Da mesma forma como Carlos Moisés (PSL) assumiu o governo de Santa Catarina vindo de um histórico sem participação política e sem ser conhecido por muitos catarinenses — mesmo com a expressiva votação de 70% no segundo turno —, Daniela Reinehr (sem partido) abriu nos últimos dias um período de governo interino no Estado em que existem mais dúvidas do que respostas. Mas sinais públicos e de bastidores dão um indicativo do que o catarinense pode esperar dos próximos meses.

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Embora tenha um nascimento político parecido com Moisés, durante os movimentos de rua que pediam o impeachment de Dilma Rousseff, Daniela se tornou uma antagonista do governador afastado em vários pontos. Onde Moisés se mostrava mais moderado e se distanciava do discurso que o elegeu na onda do presidente Jair Bolsonaro, Daniela faz questão de firmar posição e indicar uma atitude voltada ao conservadorismo, de direita e alinhada ao presidente.

Para analistas políticos, a primeira mudança feita por Daniela no primeiro escalão do governo já é um aceno ao bolsonarismo, ao pôr na Casa Civil o general da reserva Ricardo Miranda Aversa. Além disso, em sua primeira entrevista no cargo, na terça-feira (27), Daniela sinalizou políticas mais brandas em relação ao coronavírus, destacando que dará liberdade aos municípios para que tomem medidas mais restritivas. São os primeiros passos de uma administração temporária, até decisão definitiva sobre o processo de impeachment contra Moisés pela equiparação salarial de procuradores do Estado.

Moisés teve uma vitória importante nesta semana: a Polícia Federal (PF) informou que a investigação sobre a compra de 200 respiradores por R$ 33 milhões, sem licitação, não apontou participação dele em nenhum crime. O outro pedido de afastamento dele, que também vai ao Tribunal de Julgamento do Impeachment, é sobre este caso, mas o que os deputados e desembargadores vão votar é se houve crime de responsabilidade de Moisés.

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— A Daniela se assume de direita, diferente de Moisés que estava no meio termo, que falava que não era da política, que era da nova política. Ela vem de uma tradição conservadora de direita em Santa Catarina. Ela assume posições contrárias ao Moisés, mas as premissas trazem as mesmas incógnitas do começo do governo dele. Ela vai se alinhar com ala bolsonarista militar? Olavista? Com qual projeto para o Estado? — avalia o cientista político e professor da Univali, Eduardo Guerini.

Aliados de Bolsonaro em Brasília comemoraram vitória de Daniela

Em Santa Catarina, a nova governadora não é unanimidade entre a ala conservadora e contabilizou votos desse grupo no processo de impeachment na Alesc, mas acabou beneficiada pela mudança de voto do deputado Sargento Lima (PSL) no tribunal de julgamento. No entanto, Daniela tem boa circulação em Brasília com pessoas próximas ao presidente Bolsonaro.

O maior exemplo é a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), uma das parlamentares mais próximas do presidente e que considera a nova governadora de SC como uma amiga. As duas se conhecem desde os protestos contra Dilma e, durante a campanha em 2018, Zambelli chegou a passar alguns dias no Oeste catarinense ao lado de Daniela. A deputada paulista cita inclusive que antes da chapa ao governo de SC ser formada, apoiou que Daniela tentasse concorrer ao cargo de deputada estadual, pois via muita “veia política” nela.

— A ala bolsonarista está muito feliz, o bloco da Aliança pelo Brasil (partido que Bolsonaro pretende criar e que motivou a saída de Daniela do PSL), a gente comemorou muito a vitória dela, e ficamos bastante satisfeitos com o voto do Sargento Lima, por ele ter voltado atrás na posição dele — disse Zambelli em entrevista exclusiva ao DC.

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Zambelli revela também que houve participação de Brasília nas negociações para tentar salvar Daniela do afastamento no processo de impeachment. A própria deputada confirma que fez ligações e falou com pessoas de Santa Catarina na véspera do julgamento. Dono do voto que mudou a história, Sargento Lima não foi um dos alvos das ligações de Zambelli nos dias anteriores ao tribunal, mas ela afirma que tentou fazer o deputado catarinense mudar de ideia ainda na votação anterior do caso, na Alesc.

