O advogado Saulo Vieira teve participação direta na fundação do MDB em 23 de abril de 1966. Tinha atuado como assessor da bancada do PTB na Assembleia. Com a posse de Francisco Dall’Igna na vice-governança do Estado no governo Ivo Silveira foi convidado a se transferir para o novo cargo. No sexto andar do Edifício das Diretorias, onde funcionava o gabinete do vice-governador, cuidou da burocracia e dos contatos. Viajou pelo Estado com Doutel de Andrade, Cristaldo Araújo e outras lideranças para fundar comissões provisórias municipais. Na Assembleia, durante décadas, foi o principal assessor jurídico e político da bancada do MDB e de PMDB.

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Como se deu a fundação do MDB há 50 anos?

Destaco dois fatos distintos: a fundação formal, que ocorreu no dia 23 de abril de 1966, e a fundação institucional.A comissão executiva nacional provisória credenciou o deputado federal Doutel de Andrade, líder da bancada do PTB, que tinha sido extinto. Ele chegou no sexto andar do Edifício das Diretorias, onde funcionara seu gabinete de vice-governador na gestão Ivo Silveira e que naquela altura era gabinete do vice Francisco Dall’Igna. A partir daquela reunião o MDB passou a ter vida em Santa Catarina. Em outubro de 1966 haveria eleições para deputado estadual, federal e senador. Se não existisse o partido, não haveria candidaturas. O tempo era muito curto.

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Como se deu o processo de construção do MDB?

Num fim de semana, Doutel e eu saímos para o Sul de Santa Catarina. No outro ia com o Paulo Macarini para o Oeste; no seguinte no Vale do Rio do Peixe. Tudo em busca de nomes para criar o partido nos municípios. Eram necessários apenas sete eleitores para criar o MDB. Em muitos municípios não encontramos sequer sete nomes. Todos tinham medo da ditadura. E não era em lugar pequeno. Isto aconteceu em Criciúma, o que foi surpreendente. Eu e Doutel passamos um dia inteiro em Criciúma e só conseguimos três nomes. Foi um impacto, porque era a base do Doutel, a força dos mineiros. Já em Içara, ao lado, no primeiro contato, Manoel Dias conseguiu sete eleitores.

Algum episódio curioso nestas jornadas?

Numa viagem ao extremo sul chegamos na casa do sr. Elizeu Manete, dono de um restaurante em Turvo. Sabendo de nossa visita, ele, que era do antigo PTB, garantiu os sete eleitores. Fizemos o partido na hora do almoço em seu restaurante. Toda a família Manente se filiou. Entre os grandes municípios, destaque para Joinville. Rodrigo Lobo tinha mandato, Pedro Ivo Campos, com prestígio por ter concorrido à prefeitura em 1965, virou aglutinador. Em Blumenau, o MDB nasceu da cisão na Arena, entre ex-PSD e ex-UDN. O pessedista Evelásio Vieira foi rifado e no dia seguinte eu estava na Rádio Nereu Ramos convidando o Lazinho para presidir o MDB.

Quais os expoentes?

O Doutel era o farol. Envolvido com a liderança em Brasília só vinha nos fins de semana. O sr. Cristaldo Araújo, dirigindo sua Vemaguete velha, andava por todo o Estado. Tivemos o Pedro Ivo no norte, o Lazinho no Vale, o Ivo Knoll na região de Rio do Sul, o Haroldo Ferreira na área de Canoinhas. Eu acompanhei tudo porque era chefe de gabinete da vice-governança. Já tinha colaborado com a liderança do PTB na Assembleia. Tinha como líder o Evelásio Caon. O PTB foi o leito, o berço do MDB. Onde o PTB era forte foi mais fácil fundar o MDB.

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E as dificuldades?

