A música que você pode estar ouvindo agora. O quadro que você comprou para a sala. A exposição que você visitou ou o comercial que você recebeu ao acessar o Instagram. Tudo isso é resultado da indústria criativa de Santa Catarina, que já representa 4% de toda a riqueza do Estado. A arrecadação catarinense supera o índice nacional, que é de 3,11%. Segundo especialistas e profissionais ouvidos pela reportagem, o próximo desafio é, justamente, reforçar a importância desse setor para economia catarinense com a missão de gerar cada vez mais oportunidades.

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Os dados utilizados para expor a relevância do setor para a economia estadual foram divulgados pelo Observatório Itaú Cultural, como resultado de um projeto pioneiro. O levantamento apontou o Produto Interno Bruto (PIB) da Indústria Criativa do Brasil cruzando dados dos levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com os pesquisadores da instituição, o trabalho teve a missão de reunir informações fragmentadas nos bancos de dados em apenas um só local. Para usar uma analogia, é como se eles encontrassem diversos tecidos, de diferentes cores e tamanhos, e costurassem todos eles em uma única colcha de retalhos.

E já que utilizamos um exemplo da costura para explicar a análise de dados, é importante destacar o setor da moda como o mais rentável para o Estado. Conforme os dados, extraídos de 2020, Santa Catarina possui mais de 8,5 mil empresas do segmento. O valor representa 17% do setor nacional, já que no Brasil existem aproximadamente 50 mil empresas na área. A participação catarinense na moda nacional é expressiva, mostrando que o mercado é um dos grandes responsáveis pela riqueza no país e também em nível estadual.

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De olho nas necessidades desse mercado, o hub Santa Catarina Moda e Cultura (SCMC) foi criado em 2005. A iniciativa, segundo a mentora Amélia Malheiros, é até um pouco difícil de descrever. Isso porque o grupo atua em muitas frentes. De convênios com universidades a imersão em grandes indústrias, de cursos de capacitação a palestras de comportamento humano. Para Amélia, que também é diretora da Fundação Hermann Hering e CEO da Denim City, é justamente essa multidisciplinariedade que precisa ser aplicada no mercado em SC.

– O Estado tem se aberto para isso, para esse entendimento do que é moda. Que moda estuda o comportamento, que fala de pessoas, do tempo, enfim. E isso não era tão evidente antes da SCMC. Por exemplo, a Círculo (empresa de Santa Catarina) já entendeu que não vende mais linha, que ela vende sonhos, vende desejos, e entender isso, muda tudo – pondera Amélia.

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Mas, engana-se quem pensa que essa mudança de comportamento – e de percepção sobre a moda – aconteceu de forma fácil e simples. Na verdade, foi através da “dor”. Ao perceberem que milhares de consumidores catarinenses estavam “migrando para a China”, ao escolher sites e plataformas chinesas de moda, as marcas e as indústrias têxteis precisaram se reinventar. E para mudar, precisaram inovar. Pensar diferente. E ao invés de sair “fora da caixa”, os empresários da moda precisaram “sair da fábrica”.

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Fernanda Rickmann é a gestora de projetos do hub Santa Catarina Moda e Cultura (SCMC) (Foto: Patrick Rodrigues)

Para aplicar a transformação que precisavam, as empresas logo encontraram um obstáculo: a falta de profissionais alinhados a esse novo significado da moda. Mais uma vez, o SCMC tornou-se uma peça fundamental para criar a criatividade que as indústrias precisavam. Por isso, a gestora de projetos do hub, Fernanda Rickmann, destaca a importância das universidades nesse setor. Foi por meio de parceira com os estudantes que a moda de SC começou a perceber os reflexos da inovação no dia a dia.

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Sem precisar recorrer aos profissionais de grandes polos, como São Paulo e Rio de Janeiro, as empresas conseguiram imprimir mais o DNA catarinense no desenvolvimento das coleções. O “pensar diferente” na moda, então, passou a ser o “pensar catarinense”. Afinal, designs alinhados com a identidade cultural do Estado fizeram toda a diferença para que as marcas não só apresentassem quantidade e qualidade – como sempre fizeram –, mas que também demonstrassem a regionalidade que tanto era solicitada pelos consumidores.

Criatividade gera mais criatividade

No segundo lugar entre os setores que mais geram renda na indústria cultural catarinense está o segmento da publicidade. A Trends, agência localizada em Florianópolis, consegue até mesmo unir as duas áreas: na carteira de clientes há uma especialização forte em moda. E ser especialista nisso, segundo Melina Costa, sócia da agência, é um diferencial. Com profissionais dedicados a ficar sempre em sintonia com as principais tendências, a empresa consegue fornecer o que a indústria de moda precisa: mais criatividade.

