Meu avô materno, o vô Oswy, era um cara simples, que gostava de passar horas isolado na sua oficina particular inventando e construindo coisas, dando novas formas a materiais que pareciam já ter cumprido sua função nessa vida. Ferro, madeira, metal, o que quer que passasse por suas mãos ganhava sobrevida e nova estampa. Entre outras, ele foi dono de uma fábrica de brinquedos de madeira que encantou a infância de muita gente na velha Desterro dos anos 1940. Era um artesão com alma de artista.
Continua depois da publicidade
Foi no sobrado antigo onde ele viveu, próximo ao Campo da Liga, onde hoje está instalado o Shopping Beiramar, que apreciei pela primeira vez uma obra de Zumblick. Era uma pintura do Rio Tubarão com um pé de chorão debruçado sobre a margem. A imagem da árvore chorosa tinha um quê de melancólico, mas a luz que emanava do quadro preenchia o ambiente com um brilho particular. A tela havia sido comprada por meu avô em uma exposição individual feita na Capital. Zumblick, além de ter sido seu colega no Colégio Catarinense, era alvo de sua admiração.
Willy Zumblick foi um daqueles seres iluminados que transpôs para a obra toda a luz que irradiava. Literalmente. Seria a luz, o jogo entre a iluminação e a captação do olhar, o ponto em comum entre o artista e o ótico? Ou seria a precisão no manuseio dos pincéis e das peças milimétricas o que ligava o pintor ao relojoeiro e ourives? Pouco importa, dada a excelência com que cumpria os diversos ofícios a que se dedicou. Meu pai lembra com certo encanto a experiência ímpar de comprar um óculos “da melhor qualidade”, e de ser atendido pelo próprio pintor, nas Óticas Zumblick, em uma passagem por Tubarão.
As datas comemorativas costumam ter a função de trazer à tona fatos que de outra forma cairiam no esquecimento, algo típico em uma sociedade que pouco faz para manter vivas suas memórias. Assim, felizmente, a comemoração do centenário de Zumblick nos possibilita reavivar não só o que o artista foi e fez, mas o que foi feito do que ele foi e fez. É também sempre uma ótima oportunidade para que novas gerações tenham acesso à exuberância de sua obra.
Continua depois da publicidade
“Nem sempre se consegue fazer tudo aquilo que se pensa… Como, nem sempre, se consegue pensar sobre tudo aquilo que se faz”, refletiu sabiamente o artista. Entre pensamento e ação, o legado de Zumblick ultrapassa 5 mil obras, entre as quais se destaca o caráter memorialista presente na série sobre a saga do Contestado e os relatos heroicos de Anita e Garibaldi, constituindo um acervo precioso para o Estado e para o país.
Em 2014, a escola de samba Protegidos da Princesa vai fazer uma homenagem ao artista, destacando sua paixão pela Bandeira do Divino (e pela cultura popular em geral) e relembrando sua alma carnavalesca, evidenciada pelo desenho de carros alegóricos e pelo interesse com que acompanhava o Carnaval na sua cidade natal. A escola promete trocar o verde, vermelho e branco por uma explosão de cores, colocando na avenida os diversos matizes do arco-íris para retratar a grandiosidade da obra de Zumblick. Meu avô Oswy, que nos anos 1940 extravasou sua criatividade construindo carros de mutação gigantescos para a Sociedade Tenentes do Diabo, adoraria participar desta empreitada. Coisa de artista. Coisa de quem ama profundamente o que faz.