Era o medo das pessoas de fundarem o novo partido. Aqui em Governador Celso Ramos, eu e o Pedrinho Medeiros ficamos atuando dois dias. Marcamos a reunião de fundação para domingo. Lá chegamos, esperamos e não apareceu ninguém. Na véspera, o prefeito, que era da Arena, ameaçou todo mundo.

Nestes 50 anos quem merece destaque?

Pelo caráter e por ser o pioneiro, o Doutel de Andrade; pelo caráter, equilíbrio, ideal e fidelidade, Pedro Ivo Campos; como expressão de maior envergadura, intelectual e líder, Luiz Henrique da Silveira: e como vetor promissor, Paulo Afonso Vieira. Nesta trajetória as pequenas coisas se transformaram em grandes vitórias. Já na eleição de 1966, a Arena perdeu quatro deputados e nós mantivemos o mesmo número, enriquecida a bancada de Walter Zigelli, Laerte Ramos Vieira, Henrique de Arruda Ramos, Ladir Cherubini. Foi uma festança.

Por que o PMDB venceu o governo em 1986 e perdeu na seguinte, voltou em 1994 e foi derrotado em 1998? Não estava preparado?

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É fácil explicar. Existia uma gigantesca demanda de reclamos, queixas e aspirações na militância do PMDB. Assumi a Casa Civil dia 13 de março de 1986 e três dias depois recebi uma comissão de militantes. Tinham uma relação de 40 nomes para nomeação a cargos no Estado. Eu disse: “Não é assim. Vamos ter critérios. Quero saber se os indicados têm competência”. Eles contestaram: “Esperamos até agora, chegamos ao governo e não vamos ter direitos?”. Isto é uma degeneração do exercício do poder. Um deles arrematou: “Sem poder não adianta nada”. Está lá nos anais do governo: os cargos da Casa Civil e do gabinete do Pedro Ivo Campos não foram todos preenchidos. As pessoas queriam, mas não tinham competência para os cargos. Tivemos vários casos de companheiros que pediam audiências para cargos. Um dos líderes do Planalto Norte pediu audiência ao Pedro Ivo, que me pediu para testemunhar: “Governador, chegou a nossa vez, né? Quero um cargo bom, perto da Canoinhas¿. O Pedro disse: “Isto não existe”. E ele retrucou: “Mas agora não vai abrir a vaga de tenente-coronel no Exército com sua posse no governo?” O cara queria a vaga no Exército. Nem sabia que o Pedro era da reserva. Parece mentira, mas é historia. E assim os pedidos absurdos se repetiram durante todo o governo.

Decepções nestes 50 anos?

Mágoas sim, decepções poucas. Quando vi que o crescimento do partido estava se afastando da qualidade, decepcionei-me. Vi candidatos sem qualificação, sem biografia, que se elegeram pelo PMDB. Nada acrescentaram ao partido.

O governador Pedro Ivo foi um incompreendido?

Pedro Ivo foi mal entendido. Ele tinha postura, marcava posição ética, integridade, caráter. Rejeitava pedidos absurdos, indicações sem ética etc. Indicados, mesmo históricos do MDB, que não tinham biografia, que não vinham com a marca da honradez, não passavam. E dava de dedo nas reuniões partidárias ou de governo. Ele era ético com o dinheiro público, com a gestão da coisa pública. No quinto dia de governo, o Pedro Ivo exonerou um rapaz que tinha sido nomeado para trabalhar no gabinete dele. Ele ouviu o nomeado dizer: “Agora estou no gabinete. Negócio de seguro é comigo”.

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Qual o maior legado do PMDB em SC?

O legado do PMDB na política foi o de proclamar que era possível mudar, e mudamos. É compreender que o poder, por mais hermético que seja, é vulnerável. Viabilizou a alternância de poder fora do eixo UDN-PSD. Seus líderes eram considerados indestrutíveis. A alternância era sistêmica. Era forte demais. Ficou o legado da luta pela democracia e contra o regime autoritário. E o PMDB ajudou a construir a Santa Catarina que temos hoje.

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