Aproxima o cartão, gira a catraca, entra no ônibus. Pelo menos R$ 10,50 para ir e voltar para a casa. Em Joinville, cada um dos 110 mil usuários de transporte coletivo destina parte da renda para se locomover pela cidade. No outro lado da via, 70 cidades brasileiras passam a implementar a tarifa zero no serviço. Em Santa Catarina, quatro municípios aderiram a ideia de passe livre: Forquilhinha, Garopaba, Bombinhas e Governador Celso Ramos. 

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Conforme o secretário de Infraestrutura Urbana (Seinfra), Jorge Luiz Correia de Sá, o custo atual para a prefeitura com o transporte em 2022 foi de R$ 29 milhões. Deste valor, R$ 6,5 milhões foram recebidos em apoio do governo federal por ano. Para 2023 a projeção está em R$ 40 milhões. Entre os custos estão, por exemplo, o de pessoas com deficiência, que tiram R$ 6 milhões do orçamento municipal por ano. As linhas do “madrugadão”, conforme o secretário, tem um custo de R$ 842 para cada passageiro, já que o veículo costuma conduzir até uma pessoa em um carro com capacidade para até 70 usuários. 

— Não sabemos se ele mora na zona Sul ou Norte, por isso, se coloca toda a linha pra funcionar. Não temos o ponto de equilíbrio de passageiros para preencher o veículo, mas não podemos deixar sem funcionar — explica. 

Com 110 mil passageiros mensais, Jorge calcula que, se baseando pelo custo da tarifa “social” atual, seriam necessários ao menos R$ 180 milhões anuais para custear tarifa zero para todos os passageiros de Joinville. A conta se dá após multiplicar os usuários por 5,25, o atual preço da passagem. A quantia equivale a metade da folha de custos do Hospital São José, uma das maiores da cidade. 

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— A prefeitura tem metas estabelecidas, não vê essa ideia como viável, a não ser se o governo federal repassar recursos — argumenta. 

Em vez do passe livre, Jorge diz que a gestão do prefeito Adriano Silva (Novo) avalia que o sistema precisa operar com três pontos principais: serviço de qualidade, cumprimento de horários e preço acessível. 

Subsídio da prefeitura e queda de usuários

Em Joinville, o preço da passagem poderia ser ainda maior. Com a divisão em tarifa “técnica” e “social”, a prefeitura subsidia parte do valor da primeira opção, avaliado em R$ 7, tornando o custo a R$ 5,25 (R$ 5,50 embarcado), pagos unicamente pelos usuários. Sem isso, para o secretário do Seinfra ressalta que o número de passageiros despencaria. 

— Se qualquer cidade se baseasse apenas pela tarifa técnica, ninguém usaria o transporte coletivo — analisa. 

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Apesar da prefeitura custear parte da tarifa, o número de passageiros no transporte coletivo despenca há décadas em Joinville. Conforme dados do IBGE, em 2000, Joinville tinha cerca de 430 mil habitantes e 50,3 milhões de passageiros transportados por ano. Em 2010, a cidade tinha 515 mil habitantes e o número de passageiros já tinha caído para  46,7 milhões.

Em 2019, antes da pandemia, com a população já em mais de 590 mil habitantes, a quantidade de passageiros diminuiu para 35,3 milhões. A tendência de encolhimento acelerou com a Covid-19, mesmo com a prefeitura congelando os aumentos por três anos. Em 2022, com a população estimada em 618 mil, a projeção é de que 25,8 milhões foram transportados. 

Conforme o Joinville em Dados, em 2000, 32% dos moradores eram transportados por ônibus, o percentual cai para 24% em 2010 e, sete anos depois, chega a 17%. Ou seja, mesmo com a população crescendo, o número de usuários cai. 

Como pagar a tarifa zero? 

Daniel Santini, mestrando na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), diz que o poder público deve trabalhar ao máximo para democratizar o acesso e garantir condições favoráveis de mobilidade para toda a população, já que o Artigo 6º da Constituição Federal prevê que o transporte é um direito social. 

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— Todas as cidades do país deveriam trabalhar pela tarifa zero ou, pelo menos, por tarifas módicas, que são aquelas praticadas no menor valor possível — ressalta.

Ele diz, porém, não existir uma solução universal ou “fórmula mágica” para tornar o transporte coletivo gratuito à população, sendo possível financiar o serviço conforme a realidade de cada município. 

— Cada cidade deve definir como viabilizar, de preferência em diálogo com os trabalhadores e trabalhadoras do setor e a população — argumenta. 

Em pouco mais de duas décadas, Joinville reduziu em 15% o número de passageiros (Foto: Arquivo AN)

Como exemplos, cita Caucaia (CE), hoje a cidade mais populosa com passe livre, com 368,9 mil habitantes, reestruturou gastos públicos e buscou novos contratos de aluguel de ônibus para conseguir viabilizar o sistema. Já em Vargem Grande Paulista (SP), o comércio aplica contribuições mensais à iniciativa, se beneficiando, conforme Daniel, do aumento de pessoas circulando pela cidade. 

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— Manter apenas uma empresa, ou um grupo de empresas, controlando todas as etapas, incluindo gestão, fornecimento dos ônibus, garagens, controle do número de passageiros e fiscalização do serviço não é exatamente uma boa ideia. A criação de fundos municipais combinando receitas pode ser uma boa estratégia — explica. 

Para financiar a tarifa zero, há ideias que citam a implantação do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), que parte das multas de trânsito, estacionamento e publicidade nos terminais e ônibus sejam destinados à ideia. 

Autor do livro“Passe Livre: as Possibilidades da Tarifa Zero contra a Distopia da Uberização”, ele diz que Joinville precisa rever a política de preço aos usuários do transporte coletivo para atrair mais pessoas para dentro dos ônibus. 

— Os preços praticados estão entre os mais caros do país e a consequência é que menos gente vai andar de ônibus, desequilibrando ainda mais o já frágil equilíbrio financeiro e forçando a novos aumentos, em um ciclo desastroso. É o que temos visto nos últimos anos — argumenta. 

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Acesso à cidade, impacto na saúde e meio ambiente 

Daniel Santini destaca que políticas públicas de tarifa zero trazem benefícios sociais, econômicos e ambientais, aumentando o acesso à cidade aos moradores e reduzindo a desigualdade social. 

— A abolição das catracas sempre acontece acompanhada de um  aumento expressivo de demanda, o que revela que parte da população não circula porque não consegue — diz.

Ele ainda pensa que o comércio local é fortalecido com a ideia, já que o dinheiro antes gasto com as passagens tende a ser utilizado em compras e serviços. O pesquisador do tema cita que em Volta Redonda (RJ) foram criadas linhas específicas de tarifa zero conectando centros comerciais para incentivar o comércio. 

Governador Celso Ramos, em Santa Catarina, tem tarifa zero desde dezembro de 2022 (Foto: Divulgação)

Para Santini, a médio e longo prazo, se bem estruturadas e acompanhadas de melhorias na rede, o passe livre pode ajudar a frear o número de acidentes de trânsito e o aumento de motorização, reduzindo os impactos ambientais, já que o transporte coletivo é mais ecológico que motorizado individual. 

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— O fim da cobrança de tarifa pode levar mais gente a trocar o carro pelo transporte público coletivo e isso tem efeitos positivos em diversas áreas. Menos carros circulando significam menos ocorrências de trânsito, com impactos diretos no Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo — finaliza.

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