A atualização na política nacional de drogas, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 6 de junho, abre portas para internação de dependentes químicos sem o seu consentimento e reforça o papel das comunidades terapêuticas. A norma estabelece critérios mais claros para a realização da chamada internação involuntária, que só poderá ocorrer em unidades de saúde ou em hospitais gerais e terá de ser autorizada por um médico após pedido de familiares, por exemplo (veja mais abaixo). A medida reacende o debate sobre a estrutura existente e a ideal para receber este tipo de paciente no Sistema Único de Saúde (SUS).
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O Ministério da Saúde informou que o Brasil tem 21,7 mil leitos psiquiátricos — 5.876 em hospitais gerais e 15.851 em hospitais psiquiátricos. No entanto, esses leitos não são exclusivos para esse público, pois podem ser destinados a pessoas que sofrem de transtornos mentais. Em 2017, o Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou pesquisa sobre redução no número de leitos psiquiátricos na rede pública, destacando que o país contava com 40,9 mil vagas em 2005. O número atual de postos é 46,9% menor do que o registrado 14 anos atrás.
Além e vagas específicas para dependentes químicos em hospitais gerais ou especializados do SUS, o ministério informa que existem 732 "leitos de retaguarda" em unidades do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) — o que totaliza 22,4 mil leitos psiquiátricos destinados a esse tipo de paciente.
A psiquiatra Carla Bicca, vice-coordenadora da Comissão de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), avalia que a estrutura atual do país para atender os pacientes psiquiátricos é deficitária. A profissional destaca que o Brasil sofreu com cortes significativos nos leitos para pessoas com doenças mentais nos últimos anos.
— Nós não temos estruturas hoje no país. Tivemos uma diminuição importante no número de vagas de internação na psiquiatria. Junto disso, as vagas que eram prioritariamente fechadas eram as de dependência química. Então, temos hoje muito mais estrutura para saúde mental no geral do que para dependência química — pontua.
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No entendimento da psiquiatra, no passado, o Brasil deixou de investir nas internações para priorizar atendimentos ambulatoriais e em Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
A doutora salienta que essa política criou uma demanda de pacientes sem estabelecer acolhimento adequado, principalmente em casos que necessitam de internação aguda.
A especialista entende que a mudança na lei é boa no geral, mas afirma que a norma deveria prever estratégias para aumentar o número de leitos específicos no país.
Segundo Carla, a internação involuntária é protetiva quando bem utilizada e auxilia o tratamento. Ela não acredita em um aumento exponencial desse tipo de procedimento, pois a lei cria prerrogativas para a medida.
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O projeto, aprovado pelo Senado em 15 de maio, perambulou pelo Congresso por seis anos. O autor da matéria é o hoje ministro da Cidadania, Osmar Terra.
No Twitter, o chefe da pasta comemorou a sanção, afirmando que a medida ocorre após "10 anos de luta e de enfrentamento contra os que querem legalizar as drogas no Brasil". Segundo o ministro, a mudança ocorre "pelo bem da família brasileira".
Também nas redes sociais, Bolsonaro defendeu a medida, afirmando que, em determinados casos, é a última alternativa para "impedir um mal ainda maior":
"Por vezes, esse é o último recurso possível para impedir um mal ainda maior. O dependente não é livre, é um escravo da droga", escreveu.
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Vetos
Bolsonaro vetou alguns dos dispositivos aprovados pelos parlamentares, como o que previa redução de pena para usuários. As suspensões terão de ser votadas no Congresso.