O livro de Kim Kardashian com 448 páginas de selfies é “cansativamente tolo”, mas também “refrescantemente honesto”, escreve a revista norte-americana The Atlantic. A obra em questão é Selfish, publicada há alguns meses.
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A resenha da publicação, assinada pela colunista Megan Garber, é inspirada. Antes de mais nada porque é realmente uma resenha, provando que não existe imbecilidade indigna de especulação filosófica. O livro tem três páginas de texto. O restante é um sem-fim de selfies, com breves legendas, feitas por Kardashian entre 2006 e 2014.
O argumento de Garber é a de que Selfish é de uma pequenez reveladora. Talvez pensemos, ela escreve, que um livro assim é “um profundo comentário dos nossos tempos” ou “a prova de que vivemos no contexto de contexto nenhum”. Com sua overdose de banalidade, porém, acaba se tornando mais do que isso: “O rosto de Kim é como o urinol de Duchamp: ao se declarar um tipo de arte pública, ele ridiculariza, ousa e provoca”. Em Selfish, Kardashian mostra, mais do que qualquer coisa, o esforço necessário para se construir a beleza. Ela enfatiza o quanto deve à ajuda de profissionais, faz questão de aparecer sendo produzida. Suas selfies, diz Garber, podem ser anúncios de arrogância, ou de insegurança, ou uma combinação dos dois. Mas são também “uma evidência de um materialismo insistente, a convicção de que a ‘aparência’ não é algo fugaz, mas antes algo que pode ser transformado em mídia”. Essa é uma “produção industrial aplicada à aparência de alguém. Kim está inventando, do seu jeito, uma nova tendência do capitalismo. Sua moeda corrente é a selfie”.
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A conclusão da colunista da Atlantic é a de que há algo admirável e apaziguante nisso. Ao rejeitar qualquer ilusão de naturalidade, ao ressaltar uma beleza que demanda um trabalho intensivo e também a cumplicidade da audiência, Kardashian, diz Garber, está chamando a cultura de blefadora e pode inesperadamente nos levar adiante.
Seja como for, o livro é bem menos popular do que a autora. Segundo matéria do jornal El País, foram apenas 32 mil exemplares vendidos desde o lançamento, em maio, número pífio para uma celebridade com 41 milhões de seguidores no Instagram. Detalhe: no Brasil, a venda de 10% desses exemplares já garante que um autor seja festejado por uma editora e convidado a publicar um novo título.
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Hoje se completam 70 anos da bomba atômica atirada em Nagasaki. A de Hiroshima foi jogada no dia 6 de agosto. Juntas, as duas mataram mais de 160 mil pessoas. Uma narrativa clássica do tema é Hiroshima (Companhia das Letras, R$ 41, 176 págs.), de John Hersey, que voltou ao Japão em 1946 e contou a história de seis sobreviventes (uma operária, um sacerdote, dois médicos, uma costureira e um ministro), com foco nos minutos em que a bomba foi despejada e nos dias seguintes. O texto ocupou uma edição da revista New Yorker inteira. Depois, foi convertido em livro e se tornou um paradigma de jornalismo de qualidade.