Você chega na sala e encontra seu filho sozinho, com um bonequinho sem o braço. Ao perguntar quem quebrou o brinquedo, a resposta:
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– Não fui eu…
Mentiras fazem parte da relação entre pais e filhos. Com conversa e exemplos, aprender a lidar com a situação ajuda na educação das crianças. Mas, antes, é preciso desvendar os embustes, denunciados no comportamento, como ocorre com Bruno Abel, cinco anos, modelo desta reportagem. Quando ele apronta das suas, os pais Cláudio e Andréa já conhecem os sinais.
– Ele fica desconcertado, muda de assunto, chama atenção para outra coisa – revela o pai.
Olhares para baixo, risos e nervosismo indicam mentiras, segundo Carolina Lisboa, professora da pós-graduação em Psicologia da Unisinos, que destaca a importância de evitar um ambiente repressivo ou muito liberal em casa. Contra a mentira, bom senso é sempre recomendado:
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– As reações dos pais pesam. Se os filhos se sentem acuados quando contam ter feito algo errado, é normal mentirem para fugir de punições.
No caso das crianças, o alerta de perigo tem relação com idade e capacidade de separar a mentira social da mentira nociva, capaz de prejudicar o próximo. Doutora em psicologia escolar e desenvolvimento humano, a professora da Universidade Mackenzie Solange Aparecida Emílio explica que, desde o momento em que aprende a falar, a criança mente.
Até a idade escolar, porém, é normal distorcer os fatos, mesclando verdade e a fantasia das histórias infantis.
– É preocupante se a partir do sete, oito anos a criança usar a mentira como única maneira de lidar com a realidade. Ela mente para levar vantagem – complementa.
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Outro cuidado está nos exemplos. Sem perceber, os pais podem criar um mentiroso com as pequenas inverdades do dia a dia, como a mãe que não conta ao marido que fez compras, ou o choro disfarçado. Assim, mentir para fugir do banho, não comer salada e evitar castigos vira ferramenta no cotidiano dos filhos.
– A criança não pode pensar que se dá bem mentindo, pois manterá o hábito e no futuro terá problemas em suas relações sociais. Cobrar a verdade, sem ser agressivo, é um favor para os filhos – destaca Carolina.
Técnicas de investigações policiais ajudam a denunciar um mentiroso mirim. Com mais de 700 crimes digitais solucionados, o autor do livro Mentira: Um Rosto de Muitas Faces, Wanderson Castilho, usa a técnica do psicólogo americano Paul Ekman, que analisa as microexpressões faciais. É a mesma que aparece no seriado americano Lie to Me. Ex-aluno do Instituto para Treinamento de Análises Comportamentais, onde passam agentes da CIA (serviço secreto dos EUA) e do FBI (polícia federal americana), Castilho afirma que, apesar da mentira ser rotineira, deve ser evitada entre as crianças.
– Antes dos oito anos, a criança não identifica uma mentira social – diz.
Na entrevista a seguir, aprenda alguns macetes.
Um papinho com…
Wanderson Castilho, autor do livro “Mentira: Um Rosto de Muitas Faces”
Meu Filho – Como os pais podem saber se os filhos estão mentindo?
Wanderson Castilho – Os pais precisam prestar atenção no comportamento do filho quando ele conta a verdade e tirar um padrão. Quando mentir, o comportamento mudará.
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MF – Quais são as mudanças mais comuns?
Castilho – Piscadas, desvio do olhar, passadas dos lábios, coçar o nariz e a orelha, passar a mão no cabelo, muitas pausas para falar. Quando a criança revive uma situação, ela aciona a memória, é espontânea. Quando cria, precisa de tempo para pensar.
MF – E as microexpressões? Como funcionam?
Castilho – Raiva, medo, alegria, tristeza, nojo, surpresa e desprezo são expressões universais. A pessoa mexe determinados músculos da face para cada expressão. Em um flash, expressa o que realmente sente. Eu gosto de você, mas a microexpressão é de nojo.
MF – Mas os pais conseguem ter essa percepção?
Castilho – É preciso um pouco de treinamento. Os pais podem prestar atenção se a expressão facial tem relação com o assunto. A criança fala de um tema triste com um semissorriso. Quando fala e expressão não combinam, há um grande indicativo de mentira.
MF – O que leva a criança a mentir?
Castilho – A vergonha faz qualquer ser humano contar mentiras. Ao transpor uma regra, é normal a criança mentir. A inveja, a raiva e as emoções negativas tendem a propiciar a mentira.
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MF – A mentira é sempre negativa?
Castilho – Mais de 90% das mentiras são sociais, sem prejuízos. O problema é se há intenção de prejudicar alguém. Já com as crianças, é bom falar sempre a verdade. Até os oito anos, ela não separa a mentira social da negativa. Ela vai aprender por si só a mentira social.