Ex-sócia e ex-mulher de Roberto Flavio da Silveira e Souza, dono da Hidramix, Gilceliane Dias Freitas, 36 anos, resolveu contar o bastidor do que acontecia no cotidiano do casal nos dias antes e depois do incêndio da boate Kiss, que matou 242 pessoas em Santa Maria, em janeiro do ano passado. Saber desses bastidores é fundamental para os investigadores da Polícia Civil lançarem luz sobre um episódio ainda obscuro na tragédia: o suposto “trânsito de influências” dentro do 4º Comando Regional de Bombeiros (4º CRB).

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O casal se encontrou em 2007 e, meses depois, o sargento teria colocado Gilceliane na direção da empresa. Traição, pagamento de propina e tráfico de influências são alguns dos fatos que, diz ela, fariam parte da vida do casal. Em 18 e 20 de março, Gilceliane conversou com o Diário de Santa Maria sobre o assunto. A seguir, trechos das conversas.

Diário de Santa Maria – Como era a sua vida com o seu marido antes da Kiss?

Gilceliane Dias Freitas – Um conto de fadas. Eu trabalhava em um posto de combustíveis quando nos conhecemos, em 2007. Três meses depois, já estávamos morando juntos. Eu cuidava da loja de ferragem, e ele, da parte de prestação de serviços.

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Diário – Como foi a noite em que aconteceu o incêndio na Kiss?

Gilceliane – Dormimos toda noite e só soubemos do caso no dia seguinte. Aconteceu que esquecemos os telefones fora do quarto e não ouvimos chamar. Pela manhã, vimos que havia várias ligações dos colegas dele.

Diário – Nos dias seguintes, você foi chamada para depor na polícia. O que você e seu marido conversaram antes de você prestar depoimento?

Gilceliane – Ele falou que era para eu falar o que eu sabia, o que era muito pouco. Fizemos uma busca no computador procurando a nota do serviço que havíamos prestado à Kiss, que foi a colocação da barra antipânico. Falei sobre o papel dele na empresa, que pensava ser de consultoria.

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Diário – Nas semanas seguintes ao seu depoimento, o nome da Hidramix começou a aparecer com frequência na imprensa. O que aconteceu no seu cotidiano?

Gilceliane – Dezenas de jornalistas andavam atrás de mim. Precisei mudar para a cidade de Itaara. E, daí, comecei a pensar na minha situação: eu era uma laranja e podia me complicar. Então, comecei a prestar atenção no que acontecia ao meu redor.

Diário – E o que acontecia ao seu redor?

Gilceliane – As empresas procuravam os bombeiros para legalizar a situação. Eles indicavam a Hidramix para fazer o serviço. E recebiam 10% do valor como comissão. Eles vinham aqui (na empresa) receber.

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Diário – Como era essa negociação?

Gilceliane – O bombeiro vinha aqui (na empresa) e dizia: “consegui tal serviço para ti” e, aí, ele (Souza) dava uma propina para ele.

Diário – Era a senhora a que fazia o pagamento?

Gilceliane – Não, eu testemunhei ele fazer vários pagamentos. Antes do episódio da Kiss, ele dava várias desculpas para esses pagamentos, entre elas, que estava emprestando dinheiro. Na época, não me interessava por saber o que estava acontecendo.

Diário – Ficou algum documento desses pagamentos?

Gilceliane – Não. Era tudo feito “de boca”, e o pagamento era feito em dinheiro vivo.

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Diário – Você conhece os bombeiros que receberiam comissão?

Gilceliane – Lembro do nome de guerra de quatro deles (os nomes serão investigados pela polícia).

Diário – O serviço prestado para Kiss também foi indicado por um bombeiro?

Gilceliane – Sim, seguiu o mesmo esquema.

Diário – Além da colocação das barras antipânico, vocês prestaram outros serviços para Kiss?

Gilceliane – Que eu saiba, não. Inclusive, fiz uma pesquisa nos nossos arquivos e não encontrei nada. Perguntei, várias vezes, para ele (Souza) sobre isso, e ele sempre respondeu que não.

Diário – Depois da Kiss, bombeiros continuaram a aparecer na empresa?

Gilceliane – Sim, mas em menor número. O que aconteceu, nos meses seguintes, é que ele (Souza) começou a desmontar os arquivos da empresa, passar os bens para os nomes de outros laranjas. E eu comecei a ser isolada das conversas consideradas importantes.

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Diário – Hoje, qual é a situação profissional do seu ex-marido?

Gilceliane – Continua prestando serviço em várias cidades vizinhas, usando o mesmo esquema de antes.

Diário – No depoimento que prestou à polícia, em janeiro do ano passado, você não falou sobre a comissão que era paga pela indicação dos serviços. Qual o motivo que levou você a falar agora sobre os bastidores da Hidramix. É vingança contra o seu ex-companheiro?

Gilceliane – Dor na consciência.

Diário – Foi o caso Kiss que levou à saeparação de vocês?

Gilceliane – O motivo principal foi traição. Eu coloquei um detetive e descobri que ele tem outra.

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Diário – O que irá fazer agora?

Gilceliane – Vou contar à polícia tudo o que eu sei. Espero que ajude.