A aprovação pela Câmara dos Deputados do projeto de lei 490/2007, que estabelece um marco temporal indígena, não encerrou a discussão sobre o tema. A proposta foi agora ao Senado Federal, onde a expectativa é de tramitação mais lenta. Além disso, está mantida para a próxima quarta-feira (7) a retomada de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que também tratará do assunto.
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O marco temporal segue atualmente, portanto, dois caminhos: o do Judiciário, onde é tratado como uma tese jurídica, e o do Legislativo, que tenta torná-lo uma lei e se adiantar ao entendimento do STF (entenda abaixo os motivos disso).
O que é o marco temporal indígena
Ainda na terça (30), dia da aprovação pelos deputados federais, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que o PL 490/2007 seria tratado com “prudência e cautela” pelos senadores, se contrapondo à decisão da Câmara de dar regime de urgência à proposta — isso permitiu que ela fosse levada diretamente para votação no Plenário sem maiores discussões pelas comissões temáticas.
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— O que eu falei de cautela, prudência, é submeter às comissões antes de submeter ao Plenário, permitindo que quem queira debater esse tema possa ter o tempo também no Senado para esse debate. O que eu falei da busca de um consenso é porque os personagens envolvidos nesse tema, a Presidência das duas Casas, o STF, os setores da sociedade, podem sentar à mesa para ter um diálogo, identificar convergência — afirmou Pacheco na ocasião.
A fala do senador ocorreu após uma reunião com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, contrária ao marco temporal e que revelou ter tido a garantia de Pacheco de que o projeto não seria votado “de forma atropelada” no Senado.
Por que o marco temporal segue dois caminhos?
O marco temporal surgiu como uma tese jurídica, a partir de um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) em um caso sobre a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, de Roraima, em 2009.
A tese defende que as terras indígenas (TIs) tenham demarcação homologada no Brasil somente caso já fossem ocupadas ou estivessem sob disputa dos povos originários na data da promulgação da Constituição Federal atual, de 5 de outubro de 1988 — ou seja, cria um marco na linha do tempo.
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Na ocasião, o STF acolheu a tese, incluindo o marco temporal entre as 19 condicionantes adotadas para a demarcação da TI em Roraima. Agora, no entanto, o tema voltou à tona porque a Corte irá julgar a constitucionalidade do marco ao se debruçar sobre uma demarcação de Santa Catarina.
Desta vez, o julgamento ainda terá o que a Justiça chama de repercussão geral: ou seja, a decisão vai fundamentar outros casos parecidos e definir os rumos de mais de 300 demarcações pendentes no país.
O julgamento havia tido início em setembro de 2021, quando o relator do caso, o ministro Edson Fachin, deu voto contrário ao marco, e o ministro Kassio Nunes Marques se mostrou favorável. Naquele mesmo mês, a apreciação foi suspensa, após um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Já no último mês de abril, a presidente do STF, a ministra Rosa Weber, confirmou a retomada para o próximo dia 7.
Diante disso, então, o tema ganhou força no Congresso Nacional por parlamentares, em especial os da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que tentam se adiantar ao julgamento do STF e estabelecer um marco temporal na legislação para que, assim, a discussão deixe de ser apenas uma tese jurídica.
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A iniciativa se deu a partir do PL 490/2007, originalmente proposto na Câmara para que a responsabilidade sobre as demarcações sejam passadas do Executivo ao Legislativo. O texto voltou a tramitar sob relatoria do deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), que incluiu nele o marco temporal.
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No dia da aprovação pela Câmara, o presidente da Casa, o deputado Arthur Lira (PP-AL), sinalizou que a tramitação do PL 490/2007 era uma resposta ao movimento do Supremo. Já o relator do texto foi mais incisivo, pedindo que a Corte se abstenha de julgar o mérito do marco temporal.
— Tentamos um acordo para que a gente não chegasse a este momento, mas o fato é que o Supremo vai julgar no dia 7 e este Congresso precisa demonstrar que está tratando a matéria com responsabilidade em cima dos marcos temporais que foram acertados na Raposa-Serra do Sol. Qualquer coisa diferente daquilo vai causar insegurança jurídica — afirmou Lira.
— Cada índio atualmente tem direito a 390 hectares. Caso não prevaleça a nossa vitória do PL 490 e se acabe com o marco temporal, teríamos a demarcação de mais do dobro da quantidade de terras indígenas já demarcadas, e cada índio teria 790 hectares de terra — disse Maia.
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Na pauta do STF, no entanto, a previsão de retomada do julgamento está mantida. Ao jornal O Globo, interlocutores da ministra Rosa Weber reforçaram o comprometimento público dela em levar o tema ao Plenário da Corte. Ainda à publicação carioca, um ministro relatou que o tratamento do marco temporal por dois caminhos gera “confusão”.
Ouça como foi a votação da Câmara
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