Basta o sol aparecer que os pescadores de fim de semana se multiplicam às margens do Itajaí-Açu. Uma passada pela Beira-Rio, no Centro de Blumenau, mostra o tanto. Mas afinal, é por lazer, comem o que fisgam, tem bicho grande mesmo na água? Eles garantem que sim. Alguns até são mais “humildes” nas histórias sobre os tamanhos dos pescados, mas todos já saíram de mãos cheias.

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Jair Corrêa, 42 anos, é referência quando se chega no Itajaí-Açu. Todos indicam ele para falar de pescaria boa. Isso tem justificativa e até provas. Ele mostra uma série de fotos que confirmam as habilidades com o anzol. E não é para menos, desde os 14 anos o pintor de carros praticada a atividade e perdeu as contas de quanto fisgou nas águas que banham o Vale. Hoje até compartilha dicas.

— Sempre de manhã cedo ou no fim da tarde, quando a maré sobe. A lua também influencia — garante.

Se dá certo para todos, não se sabe. Porém, é fato que funciona para Jair. Preparando um anzol com banana como isca, ela conta orgulhoso ter capturado uma carpa de 18 quilos próximo à Ponte de Ferro e destaca não ser história de pescador. Apesar de ter sido o maior que já fisgou, não foi o episódio mais emocionante. Para não perder um peixão precisou cair na água.

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— A linha ficou presa na estaca do atracadouro e tive de mergulhar para tirar a carpa de lá. Ela tinha 12 quilos — relembra.

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As carpas estão no topo da lista de peixes mais encontrados no Itajaí-Açu, mas na verdade não são nativas. Elas vêm da Europa, Ásia e África, conta o professor Pedro Bertelli, especialista em Produção e Propagação de Peixes. Essas espécies chegam até aqui através dos produtores de alevinos e das lagoas de pesque-pague. Quando alguma estoura, os animais vão parar no rio para alegria dos pescadores.

Foi uma carpa, aliás, que fez Lorival Santos, 58 anos, andar quatro quilômetros pela cidade todo sujo de sangue. Num dia aleatório ele decidiu ir para o Centro de Blumenau pescar. Foi de ônibus e não de bicicleta, como sempre fazia. O que não esperava é que aquele dia despretensioso seria a melhor pescaria dele até hoje, digna de muitos atropelos até o “troféu” chegar à cozinha.

— Eu cheguei aqui não era sete da manhã e não tinha pegado nada. De repente vieram dois cascudos. Dali a pouco, quatro tilápias. Eram grandes, uma tinha 2,7 quilos. Eu já estava feliz indo embora quando puxei o anzol e veio uma carpa. Tinha quase cinco quilos e não cabia na sacola — conta.

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Nem todo dia é bom para pesca, conta Lorival
Nem todo dia é bom para pesca, conta Lorival (Foto: Patrick Rodrigues)

A alegria foi tanta que ele saiu da beira do rio e deixou para trás os outros peixes. Só foi lembrar dos demais quando já estava a caminho de casa. Voltou a pé para o bairro Garcia, pois não podia entrar no transporte coletivo com o bicho na mão. Por si só já era uma cena engraçada, mas ficou melhor. No meio do caminho o “almoço” começou a se debater e foi difícil contê-lo. Quando chegou em casa estava todo ensanguentado.

Apesar das carpas fazerem sucesso no Itajaí-Açu – os pescadores consideram as mais gostosas – uma pesquisa da Furb aponta pelo menos 90 espécies de peixe já identificadas na bacia. Algumas são nativas como trairá, jundiá, acará e cascudo. Não são tão visados pelos pescadores porque costumam ser menores, chegam no máximo a dois quilos, de acordo com o professor Bertelli. Ele explica que esses tendem a estar presente em regiões onde a água é mais limpa, diferente das carpas e tilápias, mais resistentes à poluição.

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Lorival, por exemplo, sonha em voltar para casa com um belo robalo. É peixe do mar, mas que chega a Blumenau por causa da salinidade da água vinda do oceano, sobretudo quando o nível do rio está baixo. Já o pai de Jair chegou a participar dos campeonatos de pesca ao robalo da década de 1960 no Itajaí-Açu. Um registro no Arquivo Histórico de Blumenau mostra Guilherme Buch segurando um gigante de 12,5 quilos fisgado pelo filho. Ainda hoje é meta de muitos pescadores.

