O Estado age bem da porta para fora, mas peca dentro de casa. Esta é a avaliação de especialistas para explicar por que Santa Catarina figura entre os menores índices de violência do Brasil, mas sofreu duas ondas de ataques em menos de 90 dias. Ou seja: o crime é combatido nas ruas e as prisões são realizadas, mas ao chegar ao sistema prisional, falta ação.
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A pesquisadora do Núcleo de Estudos de Violência da USP Camila Nunes Dias diz que o crime comum é bem combatido, com os métodos tradicionais de repressão e investigação. Um exemplo do bom desempenho catarinense nesse aspecto está na taxa de homicídios, principal indicador mundial para medir a violência, que coloca SC no topo dos melhores resultados do Brasil desde o começo deste século.
Mas para impedir que os ônibus voltem a ser queimados, falta aprender a enfrentar as organizações criminosas formadas dentro do sistema prisional. O fortalecimento destas facções é facilitado pelo próprio Estado, que não tem profissionais suficientes nem oferece dignidade nas cadeias.
Distorções são criadas pelo próprio Estado ao colocar criminosos em cadeias sem nem sequer garantir a integridade física deles. Ali, cabe aos detentos decidir quem dorme na cama e quem passa a noite no concreto. Neste contexto, qualquer benefício vira dívida com os chefes da facção. E cada preso passar a ser um possível autor de atentado. O sociólogo Guaracy Mingard diz que, acima de tudo, o Estado deve retomar o controle das cadeias e acabar com este mecanismo, facilitador do aliciamento de presos por facções. Ele entende que há anos a situação é de conflito, jamais resolvido. A Secretaria Nacional de Direitos Humanos aponta Santa Catarina como um dos locais com mais denúncias de agressões no sistema prisional. Munidos do poder de ditar as regras nas penitenciárias, os líderes do Primeiro Grupo Catarinense (PGC) mandaram queimar ônibus e alvejar com tiros os prédios dos órgãos de Segurança para afrontar e pressionar o Estado.
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O criminalista Sandro Sell concorda e ressalta: o modelo de sistema prisional catarinense está entre os piores do Brasil, conforme apontou uma Comissão Parlamentar de Inquérito realizada em 2009. Ele defende o fim da superlotação para poder separar os líderes do PGC de presos primários. Assim é possível minar o poder das organizações criminosas e não fazer o quintal de casa um pátio de recreio para criminosos.
O impacto psicológico
Desde 30 de janeiro, catarinenses de 37 cidades foram atingidas pelos ataques. Para a especialista em terapia cognitiva comportamental Letícia Delpizzo, após a exposição à violência, a solução seria um longo período sem perturbações na área de segurança pública. Com a tranquilidade mantida, a população começaria a sentir os resultados já no fim deste ano.
Psicoterapeuta e mestre em Filosofia, Rosane Müller Granzotto afirma que moradores atingidos pelos atentados perdem um pouco da confiança e da liberdade e passam a prestar mais atenção a locais e horários.
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Ver policiais nas ruas e investimentos em segurança ajudam a mudar esta realidade. A medida é ainda mais necessária em locais onde houve atentados. Rosane diz que é diferente ver pela TV imagens de um ônibus queimando e saber que o crime ocorreu no bairro onde se mora. Nestas situações, é o impacto é maior.
Reflexo no turismo é incerto
Enquanto os destinos turísticos brasileiros sempre vendem belezas naturais em feiras e congressos, Santa Catarina aliava esta arma com os menores índices de criminalidade do país. Mas a segurança, diferencial catarinense, saiu chamuscada nas duas ondas de atentados.
O presidente da Santur, Valdir Walendowsky, diz que a situação é monitorada e até o momento não foram registrados cancelamentos expressivos. Contatos com operadoras de viagens e embaixadas da América do Sul também não mostram queda na procura. Mas ele admite que é difícil prever o reflexo dos ataques na próxima temporada. Números da Associação Brasileira de Agência de Viagens (Abav) registraram queda de 3% na ocupação dos hotéis no Carnaval.
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Não restam dúvidas que incêndios em ônibus e tiros a prédios da segurança pública fragilizam a imagem de Santa Catarina, afirma Marco Bedendo, professor de Marcas e Marketing Estratégico da ESPM. Ele explica que o profissionalismo do turismo levou os destinos a se comportarem como marcas. A infraestrutura e a segurança são os principais atrativos e arranhões nestes parâmetros comprometem o resultado.
O professor diz que o primeiro passo é saber qual o tamanho do problema. Pesquisas comparando os resultados com os anos anteriores são bons indicadores. Reverter o quadro é complicado e passa por um amplo trabalho de divulgação e convencimento. Enaltecer que SC tem as menores taxas de homicídios do Brasil é uma boa estratégia a ser adotada. O problema é que imagens de ônibus queimando ganham o país e difundir informações de índices de segurança pública é bem mais difícil.
O professor sugere uma polícia semelhante à usada por Israel, país associado a conflitos, mas que recebe elevado número de turistas nas cidades sagradas. A tática é a comunicação direta com o público consumidor, transmitindo a mensagem de que os destinos apresentam taxas de violência baixas e de que os ataques não são nos locais turísticos. Neste último ponto é preciso bastante cuidado para não dar a entender que os atentados são na periferia e o governo não está preocupado com este local.
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Conselheiro da Abav, Kid Stadler aposta que a memória de SC como local seguro é capaz de neutralizar o impacto dos ataques. Também conta com a boa impressão que as transferências de 40 presos para penitenciárias federais e a ajuda da Força Nacional de Segurança possam ter causado. É a manutenção deste cenário que devolverá a paz aos catarinenses e aos turistas.