*Por Ernesto Londoño e Letícia Casado

Porto Jofre, Brasil – Uma porção recorde da maior área alagada tropical do mundo, o Pantanal, foi perdida com os incêndios que assolam o Brasil este ano, segundo os cientistas, devastando um ecossistema delicado que é um dos habitats de maior diversidade biológica do planeta.

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Os enormes incêndios – muitas vezes iniciados por fazendeiros e agricultores para limpar terras, mas exacerbados por condições extraordinariamente secas nas últimas semanas – tomaram mais de dez por cento do Pantanal, causando uma perda que os cientistas classificam como “sem precedentes”.

Os incêndios no Pantanal, no sudoeste do Brasil, se espalharam por cerca de 20.360 quilômetros quadrados entre janeiro e agosto, de acordo com uma análise realizada pela Nasa para o “The New York Times”, com base em um novo sistema para rastrear incêndios em tempo real usando dados de satélite.

O recorde anterior foi em 2005, quando 11.935 quilômetros quadrados do bioma foram queimados no mesmo período.

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E, ao norte, os incêndios na Amazônia brasileira – muitos deles também deliberadamente programados para desmatamento comercial – foram ruinosos. A quantidade de floresta brasileira perdida para os incêndios em 2020 é semelhante à escala da destruição no ano passado, quando o problema atraiu condenação global e se somou às tensões entre o Brasil e seus parceiros comerciais, particularmente na Europa.

A enorme escala dos incêndios na Amazônia e no Pantanal, muitos dos quais eram visíveis aos astronautas no espaço, chamou menos atenção em um ano sobrecarregado pela pandemia do coronavírus, pelos protestos contra a brutalidade policial e pela próxima eleição americana.

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(Foto: Maria Magdalena Arrellaga / The New York Times)

Mas especialistas consideram o fogo deste ano no Pantanal uma perda particularmente chocante, e a mais recente crise ecológica desencadeada no mandato do presidente Jair Bolsonaro, cujas políticas priorizam o desenvolvimento econômico em detrimento das proteções ambientais.

“Os incêndios no Pantanal este ano são realmente sem precedentes. É uma área enorme”, disse Douglas C. Morton, chefe do Laboratório de Ciências Biosféricas do Centro de Voos Espaciais Goddard da Nasa, que estuda incêndios e atividades agrícolas na América do Sul há duas décadas.

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Bolsonaro, que muitas vezes faz afirmações falsas, declarou que alguns dos incêndios detectados por satélites eram provavelmente fogueiras de acampamentos.

Proprietários de plantações de soja e fazendas de gado – que, ao lado do turismo, são os principais motores econômicos do Pantanal – atearam fogo em suas terras durante julho e agosto, quando o nível da água diminui. Este ano, vários desses incêndios pularam barreiras tradicionais, como estradas e córregos, alimentados por ventos fortes.

“Anos atrás, enfrentamos grandes queimadas aqui, mas nada como isso. Esses incêndios são quase impossíveis de combater”, afirmou Manuel Costa, guarda-florestal que fazia parte de uma equipe que tentava limitar a propagação do fogo em uma reserva natural no Pantanal.

Durante a estação da chuva, de outubro a março, a maior parte da região do Pantanal se alaga com a água que, de outra forma, poderia causar problemas às populações rio abaixo. Quando o Pantanal seca de abril a setembro, ainda garante uma fonte de água muito necessária para essas mesmas populações.

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(Foto: Maria Magdalena Arrellaga / The New York Times)

Mas o Pantanal, como grande parte do Brasil, passou por uma seca este ano, com chuvas abaixo do normal e temperaturas quase recordes durante a estação chuvosa.

Embora a extensão da influência das mudanças climáticas sobre a atual estiagem não seja clara, pesquisadores dizem que a seca na região pode ser desencadeada por temperaturas de superfície quentes nos oceanos Atlântico Norte e Pacífico Norte. À medida que esses oceanos continuarem se aquecendo nas próximas décadas, os pesquisadores esperam mais períodos de seca extrema no Pantanal.

Os incêndios na Amazônia do ano passado incitaram uma grande reação contra o Brasil, que continua enfrentando ameaças de boicote e o possível fracasso de um acordo comercial com a União Europeia por causa do histórico ambiental de Bolsonaro.

Buscando melhorar sua imagem, o governo declarou em julho a proibição de incêndios na Amazônia e no Pantanal. Também lançou uma operação militar para prevenir o desmatamento comercial, que é a principal causa de incêndios no Brasil.

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Especialistas disseram, no entanto, que essas medidas servem basicamente para gerenciar uma crise de relações públicas, e pouco têm feito para fortalecer o trabalho de conservação.

“Há uma sensação de que as leis ambientais podem ser ignoradas com impunidade. Isso é em grande parte resultado do modo como o governo lida com essas questões”, frisou Ane Alencar, diretora científica do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia no Brasil.

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(Foto: Maria Magdalena Arrellaga / The New York Times)

Bolsonaro fez campanha em 2018 com a promessa de facilitar o acesso de mineiros, madeireiros e agricultores a florestas protegidas e outros biomas. Ele chamou as multas ambientais de uma “indústria” irritante que impede o desenvolvimento econômico.

Durante uma transmissão semanal ao vivo que faz no Facebook, o presidente atacou organizações não governamentais que promovem a conservação, chamando-as de câncer que ele não conseguiu erradicar.

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Seu vice-presidente, Hamilton Mourão, general da reserva do Exército que supervisionou a operação militar do governo na Amazônia este ano, adotou um tom mais contrito, particularmente com a mídia estrangeira e os investidores.

Em entrevista recente, Mourão afirmou que o uso das Forças Armadas no combate ao desmatamento era necessário num momento em que restrições fiscais atrapalham as agências governamentais que fazem cumprir as leis ambientais. “Temos de travar uma batalha constante para evitar que a ilegalidade se enraíze”, disse Mourão.

Especialistas afirmam que os esforços do governo fracassaram porque este não conseguiu processar os líderes das organizações que promovem o desmatamento. O governo também tem sido incapaz de impor o cumprimento de regulamentos em áreas protegidas e tem dificuldade para cobrar multas ambientais.

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(Foto: Maria Magdalena Arrellaga / The New York Times)

No ano passado, os incêndios na Amazônia arrasaram cerca de 72.520 quilômetros quadrados da cobertura de árvores, a maior alta em dez anos. Cientistas do governo apontam que falhas de satélite os impediram de chegar a uma estimativa abrangente dos primeiros seis meses deste ano.

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Em todo o Pantanal, profissionais locais de turismo e voluntários se uniram para ajudar os bombeiros a combater os incêndios, tarefa hercúlea que muitas vezes parece sem esperança, pois a densidade de fumaça no ar torna impossível apagar as chamas a partir de aviões.

“Recebemos ligações de pessoas em lágrimas pedindo ajuda para combater o fogo em sua propriedade, mas não pudemos fazer nada. Combater incêndios florestais é realmente como uma guerra, e cada dia é uma batalha”, disse o tenente-coronel Jean Oliveira, bombeiro de Mato Grosso, aos bombeiros durante uma reunião diária na base de comando.

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(Foto: Maria Magdalena Arrellaga / The New York Times)

Ailton Lara, dono de uma das pousadas da área que atende turistas que vêm ao Pantanal para ver a vida selvagem, contou que se desespera ao pensar nos estragos que os incêndios vão causar aos animais e à vegetação na área – e ao seu sustento.

“Precisamos chegar à raiz do problema. O que está acontecendo agora é um aviso, e a questão é o que vamos aprender com tudo isso”, ressaltou ele.

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