A campanha eleitoral de 2022 aumentou o interesse por discussões sobre temas do governo federal dos períodos de gestão de Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL). Um dos assuntos mais polêmicos dos últimos anos é o chamado orçamento secreto. O novo tipo de distribuição de recursos públicos é alvo de críticas de opositores do atual presidente pela falta de transparência e pelo risco de corrupção com os valores repassados.

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O assunto ganhou ainda mais evidência depois do vídeo da ex-presidenciável Simone Tebet (MDB) viralizar nas redes. A senadora, que agora apoia Lula no segundo turno, falou sobre como funciona o orçamento secreto em entrevista ao podcast Flow e disse que se pode estar diante do “maior esquema de corrupção do planeta terra”. A fala fez disparar o interesse pelo tema. As buscas pelo termo “orçamento secreto” cresceram 510% somente na última semana, segundo o levantamento Bit by Bit, da Quaest, e permanecem em alta.

Em meio ao debate político, permanecem entre muitos eleitores dúvidas sobre o que é o orçamento secreto e como ele funciona.

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O que é o orçamento secreto?

Orçamento secreto é uma expressão usada para definir a divisão de recursos públicos feita pelas chamadas emendas do relator, também conhecidas como emendas do tipo RP-9 (sigla para “resultado primário”).

Todo ano, o governo federal apresenta ao Congresso a proposta de orçamento para ser executada no ano seguinte. Os parlamentares têm direito a indicar emendas que destinam recursos para obras, aquisições ou melhorias de sua preferência, geralmente nos seus estados de origem. A ideia é que, por estarem mais próximos das regiões, eles poderiam apontar com maior eficiência investimentos que deveriam ser priorizados.

Esse mecanismo se divide em quatro tipos de emendas:

  • individuais
  • de bancada
  • de comissões
  • do relator

As emendas individuais são as indicadas por cada deputado ou senador. Há uma cota igual para todos, que no último ano foi de R$ 17,6 milhões por parlamentar. As emendas de bancada são sugestões conjuntas de todos os parlamentares de um estado. Esses dois tipos de emendas hoje são de execução obrigatória para o governo.

Existem ainda as emendas de comissões, que se destinam aos grupos temáticos formados na Câmara e no Senado. 

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Por fim, aparecem as emendas do relator — feitas pelo deputado que atua como relator da lei orçamentária daquele ano no Congresso. É esse último tipo de emendas que foi “turbinado” nos últimos três anos de governo Bolsonaro em um processo polêmico e que é chamado de orçamento secreto.

Embora sejam chamadas de emendas “do relator”, esse tipo de indicação é usado também para apresentar sugestões de gastos de outros deputados, sem que os nomes fiquem públicos, como ocorre nas outras emendas. A identificação dos pedidos aparece apenas em ofícios enviados diretamente pelo relator ao governo, sem divulgação. Em muitos casos, a solicitação ao relator pode ser feita por um “usuário externo” e ser apenas apadrinhada por algum parlamentar, mas também o nome dos parlamentares não é informado.

Por essa falta de transparência sobre quem indicou, quais os critérios para as liberações e para onde vão os recursos é que o mecanismo passou a ser chamado de “orçamento secreto”.

A existência do orçamento secreto foi revelada em uma série de reportagens do jornal O Estado de S.Paulo publicada em maio de 2021. Na ocasião, o jornal também divulgou casos de corrupção sobre esses recursos (leia mais abaixo).

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Como o orçamento secreto é usado?

Instrumentos como as emendas do relator já foram alvo de um escândalo de corrupção chamado de “Anões do Orçamento”, no início dos anos 1990. Depois disso, o uso dessas emendas ficou restrito, sendo utilizadas em geral apenas para ajustes no orçamento.

As emendas do relator foram retomadas no governo Bolsonaro, a partir do orçamento de 2020. O ano marcou a aproximação do presidente com o Centrão. Desde então, o método se tornou uma das principais formas de negociação política entre a gestão federal e o Congresso.

Ao contrário das emendas individuais, que têm uma cota igual para todos os parlamentares, as emendas do relator têm margem para serem distribuídas com critérios políticos, com fatias maiores para aliados do governo ou deputados que votem a seu favor no Congresso.

Nos últimos três anos, as emendas do relator somaram mais do que tudo que foi autorizado pelo governo para os outros tipos de emendas parlamentares. Foram R$ 53,5 bilhões para o chamado orçamento secreto entre 2020 e 2022, enquanto o valor autorizado para todas as outras emendas somadas (individuais, de bancada e comissões) foi de R$ 50 milhões. Os dados são do Painel Siga Brasil, do Senado Federal.

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Entre os valores efetivamente empenhados e pagos, as emendas do relator responderam por 40% do total.

Com o orçamento secreto, a participação dos deputados no orçamento do país aumentou nos últimos anos. De 2019 para 2022, as emendas parlamentares passaram de 5% para 24% de todas as despesas discricionárias — aquelas em que o governo federal pode escolher onde deseja aplicar. O cálculo é do economista Marcos Mendes, do Insper.

