O programa Universidade Gratuita foi apresentado há três semanas pelo governo do Estado, mas até agora não começou a tramitar na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc). Uma disputa entre universidades comunitárias e particulares por uma fatia maior dos recursos e divergências sobre o formato podem explicar o atraso na avaliação do tema pelos deputados estaduais de SC.
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Principal proposta do governador Jorginho Mello (PL) na campanha vitoriosa das eleições de 2022, a iniciativa consiste em conceder gratuidade em cursos superiores de instituições comunitárias, em especial as vinculadas ao sistema Acafe.
A promessa era de implantação a partir do segundo semestre deste ano, mas o primeiro passo do projeto na Alesc deve ser dado somente nesta quarta-feira (7), com a leitura do texto no plenário. É a partir desta etapa inicial que os projetos podem passar a ser analisados nas três comissões do Legislativo de SC que vão avaliá-los: a de Constituição e Justiça, a de Finanças e a de Educação.
A demora no início da tramitação pode ser explicada por um impasse entre universidades comunitárias, sem fins lucrativos e que serão contempladas com o programa de gratuidade, e particulares, que têm previsto um aumento em bolsas de estudo como espécie de contrapartida ao incentivo oferecido às instituições comunitárias.
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A pressão de estudantes e dos grupos envolvidos também tem levado a divergências de parlamentares sobre qual deveria ser o formato do programa. Somado a isso, o Tribunal de Contas do Estado (TCESC) emitiu um parecer nesta semana contestando ao menos três pontos dos projetos e pedindo explicações ao governo, o que esquentou ainda mais a polêmica sobre o tema (leia mais abaixo).
Desde que o projeto foi entregue pessoalmente pelo governador Jorginho Mello, em 16 de maio, o presidente da Alesc, Mauro de Nadal (MDB), tem prometido uma reunião com os presidentes das comissões para definir um calendário com as datas até a votação. O prazo é importante para o governo poder prever se, em caso de aprovação, será possível implantar o projeto já no segundo semestre deste ano. No entanto, até o momento a reunião para definição do cronograma ainda não ocorreu.
Universidades disputam apoio de deputados
A indefinição com a queda de braço entre universidades comunitárias e particulares abriu espaço para o lobby nos gabinetes dos deputados, antes mesmo do início oficial da tramitação. Conforme publicou a colunista do NSC Total, Dagmara Spautz, nomes como Elizabeth Guedes, irmã do ex-ministro da Economia Paulo Guedes e representante da associação nacional de instituições privadas de ensino superior, engrossou o coro dos que defendem uma participação maior dessas entidades na divisão de recursos do Estado voltados a custear o ensino superior.
A dirigente vem alertando para um suposto risco de que alunos não contemplados com a gratuidade nas universidades comunitárias entrem na Justiça cobrando que o Estado banque os estudos deles, o que poderia trazer impacto forte e fora dos planos para os cofres do Estado.
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A reportagem apurou que há divisão no posicionamento inicial de deputados. Há parlamentares que defendem um percentual maior para as universidades privadas, enquanto outros apoiam a aprovação do projeto original elaborado pelo governo. Há ainda quem defenda um aumento no investimento do ensino médio, principal atribuição constitucional de governos estaduais.
A divergência pública entre as entidades faz alguns parlamentares acreditarem que não houve consenso na proposta construída pelo governo com as universidades e sugere uma divisão, que poderia se estender até mesmo a parlamentares da base do governo Jorginho. Com isso, deputados que defendem mudanças no formato original do Universidade Gratuita teriam se sentido mais “à vontade” para expressar seus posicionamentos.
O gesto da mesa diretora da Alesc de atrasar o início da tramitação é visto por alguns deputados como uma forma de ganhar tempo para a construção de um consenso e de evitar uma enxurrada de emendas que poderiam até mesmo desvirtuar a proposta original do governo de SC.
TCE-SC questiona pontos do programa
Um parecer aprovado pelo TCE-SC na segunda-feira (6) contestou pontos do Universidade Gratuita. Entre eles está o fato de que o programa poderia comprometer o investimento na educação básica, dificultando o cumprimento de metas do Plano Nacional, o fato de o impacto financeiro não estar adequado à Constituição do Estado e o risco de a iniciativa fazer uma “redistribuição de renda inversa”, beneficiando estudantes de maior poder aquisitivo. O órgão pediu mais informações ao governo sobre a proposta em até 15 dias.
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A Secretaria de Estado da Educação informou que ainda não recebeu o ofício do TCE, mas divulgou nota afirmando que prestará os esclarecimentos e defendendo o projeto do governo. Segundo o texto, o governo também propõe aumento em bolsas nas universidades particulares, triplicando o recurso atual, e não reduz investimentos no ensino fundamental e médio.
Particulares defendem maior debate
O conselheiro da Associação de Mantenedoras Particulares de Educação Superior de Santa Catarina (Ampesc) e reitor da UCEFF, Leandro Sorgatto, acredita que a complexidade do programa explica a demora inicial nas discussões na Alesc.