— Falei com ele (Lima) antes, que como líder da bancada e com a história de vida que ele tinha, não podia deixar essa injustiça acontecer. Tentei puxar ele para esse lado. Eles (os deputados do PSL em SC) diziam que o receio era que para salvar a Daniela teria que salvar o Moisés também, e isso eu compreendia, mas a Constituição garantia a votação separada para os dois. Mas a conversa com ele (Lima) foi antes do voto de agora, e ele nem chegou a me responder. Eu vi que ele leu a mensagem, mas não respondeu. Mas acho que isso ficou na cabeça dele.

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Zambelli é crítica em relação às dúvidas que a bancada do PSL catarinense tem com Daniela. Para a deputada paulista, a governadora de SC e o presidente Bolsonaro “têm a mesma essência”:

— A Daniela é muito discreta. Ela sabia do papel de vice, sabia que o Moisés tinha virado a casaca e abandonado o presidente, mas ela sempre teve responsabilidade na hora de criticar. Muita gente não sabia, mas ela atuava nos bastidores intermediando diálogos com o governo federal. Espero agora uma atuação diferente da que ela tinha como vice. Como governadora, ela sabe a responsabilidade de se posicionar, não é hora de ficar em cima do muro. Pode esperar dela uma agenda conservadora, mas também pacificadora. Ela escolhe as brigas que compra. Pode esperar uma postura respeitável com os poderes.

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Governo interino terá sombra de Moisés

Mesmo afastado pelo tribunal de julgamento e encarando um segundo processo de impeachment a caminho, Carlos Moisés teve boas notícias na última semana e, talvez, esteja vendo o futuro com o olhar mais otimista dos últimos meses. No julgamento final do caso do salário dos procuradores, a votação que causou o afastamento (por 6 votos a 4) não é o suficiente para cassar o mandato do governador, pois no julgamento final serão necessários ao menos sete votos pelo impeachment.

Assim, um dos desembargadores que votou pelo arquivamento teria que mudar de ideia nos próximos meses para tirar Moisés de vez do cargo, enquanto os cinco deputados do tribunal teriam que manter seus votos pelo impeachment. O que se vê na Alesc, no entanto, já é um movimento animador para o governador. Nas palavras do deputado Valdir Cobalchini (MDB), que vai integrar o tribunal do segundo impeachment, sobre o caso dos respiradores, “há um clima favorável ao governador”.

Para os deputados, o afastamento sempre foi tratado como algo para Moisés e Daniela. O resultado do tribunal que salvou Daniela esfriou o movimento contra o governador por consequência. Além disso, o impeachment por causa da compra dos respiradores, visto desde o início como a acusação mais forte contra Moisés, também perdeu fôlego nos últimos dias, quando a Polícia Federal disse não ter encontrado indícios de participação dele na desastrosa aquisição que custou R$ 33 milhões ao Estado.

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— Creio que Moisés vai movimentar os bastidores para acelerar a decisão da retomada do poder em Santa Catarina e, objetivamente, enfraquecendo a capacidade de gestão de Daniela. Ela vai governar com o fantasma do Moisés rondando a casa da vice-governadora. Ela desejando ir para a Casa d’Agronômica, mas o fantasma do Moisés atravessando a ponte e indo até Coqueiros na casa da vice — analisa Eduardo Guerini, ao citar o bairro na região continental de Florianópolis em que mora Daniela.

Efetivamente, Moisés já afirmou em entrevista que usará o período de afastamento para fazer uma aproximação com os deputados estaduais. A falta de relações políticas sempre foi uma das maiores críticas feitas ao governador, que agora deve ter até 120 dias para estabelecer elos com as lideranças políticas de Santa Catarina, em uma tentativa tardia — mas ainda em tempo — de repetir o feito de Daniela no tribunal e virar o jogo.

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