Confira abaixo os valores autorizados ano a ano do orçamento secreto:

2020: R$ 20,1 bilhões

2021: R$ 16,8 bilhões

2022: R$ 16,5 bilhões

Por que o orçamento secreto é associado à corrupção?

A falta de transparência sobre quem apresenta as emendas não é o único ponto controverso do orçamento secreto. Com as poucas informações sobre os pedidos, a fiscalização sobre a correta aplicação desses valores também fica comprometida. Nos três anos de retomada do mecanismo, as emendas do relator já foram associadas a diversos episódios de corrupção e compras suspeitas (confira abaixo).

O professor do curso de Administração Pública da Udesc Esag, Fabiano Raupp, diz que os valores expressivos liberados para emendas do relator remetem ao problema da transparência:

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— Sabe-se que no processo orçamentário há diversidade de interesses, por isso, a falta de transparência na negociação política para alocação dos recursos é um fator problemático.

O professor afirma que as emendas parlamentares são um instrumento criado por lei e previsto até na Constituição. O recurso seria uma forma de tornar o orçamento democrático e auxiliar estados e municípios, que têm dificuldades de arrecadação. O problema, no entanto, reside no fato de esse mecanismo ser usado sem transparência. Raupp questiona por que as emendas de relator não têm se adequado às exigências do STF, de divulgação das informações em sistema com acesso público, e reconhece que essa falta de informações dificulta também a fiscalização do uso dos recursos.

— O que se pretende é chamar a atenção para questões como critérios alocativos, prioridades na destinação dos recursos e ausência de obrigação de prestação de contas para determinadas destinações — avalia.

Veja casos suspeitos envolvendo o orçamento secreto

“Tratoraço”

Na reportagem que denunciou a existência do orçamento secreto, o jornal O Estado de S.Paulo revelou que parte dos valores das emendas foi usada para adquirir tratores e máquinas agrícolas a cidades indicadas por parlamentares. Os contratos analisados pelo jornal somavam R$ 271 milhões em máquinas, a maioria delas a preços acima da tabela do governo. A diferença de preços chegava a 259%, segundo o jornal. Por conta dessas irregularidades, o caso à época foi chamado também de “tratoraço”.

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Codevasf

Outro caso de suspeita de corrupção envolvendo valores do orçamento secreto é o da Codevasf. A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, direcionada a obras e serviços em regiões do Nordeste, foi alvo de operação da Polícia Federal que investiga desvios de verbas públicas em julho deste ano. Os policiais apreenderam relógios de luxo e R$ 1,3 milhão em dinheiro vivo nos locais visitados. A Codevasf é comandada por pessoas ligadas ao Centrão, grupo de apoio a Bolsonaro no Congresso. A suspeita da PF é de que os envolvidos atuariam com empresas de fachada para simular licitações e direcionar os contratos a uma empresa específica. A principal empresa apontada é a Construservice, do Maranhão, a segunda com mais contratos firmados com a companhia no governo Bolsonaro. O caso ainda segue em investigação. Segundo o portal G1, a Codevasf teve aumento nos recursos de orçamento secreto destinadas a ela este ano, passando de R$ 610 milhões para R$ 1,2 bilhão.

Ambulâncias no Piauí

Em junho deste ano, reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que o Piauí tem sido “inundado” por ambulâncias, muitas delas distribuídas via aliados do Clã Nogueira. O estado é reduto eleitoral de Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil de Bolsonaro e interlocutor do presidente com o Centrão. O Piauí recebeu 123 ambulâncias, quase o dobro do segundo colocado São Paulo, e respondeu por 18% do total repassado ao país. O questionamento é sobre os critérios para distribuição. Alagoas, com tamanho de população semelhante, recebeu apenas 11 ambulâncias. A aquisição das ambulâncias, segundo o jornal, seria turbinada pelas emendas de relator, o chamado orçamento secreto. Apenas Eliane Nogueira, mãe de Ciro Nogueira e suplente dele no Senado, teria indicado R$ 8,2 milhões para a compra de ambulâncias via emendas do relator.

Fraude no SUS

Reportagem da revista piauí de julho deste ano mostrou que municípios do Maranhão estariam inflando os números de procedimentos e atendimentos feitos para elevar o teto de recursos de emendas parlamentares e do relator a que teriam direito no ano seguinte. A cidade de Pedreiras (MA), por exemplo, tem 39 mil habitantes, mas informou ter feito 240,6 mil extrações de dentes em 2021. Isso equivale a dizer que a cidade teria que ter arrancado 14 dentes de cada morador.

Na semana passada, esse caso motivou as primeiras prisões do orçamento secreto, em operação da Polícia Federal. Segundo a piauí, somente uma das cidades maranhenses envolvidas, Igarapé Grande, o esquema teria servido para desviar ao menos R$ 7 milhões do orçamento secreto.

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