Assim como quase toda reforma administrativa, o projeto de lei encaminhado pelo governo do Estado à Assembleia Legislativa (Alesc) prevê a remodelação de algumas áreas da máquina pública. Essas mudanças, colocadas em prática sempre no início de uma nova gestão, costumam gerar dúvidas não apenas nos parlamentares, que precisam estudar o texto antes da aprovação ou não na Casa, mas também na população e representantes de entidades que acabam sendo envolvidas nesse processo.
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Por isso, como parte do cronograma definido pela Alesc, começou na terça-feira uma série de três audiências públicas para debater pontos da reforma. No primeiro encontro, que durou toda a tarde, representantes do governo, como o secretário da Casa Civil, Douglas Borba, responderam a perguntas nas áreas de educação, cultura, esporte, turismo, desenvolvimento sustentável, Instituto de Meio Ambiente (IMA), Fapesc e Assistência Social.
Além dos deputados, ao menos 15 representantes ligados a esses setores também fizeram uso da palavra. Não houve inscritos para falar sobre o IMA e Turismo. Esse último, contemplado apenas na fala do deputado Ivan Naatz (PV), ainda no horário disponíveis aos parlamentares.
Entre as alterações sugeridas pela equipe de Carlos Moisés, está a redução para 10 o número de secretarias de primeiro escalão e a promessa de cortar funções desnecessárias (veja detalhes abaixo). Na nova configuração, as áreas de mobilidade urbana, turismo, cultura, esporte e planejamento teriam as principais alterações.
Enxugamento do primeiro escalão
Da mesma forma que o secretário de Administração, Jorge Eduardo Tasca, tem advogado pela reforma entre os deputados estaduais e sociedade em geral, alguns especialistas e entidades avaliam as mudanças com ressalvas. Perda de protagonismo, sobrecarga de trabalho nas pastas e vinculação inadequada à estrutura do governo estão entre as principais preocupações relatada por integrantes dos principais setores incluídos no projeto de lei.
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Além disso, ainda não há decisão sobre como o valor previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2019 para as secretarias e órgãos extintos será distribuído. De acordo com Tasca, a Secretaria da Fazenda e o governo do Estado irão analisar o impacto da incorporação de novas atividades a órgãos como a Fesporte, que tem orçamento próprio, mas verá suas funções ampliadas. Não há, contudo, garantia que esse recurso seja utilizado apenas entre as pastas para as quais estava previamente destinado.
Entenda as principais mudanças
A reforma administrativa proposta por Moisés prevê a extinção de duas pastas. Outras três perdem o status de primeiro escalão. Outros órgãos de administração indireta do governo também encerrariam suas atividades. Veja o que muda:
Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte
Criada em 2003 na reforma administrativa do então governador Luiz Henrique da Silveira, a antiga Secretaria da Organização do Lazer dividirá suas atribuições entre três estruturas. A Fundação Catarinense de Cultura (FCC) e a Fundação Catarinense de Esporte (Fesporte), que atualmente são órgãos de execução, passam a trabalhar com políticas públicas e fomentar os respectivos setores, ambas vinculadas à Secretaria de Desenvolvimento Social.
A situação da Santa Catarina Turismo S/A é um pouco mais complexa. Como atualmente é uma empresa de economia mista, o Governo do Estado pretende extingui-la e criar uma autarquia sob o nome vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico Sustentável. A mudança é necessária porque apenas os órgãos de governo podem executar as políticas públicas do setor. De acordo com o governo, a transição deve levar de três a quatro meses após a sanção da reforma administrativa.
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Como está: Secretaria de primeiro escalão desde 2003 com objetivo de promover o desenvolvimento e a integração das atividades turísticas, culturais e esportivas.
Como ficará: Será extinta.
Número de servidores atuais: 92
Destino dos funcionários: Santur será responsável pelo quadro de pessoal e pela estrutura funcional relacionada à área do turismo. A futuro autarquia também incluirá os funcionários que fizeram concurso público para ingressar como celetistas, mantendo os direitos trabalhistas e extinguindo as vagas à medida que os funcionários se aposentarem. Quem desempenhava funções ligadas a esporte e cultura será transferido, respectivamente, para a Fesporte e FCC.
Orçamento previsto para 2019: R$ 49 milhões.
Justificativa do governo: O governo entende que há repetição de estruturas com funções semelhantes, de forma que concentrar as atividades nas fundações e autarquia pode melhorar a eficiência, assertividade e integração das ações. Todos terão autonomia orçamentária, financeira e decisória, algo que é considerado uma inovação nesse novo modelo. Sobre a vinculação, o Governo destaca que há um alinhamento que o maior papel da Santur é contribuir para o desenvolvimento econômico, enquanto Cultura e Esporte têm papel importante no desenvolvimento social do Estado.
