Ministro do Planejamento nos governos de Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel por uma década, João Paulo dos Reis Velloso foi um dos arquitetos do modelo econômico da ditadura militar. Embora o mando político fosse dos generais, Reis Velloso garante que a condução da economia coube aos especialistas civis.
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Com a primazia de quem testemunhou fases distintas – do auge do milagre econômico à derrocada do endividamento -, sustenta que erros e acertos são de responsabilidade dos ministros civis. Fundador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), atualmente se dedica ao Fórum Nacional, que propõe discutir soluções para o país. Aos 82 anos, Reis Velloso concedeu entrevista a ZH por telefone, desde o seu escritório no Rio de Janeiro.
Zero Hora – Qual foi a participação de civis no modelo econômico do regime militar?
João Paulo dos Reis Velloso – A economia foi conduzida por civis, dentro daquela ideia dos militares de cada macaco no seu galho. Eles atuavam na área política, mas na econômica não se envolviam. O que houve de bom ou de ruim na economia, entre 1964 e 1984, foi de responsabilidade dos civis. Principalmente dos ministros da Fazenda e do Planejamento; ora um, ora outro.
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ZH – Como economistas civis se aliaram aos generais?
Reis Velloso – Havia três golpes em preparação no pré-1964. Um do Jango (presidente João Goulart) e outro do Brizola (ex-governador gaúcho Leonel de Moura Brizola), que pretendia instalar uma república sindicalista. O terceiro era dos militares. A classe média se dividiu. O Jango cometeu um erro, que não seria aceito em nenhum país. Subverteu a hierarquia militar, com aquela história de politizar sargentos e suboficiais.
ZH – Qual foi a principal característica do modelo econômico?
Reis Velloso – É preciso dividir o período em quatro fases. A primeira vai de 1964 a 1966, quando houve a reconstrução da economia do país, virtualmente destruída por Jango, que jogou no lixo o Plano Trienal que havia encomendado ao Celso Furtado. Então, o governo de Castelo Branco (Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro condutor da ditadura) tratou de reconstruir a economia.
ZH – Qual foi a segunda fase da economia?
Reis Velloso – Durou de 1967 a 1973. Foi a fase do chamado milagre econômico, isso entre aspas. O ministro Delfim Netto aproveitou o trabalho de reconstrução que tinha sido feito no período anterior, o do Roberto Campos. O Delfim soube tirar proveito e deu estímulo ao consumo. Conseguiu taxas de crescimento altas, com investimentos não muito elevados, na faixa de 8% a 11% ao ano. O Brasil cresceu, mas em setores de bens consumos duráveis, principalmente o automóvel. O lema era “exportar é a solução”. Mas foi se criando o que chamo de ovo da serpente. O Brasil importava muita matéria-prima, em setores nos quais era competitivo: petroquímica, siderurgia, metais não ferrosos, celulose. Produzia muito carro, mas os insumos eram importados.
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ZH – O milagre brasileiro acabou fracassando?
Reis Velloso – Em 1973, houve a crise do petróleo, quando o preço do barril subiu de US$ 2 para US$ 12 o barril. Arrebentou com o milagre brasileiro. Foi um problema, porque o Brasil importava 85% do petróleo que consumia. E havia os insumos para a indústria. Em 1973, a balança comercial estava praticamente zerada. Em 1974, com o choque do petróleo, apresentou um déficit de US$ 4,7 bilhões.
ZH – É então que surge a terceira etapa econômica?
Reis Velloso – Começa em 1974 e se estende até 1979. O milagre brasileiro desaba, foi preciso descobrir uma nova estratégia. Antes de ser empossado, o Geisel me fez duas visitas no Ministério do Planejamento. Na segunda, ele me perguntou: ‘Você acha que o Planejamento deve ser um ministério como os demais?’ Respondi a ele: ‘Não. Deve ser um órgão do Presidência da República, ou não deve existir. Ficaria em inferioridade perante o Ministério da Fazenda.’
ZH – O que aconteceu, então?
Reis Velloso – O Geisel transferiu o Planejamento para a Presidência. O meu gabinete era no Palácio do Planalto, ao lado do Gabinete Civil, do Golbery (Golbery do Couto e Silva). Lançamos o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), com duas grandes prioridades. A primeira, mais energia e petróleo. Felizmente o Geisel, quando era presidente da Petrobras, concentrara esforços na plataforma submarina, porque as bacias sedimentares não estavam dando resultado. Em 1974, descobriu-se o primeiro campo petrolífero, o da Bacia de Campos, no Rio de Janeiro. A segunda grande prioridade foi providenciar os insumos básicos para a indústria.
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ZH – Qual foi o resultado?
Reis Velloso – Em 1984, o Brasil registrou superávit na balança comercial de US$ 13,1 bilhões. Outra decisão foi macroeconômica. O Brasil não entrou em recessão, preferindo desacelerar progressivamente. Em 1977-78, houve crescimento de 5%.
ZH – E a quarta fase econômica?
Reis Velloso – Foi de 1979 a 1984. O Figueiredo (João Baptista Figueiredo, o último mandatário do ciclo militar), a quem eu considerava medíocre, escolheu o Simonsen (Mário Henrique Simonsen) como ministro. O Simonsen percebeu que a economia internacional piorava, que o cenário era preocupante. Resolveu desacelerar ainda mais a economia, com crescimento de 3% ao ano, mas não teve o apoio do Figueiredo. Então, o Figueiredo nomeou o Delfim, que reacelerou a economia, não se sabe em busca de outro milagre. A desgraceira veio no governo seguinte (com José Sarney, no início da redemocratização).
ZH – Por quê?
Reis Velloso – O ministro da Fazenda, Dilson Funaro, não obedeceu às regras do Tancredo (Tancredo Neves, que morreu antes de assumir a Presidência) de só se gastar o que se arrecada. O resultado foi que tiveram de fazer o congelamento de preços.
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