Para aqueles pegos de surpresa pela notícia de que a cantora islandesa Björk tocou uma música de MC Brinquedo em seu DJ set durante uma festa em Nova York: isso não é tão incomum. Quem não lembra de Beyoncé dançando o Passinho do Volante (aquela do “ah lelek”) no Rock in Rio de 2013? Ou da explosão da anglo-cingalesa M.I.A. com Bucky Done Gun, música que mostrava sua quase veneração pelo funk carioca? A questão é que o ritmo tupiniquim é, não raro, mais apreciado por artistas gringos do que pela brava gente brasileira.
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Um motivo bastante óbvio se sobressai de imediato: a letra. Naturalmente cheia de palavrões, referências a sexo e a crimes, a poesia dos MCs brasileiros não é entendida por quem não fala português. Para o jornalista Silvio Essinger, autor do livro Batidão: Uma História do Funk, a explicação é verossímil, mas não encerra a discussão:
– Aquele funk soava bem no meio da discotecagem, tinha lá sua dose de estranheza e ninguém sabia o que a letra dizia. Mesmo se soubesse, não ia dar muita bola. Agora, só a letra (ser a causa da rejeição do funk no Brasil)? Não. Se o MC Brinquedo fosse branco e de classe média, ia ter alguém passando a mão na cabeça dele.
Björk toca música de MC Brinquedo durante discotecagem em Nova York
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Funkeiros mirins: sexualização precoce ou reflexo do cotidiano?
A questão racial e de classe social – que, segundo Essinger, “envolve tudo” no Brasil – é lembrada também pelo faz-tudo da música brasileira Edu K, líder do DeFalla e autor do hit Popozuda Rock ‘n’ Roll. Acostumado a tocar em festas na Europa, Edu K avalia que essa segregação torna o funk carioca “a expressão mais f*da e mais moderna da nossa música pop”.
– Isso é preconceito do brasileiro colonizado, que conspira para que o funk nunca deixe de ser uma expressão underground no país. E é justamente daí que vem uma de suas maiores fontes de energia. É autêntico, genuíno, inovador, futurista e uma via de comunicação do gueto com o mundo, assim como foi o hip hop um dia. E, claro, é “exótico” para os gringos, que nos veem como colônia – diz.
O que pode ter ajudado Björk – uma islandesa – a conhecer MC Brinquedo – um piá de 13 anos que mora na periferia de São Paulo – é o sucesso do funkeiro na internet. Além de suas músicas, Brinquedo ganhou fama nas redes sociais com o bordão “meça suas palavras, parça” e com seus vídeos jogando Minecraft. A ascensão do guri deve ter facilitado que Björk o encontrasse pela internet. E nada melhor para alimentar a aura cult de Björk do que tocar uma música diferente de um artista totalmente desconhecido em uma festa modernosa organizada por uma gravadora em Nova York.
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– Quantas pessoas que não são brasileiras sabem quem é o MC Brinquedo? Quantas músicas de alguém da Bósnia ela tocou na festa e a gente nem sabe? Entra no segmento da peculiaridade, que causa um impacto no hipsterismo da festa – avalia o jornalista Leandro Vignoli.