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— É um peixe magro, o melhor que tem. Eu já peguei um, mas tinha 1,6 quilo. Um cara falou aqui que pegou de 27 quilos, eu não acredito. Mas eu também não acreditava em tilápia grande, sempre pega de 600 gramas e um dia peguei de 2,7 quilos — reflete Lorival.

Saiu no Santa

Registro do Santa em 2006 quando pescador fisgou uma espécie de bagre no Itajaí-Açu com 1,85 metro e 86 quilos
Registro do Santa em 2006 quando pescador fisgou uma espécie de bagre no Itajaí-Açu com 1,85 metro e 86 quilos – (Foto: Banco de Dados, JSC)
Carpas estão entre as espécies mais comuns no Itajaí-Açu e, em 2011, pescador capturou uma de 10 quilos
Carpas estão entre as espécies mais comuns no Itajaí-Açu e, em 2011, pescador capturou uma de 10 quilos – (Foto: Banco de Dados, JSC)

 

É só lazer?

Lorival ficou desempregado durante a pandemia e aproveitou a necessidade de distanciamento para se isolar às margens do Itajaí-Açu. É nos dias de semana, quando a maioria dos companheiros de anzol está no serviço, que ele vai para o rio. Garante ser uma saída necessária para manter a cabeça no lugar. Jair vai na mesma linha, mas precisa achar uma brecha no trabalho para poder curtir a pescaria.

– É uma terapia boa. Às vezes quando estou muito estressado venho pescar para dar uma acalmada – conta o pintor automotivo.

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O que é comum na fala dos dois pescadores de tempo livre é uma face oculta aos olhos de muitos, mas realidade na mesa de tantos. Lorival não dá nomes, mas diz ter conhecido pessoas às margens do rio depois do início da pandemia que não estavam ali por lazer. Era para ter o que comer. Na fala de Jair esses episódios tristes também estão presentes.

— A gente tinha uma canoa e veio aqui tentar pegar alguma coisa. Não deu nada. Quando estávamos saindo tinha uma mulher com duas crianças bem ali [no início da Beira-Rio] tentando pescar. Perguntei se tinha conseguido, ela disse que não e não tinha nada para comer naquela noite. Foi de cortar o coração. Não vai acreditar, paramos e conseguimos encher a bolsa dela de mandi — recorda emocionado.

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Pode comer o peixe?

A dúvida quanto à qualidade da água do Itajaí-Açu faz muitos se questionares se pode ou não comer os peixes fisgados ali. O fato é que a pesca amadora, como ocorre às margens do rio, é livre e fica por conta de cada um decidir se vai consumir.

Lorival recorda que entre os anos 1970 e 1980 não era possível ingerir os peixes que tirava da água. Segundo ele, o sabor era forte e estranho na carne. Hoje, garante não ser assim. Jair também come sem preocupação embora pesque ao lado de um dos pontos de análise da BRK Ambiental que aponta qualidade ruim da água no local. O cheiro forte chega a dar náuseas, mas ele acredita não ter problemas e até brinca que se fizesse mal não estaria ali.

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O biólogo, educador ambiental e mestre em Engenharia Ambiental, José Sommer, por precaução, não recomenda a ingestão do alimento e aponta alguns motivos. O primeiro é porque não se sabe a quantidade de metais pesados fruto da atividade industrial que estão presentes na água, bem como de agrotóxicos vindos da agricultura.

Ele pontua que Blumenau não tem grande contribuição em efluentes destes gêneros, mas muito material vem do Alto Vale, e a análise para identificar esses poluentes é cara – logo pouco comum. Outro fator a ser observado é que os peixes como carpas e tilápias, capturados com frequência no Itajaí-Açu, buscam locais onde tem maior concentração de esgoto para se alimentar.

Agora se o destino final do pescado é mesmo o prato de quem os fisgou, o coordenador de Alimentos da Vigilância Sanitária, Fernando Dias, deixa algumas recomendações. E a primeira delas é evitar pescar quando o nível do rio está muito baixo, como registrado no início de setembro.

— O nosso rio, principalmente em época de baixas, tem maior concentração de resíduos orgânicos e possivelmente químicos, então é extremamente não recomendado consumir esses peixes crus. A recomendação é sempre passar por algum processo de cocção -ou cozimento ou fritura – pensando mesmo em eliminar algum patógeno que possa ter — pontua.

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