A história é frequente na literatura, no cinema e na vida real: homem e mulher se divorciam, e o filho é coagido por um deles a se afastar do outro por meio de comentários pejorativos, mentiras, obstáculos ou até proibição de contato físico.
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Na linguagem dos especialistas, essa prática tem nome difícil: alienação parental (“alienação” é tornar alheio, distante, e “parental” é relativo a pai). Um projeto de lei aprovado no início deste mês pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado prevê punições e até a perda da guarda da criança para os adultos que incorrerem nesse tipo de comportamento.
O texto aprovado pela comissão foi recebido com entusiasmo por instituições de apoio a pais separados. Segundo esses grupos, o projeto, se virar lei, protegerá a integridade dos filhos em caso de conflito entre os pais. Voluntária de diversas entidades de apoio a pais e uma das fundadoras da Pais por Justiça, a carioca Karla Mendes, 40 anos, vítima de alienação por parte da mãe, comemora a atenção ao tema.
– O fato de estarmos falando sobre isso já ajuda a identificar esses casos e, melhor, a inibir a mãe ou o pai que provoca essa situação. Pode haver punição, pagamento de multa, prisão e até perda de guarda.
A advogada gaúcha Monica Scarparo usa uma metáfora para explicar o projeto de lei:
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– É como colocar numa via de muitos acidentes uma sinaleira, um fator a mais para chamar a atenção para um fato que tem sido comum. É um alerta de que, agora, haverá mais rigidez contra esse tipo de atitude.
Há mais de 20 anos atuando em causas de família, a advogada revela que há anos decisões têm sido tomadas nos tribunais gaúchos para coibir manipulação de crianças por pais separados e que, inclusive, já há precedente de pagamento de multa.
– Desde 1996 existem decisões referentes a essas situações. Casos em que a mãe inventa ter havido abuso sexual por parte do pai para impedir que ele veja o filho, por exemplo. E, através de pesquisas e laudos psiquiátricos, o juiz tem como comprovar a veracidade ou não das suspeitas.
No caso de Karla, no entanto, o desfecho foi mais doloroso. Ela viveu um caso clássico de implantação de falsas memórias e só pode perceber isso quando adulta. Seus pais se separaram quando ela tinha dois anos e durante toda a infância e a adolescência ela acreditou ter sido abandonada pelo pai. Só aos 19 anos, quando saiu de casa, descobriu a verdade ao ser procurada pelo pai.
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– Minha mãe dizia que ele não prestava, que não pagava pensão. Inventava histórias absurdas. Descobri que vivi uma vida inteira de mentira – conta a jornalista, uma das personagens do documentário A Morte Inventada, lançado em abril de 2009, que reúne dezenas de depoimentos de vítimas de alienação parental.
Após a descoberta, Karla buscou acompanhamento psicológico e chegou a trancar a faculdade. Ela e a irmã mais nova, desde então, não têm mais contato com a mãe.
É indiscutível que a privar um filho da convivência de um dos pais e denegrir a imagem do outro provoca danos à criança.
– A criança não decodifica isso num primeiro momento porque confia nos pais. Mas, depois, percebe que as verdades ficam comprometidas. Ela pensa: “Se minha mãe diz que meu pai é ruim, e meu pai diz que minha mãe é ruim, quem é bom, afinal?” e isso gera crise de confiança também nela mesma – explica a psicóloga Rosane Cristina Spizzirri.
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O que é?
:: Alienação parental é a tentativa de um dos pais, normalmente o que detém a guarda judicial no caso de separação, de colocar os filhos contra o cônjuge ou ex-cônjuge.
:: Segundo o projeto de lei contra a alienação parental, de autoria do deputado Regis de Oliveira (PSC-SP), aprovado em comissão do Senado, “considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.