— O projeto não tramitou ainda porque há um cuidado da Casa para fazer os ajustes, para que ele possa tramitar de forma mais equilibrada e tranquila.
Segundo ele, o projeto impacta centenas de milhares de estudantes e pode ter consequências ao Estado. Por isso, precisaria de um debate mais amplo e regionalizado.
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— Temos todo esse período de conscientização. Entendemos que o estudante deveria estar no protagonismo. E nesse formato, não é, nesse formato é a instituição de ensino — aponta.
Acafe pede celeridade e aprovação do texto original
Já a presidente da Associação Catarinense das Fundações Educacionais (Acafe), Luciane Ceretta, afirma considerar que a tramitação até aqui tem sido lenta, mas sem fazer ponderações sobre os motivos disso.
— Eu confio muito no objetivo comum de todos por mais que tenhamos formas diferentes de ver o mundo. Eu confio muito no governo do Estado, na Assembleia Legislativa, e todos queremos o melhor para o estado de Santa Catarina. Portanto, na nossa expectativa, ou tramita em tempo hábil [de ser aplicado já no segundo semestre], ou então deve ser retirado na nossa concepção e mantido o Uniedu — diz Ceretta, que é também reitora da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc).
Ela defende ainda que a Alesc dê, além de celeridade ao texto, aprovação à versão original dele, argumentando que o projeto já foi desenhado com exigências de contrapartidas das universidades comunitárias, que terão de arcar com parte dos alunos e já oferecem serviços à sociedade.
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— Se não for aprovado [o original], a nossa solicitação é que o projeto seja retirado e se construa condições diferentes de permanência e promoção do acesso a partir do Uniedu, aportando nele os recursos dos projetos que estão sendo discutidos na Alesc [do Universidade Gratuita e das bolsas às particulares].
O que dizem os deputados
O deputado Fabiano da Luz (PT) afirma que o cenário de disputas faz com que o governo de SC ainda não tenha certeza de maioria de votos para levar a proposta adiante.
— O governo tem pressa, mas não tem garantia. O Estado precisa aprovar neste primeiro semestre, mas não tem acordo para fazer com que o projeto passe do jeito que está, priorizando o sistema Acafe. Muitos deputados também têm defendido que os alunos de universidade privadas tenham acesso a bolsas de estudos, além dessa questão do Tribunal de Contas — afirma o deputado Fabiano da Luz (PT).
Parlamentares do PL negam e asseguram que há votos para aprovar o texto original, mas admitem preocupações com o prazo curto e com a repercussão. O líder do governo na Alesc, deputado Edílson Massocco (PL), minimiza a demora no início da tramitação e não relaciona isso a divergências de deputados com o formato proposto pelo governo para o Universidade Gratuita.
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— Acredito que não tenha nenhum problema, nenhuma dificuldade. Não há divergência — diz.
O deputado Maurício Eskudlark (PL) também cita a mobilização de universidades particulares e acredita que a falta de um consenso sobre a proposta é o que vem impedindo a tramitação. Ele defende a aprovação do texto original do governo, embora admita uma discussão sobre o limite de renda — o parlamentar considera alto o teto de 20 salários mínimos (R$ 26,6 mil) para o recebimento do valor integral da mensalidade.
— Eu espero que (o projeto) ande porque para ser implantado no segundo semestre, o projeto precisa ser votado, e a Assembleia não pode ficar com esse ônus de ele não ser implementado porque a Assembleia não votou — defende.
O deputado estadual Mateus Cadorin (Novo), membro da Comissão de Educação da Alesc, também afirma que o impasse sobre a situação das universidades particulares e outros fatores como o possível impacto do programa Universidade Gratuita nas ações do ensino médio em SC, citado no parecer do TCE, podem ter atrasado a discussão sobre o projeto na Assembleia. Ele afirma que pretende fazer na comissão a defesa para que a remodelação das bolsas de ensino superior não impacte nas ações do ensino médio e não provoque “desequilíbrio mercadológico” às faculdades privadas.
— O que faria mais sentido é que (o benefício) deveria ser direcionado ao CPF, e não ao CNPJ. A gente vê a distribuição grande para dois CNPJs, quando deveria ser direcionado para alunos que têm mais dificuldade financeira de estudar levarem em conta a cidade que mora, o curso, ou a qualidade que gostariam de ter do ensino — defende.
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O deputado Napoleão Bernardes (PSD), coordenador da Frente Parlamentar em Defesa das Universidades Comunitárias, considera que o projeto original do governo tem um “olhar amplo e voltado a todos os segmentos”. Isso porque além da gratuidade nas faculdades filantrópicas, o texto aumenta as bolsas para as particulares e permite que professores da rede estadual tenham acesso a mestrados e doutorados de universidades comunitárias.
Segundo ele, o momento seria de o governador Jorginho Mello assumir a articulação para garantir que o projeto analisado e votado pelos deputados esteja em linha com a proposta original.
— Se a coisa correr solta, o resultado final vai ser uma grande incógnita, e o projeto que pode ser transformador, em vez do “ganha-ganha”, pode se tornar um “perde-perde” — alerta.
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