Entramos na semana em que se comemora os 166 anos de fundação de Joinville, em 9 de março, quinta-feira. Os festejos já não ganham tanta atenção por parte dos seus moradores, cada qual gradualmente mais empenhado em construir suas próprias histórias. Natural. A Joinville bucólica de décadas passadas cedeu lugar a uma cidade com 600 mil habitantes, onde prevalecem as urgências da hora. As pessoas sequer se olham com a atenção de antes. Conversar, então, muito menos. Os tempos são de luta intensa para sobreviver em meio à selva de disputas por espaços profissionais e felicidades individuais.

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O mundo é de cada um. E já não é mais compartilhado. Bem ao contrário. A tecnologia contemporânea, com o frenético dedilhar em smartphones e videogames, sucedeu o bate-papo tranquilo nas varandas ou nos beirais de residências. As mãos já não passeiam mais nas praças. Nem se pula em árvores, buscando frutas. Viver ao ar livre é coisa do longínquo passado. Agora, há refúgios, não mais encontros. Os outros nos são cada vez mais estranhos. Foge-se do convívio.

O que isso tudo tem a ver com economia e negócios? Absolutamente tudo. Não é por acaso que empresas investem, cada vez mais, em produtos e serviços para clientes únicos – sejam solteiros ou viúvos, sejam aqueles afastados do meio social. Não é por acaso que os negócios do setor de segurança patrimonial crescem. As atividades são mais isoladas. O sorriso perdeu a naturalidade. Há pressa. E receios. Até mesmo de vizinhos, porque já não se sabe mais quem eles são. Paga-se o preço e vive-se as dores do crescimento.

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Mais recentemente – de uns 30 anos para cá – a cada quinquênio que passa, a busca pessoal e individual por sucessos (de qualquer natureza), vem moldando uma sociedade na qual prevalece o “eu sozinho”, em detrimento do “nós coletivo”. Isso, evidentemente, é produto de uma época, não privilégio de um lugar no mapa-múndi. Joinville não é diferente de outros municípios de suas dimensões.

Por isso, é óbvio que essa procura incessante por instantes felizes tem se revelado cada vez mais frenética e, para muitos, desgastante. Neste ambiente de extrema competição, destacar-se do conjunto já nem é mais a ambição geral. O objetivo é não sucumbir.

Vivemos menos motivados a refletir sobre Ottokar Doerffell, Fritz Alt ou sobre a Harmonia-Lyra. E menos interessados ainda em falar de inúmeras histórias de Caxias e América. Certamente porque a maioria dos residentes só sabe que o América é um clube porque tem o bairro como origem – ou vice-versa. Do Caxias sobrou o Ernestão. Sobrou?

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Ou relembrar da Confeitaria Dietrich, da Sorveteria Polar, do Cine Colon, dos programas de auditório das rádios AM, das manhãs acordando com o barulho das bicicletas chegando com as garrafas de leite entregues em casa, às 4 da madrugada. Até mesmo os muros baixos a predominar na paisagem urbana escasseiam, e erguem-se fortalezas em redor da classe média. Houve um tempo em que cada morador fazia o máximo esforço para ter o jardim mais bonito e florido de sua rua. Hoje, ainda os há, felizmente. Mas a brita e o cimento avançam.

Saudosismos de um mundo pacato no qual praticamente todos se conheciam; os passeios a pé eram comuns e os carros eram coisa de classe média alta. Houve tempo em que, na política, ganhavam-se (ou perdiam-se) eleições por causa de tachões e pregos colocados nas ruas sem calçamento momentos antes de adversários irem fazer

comícios nos bairros.

Joinville é, sim, uma cidade muito boa de se morar. E trabalhar. Geograficamente, fica entre Curitiba e Florianópolis; próxima a praias; o padrão de indústrias é qualificado. Joinville dispõe de infraestrutura de serviços públicos de aceitável para boa; possui escolas de boa qualidade. A cidade vem atraindo o interesse de empreendedores fugidos de metrópoles irrespiráveis.

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O que Joinville poderia ser e não se tornou (ainda) decorre de ausência de ousadia, lá pelas décadas de 1970 e 80 do século passado. À época, havia fartos recursos federais disponíveis para amplos programas de investimentos em infraestrutura, mas nada foi feito mirando o futuro que chegou.

Joinville não descobriu a vocação turística com atividades ligadas ao espaço da baía da Babitonga. Descuidou do rio Cachoeira, e fazer sua despoluição, de agora em diante, é tarefa – tendo muito dinheiro – para gestores ao longo de pelo menos duas gerações. Essa falha é mais grave exatamente porque já faz três décadas que o processo civilizatório global usa a palavra ecologia para saudar a qualidade de vida.

No passado, optou-se por afastar os empregos – no Norte – das moradias, ao Sul – o que implica hoje certo grau de desumanidade para com os trabalhadores, obrigados, muitos deles, a percorrer 80 minutos de ônibus – vários ônibus – para ir ao trabalho (parece São Paulo !).

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Se essas reminiscências servem para registrar uma mínima parte de um pedacinho de nossa história, devem servir, igualmente, para alertar os jovens a agirem com a responsabilidade necessária para não degradarmos nossas conquistas obtidas ao longo de 166 anos. E, fundamentalmente, para que se possa refletir e ter consciência para tornar a Joinville do futuro uma cidade mais humana e inteligente.

Nós veremos as conquistas de Joinville em amplo conteúdo que “AN” publicará na dição do dia 9. Na mesma edição, a coluna vai exercitar a arte de projetar o que gostaríamos que fosse a Joinville do futuro. Porque acreditar é preciso. E sonhar, indispensável.