Para Mekler Nunes, as respostas para a educação estão longe de ser simples e exatas. Salas de aula bem equipadas e altos gastos no ensino nem sempre têm o efeito esperado no aprendizado dos alunos – principalmente se os professores não acompanharem o grau de sofisticação dos aparatos tecnológicos.
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Com espírito e currículo de gestor, Mekler tem passagens por empresas como IBM, Kroton e Iuni Educacional, e desde março é diretor superintendente de Educação Básica da Pearson Brasil. Dentre os sintomas de sua visão empreendedora está o otimismo de que, mesmo em momentos de crise como o atual é possível vencer desafios e qualificar a educação. Confira na entrevista a seguir o que o especialista tem a dizer sobre inclusão, acessibilidade e investimento no ensino.
Hoje em dia aprender vai muito além da sala de aula. O Brasil está preparado para um ensino que ultrapasse as quatro paredes?
Nunes – Existem vários ?Brasis?. Alguns ?Brasis? já estão preparados, avançando nessa direção. Existem propostas de educação integral que envolvem, além da sala de aula, a família, a comunidade, iniciativas públicas e privadas, formais e informais, que fazem com que a aprendizagem seja algo completo. Quando a gente olha para o panorama do Brasil, ainda existe uma dependência do modelo quadrado de sala de aula, com professor na frente, alunos sentados no formato de auditório, material didático. Nós temos o fermento, as sementes e a matéria-prima para desenvolver no país o que temos de melhor no mundo. Mas isso precisa ganhar escala, até pelo tamanho continental do nosso país.
Quais são os principais desafios do Brasil nesse sentido?
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Nunes – Há vários. Eu diria que nós temos diferentes níveis de inclusão que precisam ser feitos. Você tem a inclusão escolar, dentro da escola você tem a inclusão social, pois algumas classes estão na escola e outras não estão, uma inclusão digital, acessibilidade, várias inclusões que precisam ser feitas. Os desafios têm diversas dimensões e eu resumo nessa palavra: inclusão. Há muita coisa que precisa ser incluída. Dependendo da região, deve ser feita essa inclusão tecnológica, econômica, social e metodológica.
Portadores de necessidades especiais muitas vezes ficam à margem do ensino por falta de treinamento profissional e de tecnologias adequadas. Como resolver esse problema?
Nunes – A inclusão de pessoas com necessidades especiais passa por três formas de saneamento. Uma é tecnológica, através de reconhecimento de voz, ampliação de letras, etc. A outra é a infraestrutura propriamente dita, desde rampas de acesso até equipamentos de som. Outro aspecto importante é ter pessoas aptas a lidar com pessoas especiais. A formação de professores consegue suprir em boa parte aquele estado da arte da tecnologia. Se não houver um equipamento que reconheça a voz dos alunos, eu posso ter um professor que reconheça a voz dos alunos e sua deficiência. Então, gente ainda é o principal gap a ser preenchido. E tecnologia é em sua maior parte uma questão de disponibilidade de investimento.
Que investimento deve ser feito no professor, para que ele consiga criar um ambiente adequado para o aprendizado?
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Nunes – Vários. O professor definitivamente é o elemento chave no processo de ensino e aprendizagem. Há professores os mais diversos: mestres e doutores dando aula de alfabetização, o que seria o suprassumo, e profissionais que mal acabaram o Ensino Médio e ensinam mal, calculam mal e têm limitações enormes. Um (caminho para reverter isso) é fazer a própria inclusão digital e tecnológica do professor. Isso abre portas dentro e fora de sala de aula. Fora, ele abre janelas e horizontes para o mundo, e consegue estar mais bem equipado e preparado, além do livro didático. Dentro da sala de aula, em muitos casos o aluno tem uma inclusão maior que a do professor, no mínimo usando o celular com mais habilidade.
Como fazer para que a educação, mesmo em momentos de crise, seja uma prioridade?
Nunes – Educação é meta estratégica de países e governos. Há até teorias que justificam o contrafluxo da educação. Quanto maior a crise, mais as pessoas se voltam para o fato de que educar pode significar a oportunidade de sair da crise. Apesar de rumores de crise, ou de crise efetiva em algum segmento, o governo anuncia que o (percentual do) PIB (Produto Interno Bruto) vai ser elevado em educação. Pode ser que não chegue a dez, mas digamos que 7% seja possível. Então a crise faz com que as pautas sejam revistas, e a educação ganhe corpo. Então eu não sei se teremos crise em educação. Muito pelo contrário, teremos um olhar sobre a educação como um valor que evite crises de médio e longo prazo.
Como deve ser a sala de aula do futuro, preparada para um ensino de ponta?
Nunes – A sala pode ser a sala de casa, quando você está estudando remotamente via computador, mesmo seguindo um currículo pré-definido por uma escola. Aula é um momento de ensino e aprendizagem. Então ela pode ocorrer mediada por um professor, mediada por colégios, tecnologias ou pelo ambiente, seja um museu, um parque, ou no meio do trânsito. O futuro já chegou. A sala de aula do futuro vai ser parametrizada pelos indicadores de performance de ensino e aprendizagem. Hoje a tecnologia usada para ensinar matemática pode fazer com que as crianças decorem novamente a tabuada. Elas ficaram tão informatizadas com calculadoras eletrônicas, celulares e iPads que esqueceram como se multiplica. As ferramentas tradicionais também podem abrir a cabeça do que é sala de aula. Eu acho que essa diversidade vai caracterizar a aula do futuro. Não necessariamente um estereótipo de sala de aula cheia de computadores, ou um colégio de luxo. Esses são estereótipos.
Então a característica principal do ensino de qualidade é romper fronteiras?
Nunes – Exatamente. Considerar todo o repertório teórico e prático de educação que temos hoje como uma ferramenta possível, aplicada a cada situação como diagnóstico da deficiência. Às vezes há deficiência de relacionamento, às vezes a deficiência é tecnológica, às vezes a deficiência é de escrever corretamente e de fazer cálculos matemáticos. Administrar essa diversidade de recursos que hoje são bastante fartas é o desafio educacional que nós temos.
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