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Para Melina, fazer a comunicação de moda no dia a dia exige muitos detalhes. A lista de habilidades é grande e para a publicitária, é justamente isso que diferencia uma agência de publicidade especializada em moda das outras. O caminho não é fácil. Para tornar-se referência, os profissionais precisam buscar repertório criativo em locais que, para muitas pessoas, não são comuns. Filmes, observação do cotidiano, viagens, troca de ideias com o diferente, bate-papo com outras pessoas, enfim, tudo isso serve para que mais ideias sejam colocadas em prática. Desafio que ela coloca, principalmente, para as novas gerações:

– Tem uma frase que gosto muito, é do Thomas Edison, que depois foi adotada por publicitários conhecidos: “Genialidade é 1% inspiração e 99% transpiração”. As novas gerações que estão muito impactadas pela rapidez do digital não gostam mais de sentar, pesquisar, testar.

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Essa dificuldade em debater ideias foi também um obstáculo encontrado por Luiz Salomão Gomez, da TXM Methods. Designer com mestrado em Gestão de Design e Doutorado em Engenharia e Gestão Industrial, Salomão fez pós-doutorado na área de indústria criativa na Europa e é professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Após os estudos em países europeus, como Portugal e Holanda, ele percebeu que era necessário ajudar as indústrias a pensar “criativamente”. Os espaços tradicionais acadêmicos não davam conta do que era necessário e as novas ferramentas de aprendizagem era muito disruptivas para a indústria tradicional.

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Ao criar TXM Methods ele conseguiu aplicar todo o conhecimento adquirido pelo mundo em solo catarinense. Segundo ele, o objetivo da empresa é traduzir a linguagem da inovação para as grandes empresas do Estado e oferecer uma metodologia própria para ajudar criar ou desenvolver e melhorar empresas e produtos. Ao fornecer cursos, estudos, e uma nova metodologia de trabalho, Salomão novamente volta ao pilar da educação. A pesquisa aponta que os trabalhadores com ensino superior ou mais capacitação que têm os maiores salários na indústria criativa.

Educação que faz a transformação

O papel central da educação no aprimoramento da indústria criativa ganhou um exemplo completo recentemente. Por meio de uma ideia germinada na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), a diretora Djúlia Marc produziu o curta “Vertigem”, que foi selecionado para grandes festivais europeus. Tudo começou em uma disciplina do curso de Artes Cênicas em que ela é formada. Depois, a ideia cresceu, amadureceu e virou a obra que já percorreu países como Portugal e Inglaterra.

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Mesmo sendo selecionada e reconhecida por grandes polos culturais na Europa, Djúlia ressalta que o trabalho no cinema e nas artes está longe de “ser um conto de fadas”. Por isso, a função da universidade pública é fundamental no incentivo desses novos artistas, diretores, atores, produtores. O roteiro e a produção desse filme foram desenvolvidos em parceria com Suelen Grimes e Bárbara Biscaro. Produzido sem recursos externos e com uma equipe 100% feminina, Djúlia revela que elas utilizaram os próprios equipamentos e figurinos para as gravações.

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E para que isso mude, é necessário mais investimento público. Questionada sobre como é a realidade de quem depende do financiamento público para fazer cultura, ela é enfática em defender a ampliação de editais e leis de incentivo à cultura.

– É um pouco assustador pensar nisso olhando de dentro, porque 95% da renda que essas pessoas recebem, e falo de uma experiência pessoal, vêm de editais públicos. Tem bolsa, têm projetos, mas sabemos que nos últimos quatro anos não tivemos muitos recursos – analisou Djúlia.

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Para que esse incentivo cresça, ela diz que pretende também ajudar a ampliar o acesso da população catarinense aos produtos culturais produzidos pelos catarinenses. Em 2023, o foco de Djúlia será exibir o curta em cidades do Estado. E para ampliar o acesso dos catarinenses aos editais, a diretora de Arte e Cultura da Fundação Catarinense de Cultura (FCC), Liliana Alvez, afirma que novos editais podem ser incluídos no orçamento de 2024 da FCC. Porém, o foco atual da gestão é justamente ajudar os produtores culturais a acessar os atuais editais.

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Isso porque um trabalho recente da fundação foi mapear as dificuldades dos artistas e dos produtores catarinenses. O que mais apareceu no levantamento de dados foi a falta de conhecimento sobre o acesso aos editais de financiamento. Para quebrar essa barreira, Liliana afirma que materiais digitais de ensino estão sendo desenvolvidos em paralelo ao trabalho de organização dos recursos que chegam através do governo federal, como o adquirido pela Lei Paulo Gustavo.

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