Contraponto: O presidente do Conselho Catarinense de Cultura, Marcondes Marchetti, considera positivo concentrar as ações do setor da FCC, pois considera que a pasta tem políticas definidas e menos interferência política. Porém, ressalta que a fundação precisa ser fortalecida, já que atualmente está defasada em termos de pessoal e estrutura para os objetivos propostos na política estadual de cultura. Além disso, Marchetti considera que a fundação deveria estar vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico Sustentável.
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Já o presidente do Conselho Regional de Educação Física e integrante do Conselho Estadual de Esportes, Irineu Wolney Furtado, considera que a reforma é prejudicial para o setor. Ele alega que a Fesporte está com dificuldade para realizar de eventos esportivos, de forma que assumir ainda as atribuições administrativas da antiga secretaria pode acabar causando uma sobrecarga na pasta. Por fim, considera que a vinculação mais adequada da fundação seria com a Secretaria da Educação, já que grande parte dos eventos da Fesporte estão relacionados ao esporte educacional.
Secretaria de Estado do Planejamento
Responsável por elaborar ações governamentais de longo prazo, é outra pasta que será extinta com a reforma e terá suas atribuições divididas entre várias estruturas. A maioria das atividades serão delegadas à Secretaria de Administração, que passa a ser responsável por coordenar os planejamentos estratégicos do Governo do Estado, como o Plano Santa Catarina 2030.
As áreas de cartografia, estatística e planejamento urbano serão absorvidos pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico Sustentável. A Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Florianópolis (Suderf), responsável pelo projeto de transporte coletivo integrado da Grande Florianópolis, passa a ser vinculada à Casa Civil no Gabinete da Chefia do Executivo.
Como está: Criada na década de 1960 sob nome Plano de Metas do Governo, atualmente é uma secretaria do primeiro escalão.
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Como ficará: Será extinta.
Número de servidores atuais: 9
Destino dos funcionários: Serão distribuídos de acordo com a mudança de atribuições. A maior parte será realocado para a Secretaria de Administração, mas alguns serão integrados na Secretaria da Fazenda, Secretaria de Desenvolvimento Econômico Sustentável e Casa Civil.
Orçamento previsto para 2019: R$ 11 milhões.
Justificativa do governo: A alegação é que as atividades não serão prejudicadas porque já estavam sendo executadas por estas pastas e, dessa forma, o planejamento estará mais próximo da execução.
Contraponto: Na opinião de Leonardo Secchi, professor da Udesc e pós-doutor em Políticas Públicas, a extinção da Secretaria de Planejamento é uma jogada arriscada. Ele explica que o setor costuma estar separado da execução para evitar que o planejamento seja preterido pela rotina operacional. Dessa forma, o especialista considera que as secretarias precisam trabalhar de forma simultânea para isolar as urgências e pensar em um novo modelo de gestão para o Estado. Do contrário, é possível que o mandato chegue ao fim apenas "apagando incêndios" administrativos ou implementando planejamentos pouco coordenados entre si.
Deinfra
O Departamento Estadual de Infraestrutura (Deinfra) foi criado na reforma administrativa de 2003 como forma de enxugar a máquina pública após a fusão de duas estruturas: o Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Santa Catarina (DER) e o Departamento de Edificações e Obras Hidráulicas (DEOH). O objetivo era concentrar todas as ações de mobilidade e infraestrutura de transporte.
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A proposta é que o órgão seja extinto e incorporado pela agora Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade, que também terá vinculação das oito superintendências regionais que serão mantidas em Florianópolis, Joinville, Blumenau, Criciúma, Lages, Joaçaba, Chapecó e São Miguel do Oeste. A pasta será responsável por exercer o controle direto ou indireto do trânsito e de outras atividades correlacionadas à operação das rodovias sob a jurisdição do Estado, além de exercer o poder de polícia de tráfego.
Como está: Órgão responsável pelas ações de mobilidade e infraestrutura de transporte desde 2003.
Como ficará: Será extinta.
Número de servidores atuais: 321
Destino dos funcionários: Os cargos efetivos que compõem o Deinfra serão redistribuídos para a Secretaria de Infraestrutura, sem alteração remuneratória porque a estrutura salarial e de carreira entre as estruturas é a mesma. Provavelmente serão realocados para a diretoria responsável pelas obras viárias e de mobilidade.
Orçamento previsto para 2019: R$ 782 milhões.
