Florianópolis completou 350 anos e essa longa história carrega na bagagem fatos e curiosidades ainda pouco conhecidas, inclusive por nativos da Ilha. Por exemplo, você sabia que o idioma oficial da cidade poderia ser o espanhol? A capital catarinense está conectada a diversos acontecimentos marcantes do mundo e foi um destino fundamental na Corrida do Ouro.
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O arquiteto aposentado da Coordenadoria das Fortalezas da Ilha de Santa Catarina (CFISC), Roberto Tonera, conta que, além de pontos estratégicos de defesa militar, os fortes de Santa Cruz de Anhatomirim, São José da Ponta Grossa, Santo Antônio de Ratones eram também pontos de alfândega, inspeção de cargas, controle sanitário e até mesmo para a quarentena de doentes. Partindo dessa conversa, ele compartilhou com nossa redação o telefone de uma amiga, a jornalista Marli Cristina Scomazzon, uma das autoras do livro A caminho do ouro — Norte-americanos na Ilha de Santa Catarina.
Publicado em 2015 pela editora Insular, em coautoria com o pesquisador Jeff Franco, o livro traz relatos escritos pelos tripulantes dos navios saídos da Costa Leste dos Estados Unidos e que, após meses de viagem, faziam sua primeira parada em solo catarinense. Os “relatos de amor à Ilha” são diários de bordo, cartas e ilustrações da época e, segundo Marli, compartilham um ponto comum: o sentimento de admiração e encanto frente às belezas naturais da então Desterro, conhecida pelos norte-americanos como “Our Lady of Exile” ou “Our Lady of Banishment”.
— Eu estava lendo um jornal em São Francisco [Califórnia] quando me deparei com essa informação — conta Jeff.
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Foi um acaso que levou o pesquisador e a jornalista a investigar mais a fundo a passagem de milhares de pessoas saídas de cidades como Nova York, Boston, Filadélfia, Baltimore, Nova Orleans e muitas outras, com destino à Califórnia, território recém-adquirido pelos Estados Unidos após a guerra com o México, por meio do Tratado Guadalupe-Hidalgo, assinado em 1848.
O sonho dourado
A descoberta do ouro na Costa Oeste dos EUA foi o que despertou o interesse para a colonização daquela região; até aquele momento, poucos se atreviam a atravessar o país longitudinalmente. A Califórnia daquela época nada tem a ver com a conhecida hoje, seja visitando cidades como Los Angeles e São Francisco ou por meio de filmes e séries.
Era mais parecida com a descrição oferecida pela jornalista Joan Didion, uma das maiores vozes do New Journalism, no ensaio “Sonhadores do sonho dourado”: “(…) não a Califórnia costeira dos crepúsculos subtropicais e dos suaves ventos do oeste vindos do Pacífico, mas uma Califórnia mais severa, assombrada pelo Mojave do outro lado das montanhas, devastada pelo calor e pela secura do vento de Santa Ana, que desce pelas encostas a 160 quilômetros por hora, ruge pelos quebra-ventos de eucalipto e dá nos nervos”.
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Ainda não havia estrada de ferro e, ao longo do caminho, eram muitos os perigos que um viajante aventureiro poderia encontrar. Rios caudalosos, montanhas, bandidos e os indígenas nativos americanos, temidos pelos colonizadores e habitantes da Costa Leste, eram alguns dos obstáculos que seriam enfrentados por quem ousasse fazer a travessia. Por isso, apesar da distância, a melhor forma de se chegar ao outro lado era contornando o Cabo Horn, o ponto mais ao sul da América do Sul.
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O trajeto de quase 30 mil quilômetros começava nos portos da Costa Leste, descia para o Golfo do México e passando pela costa brasileira. Alguns navios paravam no Rio de Janeiro, mas, de acordo com os documentos encontrados pelos autores do livro, a escala em Santa Catarina tinha suas vantagens: além de ser um local menos movimentado — o que garantia menos atrasos —, “os regulamentos governamentais eram mais brandos na Ilha e era possível para um navio estrangeiro, oferecendo o ‘incentivo apropriado’ para os oficiais do porto, pagar taxas portuárias menores do que no Rio”, como consta na obra, citando o livro Sea routes to the gold fields [Rotas marítimas para os campos de ouro], de Oscar Lewis (1949).
Chegada em Santa Catarina
Entre 1849 e 1853, estima-se que 64 milhões de dólares em ouro circularam nos barcos a vapor que passavam via Panamá. A corrida do ouro, que durou, aproximadamente, entre 1848 e 1856, trouxe lucros também para o Brasil, especialmente com o comércio estabelecido com os navegantes que paravam na costa do país e, na década de 1850, o ouro californiano foi usado para cunhar moedas brasileiras. No livro, Scomazzon e Franco apresentam a lista de barcos que passaram por Desterro. Eram cerca de 700 embarcações por ano, uma média de dois por dia.
— Essas paradas aconteciam pois, após dois ou três meses no mar, os navios já não tinham mais suprimentos. E, aqui onde hoje é Florianópolis, eles encontravam água, frutas em abundância, madeira, tudo o que precisavam — explica Marli.
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No diário de um dos tripulantes do navio Hersilia, que parou aqui em 1848, está escrito que o litoral catarinense era pequeno, tinha cerca de seis mil habitantes, em sua maioria comerciantes aposentados, e relata como foi bem recebido pelos locais: “Os habitantes são hospitaleiros com os estrangeiros, especialmente os americanos. (…) Fui sempre invariavelmente convidado a entrar em todas as casas pelas quais passei e compartilhar um café, que parece que sempre têm à mão e é de qualidade superior”.
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A variedade de frutas, o café, a gastronomia e a paisagem paradisíaca de Desterro encantaram tanto alguns argonautas que houve quem decidiu ficar. O livro traz histórias de pessoas que desertaram dos navios e abandonaram a viagem logo na primeira escala, das brigas e festas que aconteciam durante as navegações, das impressões que os viajantes tinham sobre essa terra que é tão diferente de seu país natal. “Esse é um livro que exalta a Ilha, e é uma exaltação feita por ‘estranhos’. A cidade precisa amá-lo”, resume Marli.
A pesquisa
Toda a investigação documental se deu ao longo de quatro anos e a maior parte foi feita no exterior. Os documentos, diários e registros estão, em sua maioria, em cidades da Califórnia e no condado de Nantucket, no estado de Massachusetts, nos EUA. “Quando li aquela primeira vez sobre isso no jornal, nem acreditei. Mas aí você vai pesquisando e uma coisa puxa a outra. No livro, não usamos nem 10% de todo o material que encontramos”, afirma Jeff.
— Tudo o que está no livro está referenciado. Quando lançamos, as pessoas perguntavam se era ficção, diziam que éramos muito criativos. Precisávamos sempre explicar que está tudo registrado, realmente aconteceu — conta Marli.

A caminho do ouro foi o primeiro livro publicado pelo casal, que, desde então, lançou outras duas obras (História natural da Ilha de Santa Catarina, em 2017, em coautoria também com Daniel Falkenberg, e Primeira circum-navegação brasileira e primeira missão do Brasil à China (1879), em 2020). Atualmente, trabalham em uma nova pesquisa, iniciada há dois anos, sobre os aventureiros pré-colombianos.
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