes em outros países, mas questiona o real objetivo do programa.

– O propósito do projeto é levar médicos para o Interior ou levar saúde para a população menos assistida? Não são só médicos que levam saúde, precisa de infraestrutura – defende.

O governo afirma que a proposta tem por objetivo ampliar aexperiência prática na formação e driblar a especialização precoce – no formato atual, a partir do quarto ano o aluno já foca na sua área de interesse.

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Para o diretor da faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), José Geraldo Ramos, aparentemente o currículo não teria grandes mudanças nos primeiros anos, mas o conselho da unidade ainda será reunido para analisar o tema mais profundamente. Há a possibilidade do primeiro ciclo ser reduzido de seis para cinco anos.

O Congresso Nacional e o Conselho Nacional de Educação (CNE) ainda terão de analisar a proposta para que a medida provisória assinada pela presidente Dilma Rousseff possa se tornar lei – se for aprovada. Cabe ao CNE, formado por reitores, definir diretrizes sobre o período, a carga horária e o envolvimento das universidades no estágio dos alunos. O prazo para essa regulamentação é de 180 dias.

Estudantes e profissionais analisam prós e contras

Após o anúncio do governo federal, o posicionamento diante do estágio obrigatório ainda se desenhava entre alunos de cursinhos universitários que pretendem conquistar vagas em Medicina nos próximos anos.

Para Jaciara Rossoni, 16 anos, estender o tempo de formação significa atrasar a entrada de médicos, com certificado e responsabilidades, no mercado. Na turma da opinião contrária, está Ana Júlia Dienstmann, 18 anos.

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– Quem se forma por amor à Medicina não vê problema em ir diretamente ao ponto frágil da história: o sistema público. Não ter estrutura já é ruim. Pior ainda é se não tiver médico – argumenta.

No círculo acadêmico e profissional, a argumentação contra a proposta vem em uníssono.

– Vou levar 13 anos estudando até chegar onde quero. E quem entrar nesse novo sistema? Vai ficar até 15 anos estudando? E se planejar ter filhos, uma vida? – questiona Marcelle Anzolch, estudante do 2º ano de Medicina da UFRGS.

Para o médico e residente Túlio Farret, 28 anos, o problema da saúde não é a falta de médicos:

– De nada adianta colocar mais profissionais se as demandas continuarem não sendo atendidas. Os equipamentos são precários, faltam equipes de apoio, os exames demoram para ser feitos.

Um segundo argumento, de que os dois anos trariam maior conhecimento, também é rebatido. Para a radiologista Simone Matiotti, 34 anos, é impossível adquirir conhecimento em uma “escola sem estrutura”.

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– Aqui, o que se vê é uma medicina de guerra – finaliza.

TIRE SUAS DÚVIDAS SOBRE AS MUDANÇAS NO CURSO DE MEDICINA

– O que muda no currículo?

Após os seis anos do curso regular de Medicina, o aluno terá de cumprir dois anos de estágio no Sistema Único de Saúde (SUS) em regiões consideradas prioritárias pelo Ministério da Saúde. A formação seria voltada à atenção básica no primeiro ano e aos setores de urgência e emergência no segundo ano. Há a possibilidade de reduzir a formação básica para cinco anos, mas isso dependerá da avaliação do Conselho Nacional de Educação (CNE). O aluno só receberá o diploma depois de ser aprovado no estágio obrigatório.

– Como fica a residência?

A atuação no SUS poderá contar para residência médica ou como pós-graduação para quem optar por especialidades básicas, como medicina de família, ginecologia, obstetrícia, pediatria e cirurgia geral. Há também a possibilidade de o período ser incluído na contagem para cursos de mestrado. A medida não exclui o internato, onde o estudante atua em diversas áreas da rede pública no quinto e no sexto anos de estudo. Além do incremento no número de faculdades de Medicina, o governo anunciou a abertura de 12 mil novas vagas de residência médica até 2017, sendo 4 mil até 2015. Atualmente, há 8 mil vagas de residência para 20 mil formandos em Medicina por ano.

– Quem irá supervisionar os estudantes?

Um supervisor técnico e um tutor acadêmico. O supervisor deverá ser um médico com pós-graduação – de acordo com a Associação de Médicos Pós-graduados do Brasil, dos 374 mil médicos brasileiros, 59,3% são pós-graduados. O tutor acadêmico será um docente médico, indicado pela universidade, que deverá planejar e orientar as atividades do alunoe do supervisor.

– O que será permitido ao estudante com licença provisória?

Nos dois anos finais do curso, o aluno receberá uma autorização provisória para exercício da medicina.O estudante terá supervisão de um médico pós-graduado e de um tutor acadêmico. O profissional com registro provisório, mesmo sem diploma, responderá caso cometa uma infração ética ou erro no atendimento. O estudante não poderá ter outras atividades como profissional. A autorização servirá para que atue na área específica no SUS, 40 horas semanais, de segunda a sexta-feira.

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– Como será a remuneração?

A remuneração prevista na portaria, concedida como bolsa-formação, tem valor mensal de R$ 10 mil reais. Municípios poderão oferecer auxílios-moradia e alimentação. O Ministério da Saúde poderá conceder ajuda de custo para despesas de instalação e deslocamento conforme faixas estabelecidas na portaria. Os estudantes de instituições particulares não pagarão mensalidade no período de estágio. O supervisor terá bolsa de R$ 4 mil mensais e o tutor acadêmico de R$ 5 mil. O custeio vem de orçamento dos ministérios da Saúde e da Educação.

– Para onde vão os alunos?

Caberá à instituição definir o local de trabalho do estudante. A portaria estabelece como regiões prioritárias para o SUS áreas de difícil acesso e provimento de médicos ou que tenham populações em situação de maior vulnerabilidade. Uma lista foi divulgada pelo Ministério da Saúde com os municípios nessas condições, que poderão participar do projeto Mais Médicos, se firmarem adesão.

Fonte: Portaria Interministerial 1.369,de 8 de julho de 2013.