Justificativa do governo: Objetivo é fortalecer uma única estrutura, sem dividir as atribuições e os funcionários. O Governo esclarece que os últimos financiamentos que o Estado obteve para obras rodoviárias foram via Executivo, por administração direta, e não pelo Deinfra. Além disso, atualmente há três órgãos (incluindo o Deter) com atividades semelhantes e que precisam estrutura de gestão de pessoas, compras, licitação, gerência de tecnologia da informação e contratos de terceirização.
Contraponto: Márcia Pontes, especialista em direito, planejamento e gestão no trânsito, vê a mudança com ceticismo. Ela afirma que a Secretaria de Infraestrutura deve ser reforçada para além dos servidores do antigo Deinfra para tenha capacidade técnica de assumir os compromissos da mobilidade urbana. Ela alerta que ter apenas a visão de gestor pensando no financeiro pode impedir que sejam pensadas ações efetivas para o trânsito.
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Deter
A reforma administrativa pretende extinguir o Departamento de Transportes e Terminais (Deter) e repassar à Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade a função por executar o serviço público de transporte rodoviário intermunicipal de passageiros e fixar critérios para o cálculo das tarifas dos terminais rodoviários de passageiros. Outra responsabilidade é administrar, direta ou indiretamente, o Terminal Rodoviário Rita Maria, em Florianópolis.
Já a regulação e fiscalização do transporte intermunicipal de passageiros, seja público ou privado, será feita pela Agência Reguladora de Serviços Públicos de Santa Catarina (Aresc).
Como está: Autarquia vinculada à Secretaria de Estado da Infraestrutura com objetivo de planejar, executar, fiscalizar e controlar o transporte rodoviário intermunicipal de passageiros, assim como de terminais rodoviários, diretamente ou por meio de concessão.
Como ficará: Será extinta.
Número de servidores atuais: 117
Destino dos funcionários: Os cargos efetivos de agente fiscal de transportes e de técnico em atividades de fiscalização em transportes serão redistribuídos para a Aresc. Todos os demais servidores serão redistribuídos para a Secretaria de Infraestrutura, também sem alteração no salário.
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Orçamento previsto para 2019: R$ 32 milhões.
Justificativa do governo: Semelhante ao caso do Deinfra, o objetivo é unificar os trabalhos relacionados ao planejamento e à execução de obras de infraestrutura no Estado, com o argumento de que atualmente há sobreposição de funções.
Defesa Civil
O órgão não será extinto, mas perderá o status de secretaria do primeiro escalão — algo que também irá ocorrer com a Casa Civil e a Comunicação. Porém, a Defesa Civil difere das demais por ser um órgão que conquistou notório protagonismo nos últimos 10 anos, após sucessivos problemas causados pelas condições geográficas de Santa Catarina.
No início de 2011, a Defesa Civil era um departamento de Estado sem autonomia e que atendia os acidentes com mantimentos básicos. A pasta foi estruturada ao longo dos últimos anos e criou critérios de prevenção e planos de contingência nos municípios catarinenses. Também foi instituído o Fundo da Defesa Civil para que o Estado tenha recursos para auxiliar nas emergências.
A reforma propõe que a pasta fique vinculada diretamente ao Gabinete do Governador, mas que o chefe da Defesa Civil mantenha status de secretário. Haverá reestruturação nas diretorias, ampliando as ações educativas, inclusive entre os municípios, e fortalecendo a gestão de riscos e desastres. Contudo, a promessa é que corpo técnico e o orçamento serão mantidos.
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Como está: Secretaria com status de primeiro escalão.
Como ficará: Perde o status e passa a ter vinculação ao Gabinete do governador.
Número de servidores atuais: O órgão não tem funcionários concursados, sendo formado por 55 comissionados e cerca de 70 profissionais à disposição e terceirizados.
Destino dos funcionários: Serão mantidos na pasta.
Orçamento previsto para 2019: R$ 30 milhões.
Justificativa do governo: O executivo considera que alocar a pasta para o Gabinete do Governador aumentará a autonomia e a capacidade de articulação com outras secretarias para ter mais agilidade para atender em momentos de desastres. A aposta é que terá mais protagonismo por ter a autoridade do governador para executar as suas atividades. A gente vai estar potencializando a pasta com esse olhar de foco estratégico para apoiar os municípios para a gente conseguir chegar nas pessoas de forma ainda melhor
Contraponto: O deputado estadual e ex-secretário Milton Hobus defende que é necessário que a pasta mantenha autonomia sobre sua atividade e o fundo da Defesa Civil, que é muito importante para atuação nos momentos de emergência. Ele afirma que não há sentido mudar o status e manter as atribuições da pasta apenas para cumprir a meta do governo ter 10 secretarias. A longo prazo, o parlamentar também alerta para o risco de interferência na autonomia e orçamento da Defesa Civil, o que pode prejudicar a prevenção e o atendimento nos momentos de catástrofes.