Conhecido em Brasília por atuar em favor das causas ecológicas, o ambientalista Mario Mantovani é crítico ferrenho da bancada ruralista, que pressiona por mudanças na legislação para fomentar a agricultura e reduzir as restrições no país. Para ele, o afrouxamento das normas gerou o que chama de ¿clima de vale-tudo¿ na zona rural e afirma que há hoje no Brasil, especialmente na Região Sul, a ação da especulação fundiária, que silenciosamente avança sobre as áreas remanescentes de Mata Atlântica.

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SC vinha nos últimos seis anos em bom ritmo de redução do desmatamento. Mas o novo relatório demostra um retrocesso. O que explica?

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Muito do que está acontecendo hoje com a Mata Atlântica deve-se à bancada ruralista do Sul. Além de ter feito a barbárie do Código Florestal, fizeram uma campanha ampla aí [em SC] e no Rio Grande do Sul contra o Cadastro Ambiental Rural, contra a própria lei que eles criaram. O que teve de devastação não foi um fenômeno da Mata Atlântica apenas, mas foi cruel porque ela é um bioma que tem uma lei especifica, que está valendo. O que a gente viu com o Código Florestal é que essa bancada criou uma sensação de vale-tudo e que está tudo liberado com a questão de dar anistia ampla, geral e irrestrita. Com a lei da Mata Atlântica, conseguimos a norma que prevê o uso e a proteção da floresta e regulamenta estado por estado que tem o bioma. Criamos mecanismos de participação da sociedade que fossem muitos simples. O plano municipal de Mata Atlântica permite que a comunidade defina como quer fazer seu uso. Por exemplo, se eu quero fazer uso da minha cidade para turismo, como Imbituba, que está querendo fazer. O maior ativo das propriedades é ter uma nascente vertendo água, porque tem uma cobertura florestal e tudo, diferente do que os deputados fizeram, tirando 50 metros de proteção do entorno, tirando a proteção dos rios. A gente viu o desastre que foi o Rio Itajaí-Açu todo assoreado, quanto custa para o Estado desassorear no porto. Porque o rio leva muita terra e cada vez que tem enchente o rio transborda, porque não tem mais a calha do rio, é só terra. E hoje se gasta mais dinheiro com desassoreamento de rio do que com saneamento. Poderíamos criar incentivos, como na minha cidade [São Paulo], que dá isenção de até 90% para quem ter área verde no lote, porque está contribuindo com a qualidade de vida. Até então, nesses últimos 10 anos, a gente teve muito problema com a expansão urbana, um fenômeno que tem muito aí em Floripa e municípios litorâneos. Depois, passa a ser a expansão da agricultura.

Na divisa com o Paraná. Um desmatamento grande foi na região de Guarapuava (Sul do PR) e Lebon Regis (Meio-Oeste de SC), com a pressão da agricultura. O que tem de bom é que o pessoal da celulose acabou buscando as certificações internacionais e de certa forma ordenaram o uso do território, com o reflorestamento. E também, lógico, a região do litoral, com a expansão imobiliária.

Esse é o indicador de que há esse sentimento de anistia ampla, geral e irrestrita. E vai ter consequência, porque se tiver o órgão de fiscalização para valer, esse pessoal será condenado por crime ambiental. Estamos tentando uma aproximação com o governo do Estado e das prefeituras para trazer a sociedade. Acho que é importante valorizar no município a ação, porque eles têm competência e a sociedade ser a melhor gestão, não vou dizer fiscal, porque não é mais questão de fiscalização. O que está sob proteção, já está reconhecido. Já tivemos 10 anos, não é possível que se tenha retrocesso, SC estava tendo um trabalho bem bacana, apesar de toda a resistência, mas volta à essa inércia.

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Porque você não tem o cara aumentando a produção ou aumentando padrão de produção. O pessoal está abrindo áreas, nesse sentimento de que o Código Florestal liberou. Só que a Lei da Mata Atlântica é muito mais restritiva do que o Código Florestal e ela vai apontar problemas. A lei da Mata Atlântica chama muito a atenção da responsabilidade compartilhada, mas eu também posso fazer essa intervenção no meu município. A gente esteve em Atalanta e o prefeito disse: ¿tenho tantos mil hectares de mata, tanto de área plantada, tem tanto de uso de solo com agricultura e tenho que restaurar 12 mil hectares. Como não tenho dinheiro, vou restaurar 6 mil na minha gestão¿. Ou seja, o prefeito sabe o tamanho do ativo e traz isso para a sociedade com informação que é importantíssima. Nós temos muitos municípios com vocação agrícola. Era importante saber o tanto que se tem de mata nativa, de floresta plantada, restaurar tanto. Isso que a gente tem de buscar hoje, trazer para as cidades, porque se for deixar para órgão federal e estadual e não compartilhar, não vamos sair da encrenca que a gente se meteu hoje.

Junto com os Cadastros Ambientais Rurais, porque os nossos municípios têm uma realidade rural muito grande. O plano vai reconhecer o que tem de fragmentos florestais nos municípios, onde você vai fazer as conexões, e qual política que o município quer: melhor o turismo, melhorar a agricultura, como vou utilizar esse ativo florestal a favor do município etc. Inclusive o município pode receber recursos de compensação e tudo. Essa foi a coisa inteligente da Lei da mata Atlântica, ela põe essas responsabilidades compartilhadas e dá oportunidade de o município fazer.

Ampliar a fiscalização ainda é necessária?

Nunca vai ter fiscalização suficiente para impedir a degradação no Brasil. A melhor fiscalização é aquela que a comunidade compactua. Mas eu preciso saber o que eu tenho de mata. Hoje, ninguém sabe o que se tem. A partir disso, o prefeito entrou: ¿ o senhor vai receber tanto de cobertura florestal, as suas propriedades pelo cadastro ambiental rural estão assim, tem tanto de propriedades que precisam fazer plano de recuperação ambiental e nós queremos ver se no final disso a gente melhora e aumenta a cobertura dos municípios para proteger nossas águas¿. Pronto. Esse é um plano municipal da Mata Atlântica. É pratico e tem efeito na vida de todo mundo que vive ali.

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