Como em uma sequência de golpes no boxe, um escândalo envolvendo uma ex-assessora e declarações do operador do mensalão colocaram o ex-presidente Lula no canto do ringue. Para quem havia pouco comemorava a vitória petista em São Paulo, o cenário mudou radicalmente. Os episódios recentes foram suficientes para abalar a imagem de Lula e movimentar a política nacional, com impactos ainda imprevisíveis sobre as eleições de 2014.
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Fragilizada como nunca desde a chegada ao poder, a imagem do presidente mais popular da história recente brasileira está ameaçada por um conjunto de perguntas sem resposta. Ao exporem Lula, as denúncias que o ligam ao mensalão e a uma ex-assessora acusada de corrupção inevitavelmente terão repercussão sobre as eleições de 2014 e os rumos do PT, mas o ângulo da virada ainda intriga analistas, aliados e oposicionistas. Será o desenrolar dos fatos capaz de provocar uma reviravolta de 180º, desconstruindo o próprio mito? Ou não passará de um giro de 360º, em que tudo volta ao mesmo lugar no final?
– Para a maioria da população, Lula era intocável. Agora a situação é delicada, há um somatório de elementos que atingem o prestígio dele. Mas o futuro tem muitos solavancos, é difícil prever o que vai acontecer – analisa o historiador Boris Fausto, membro da Academia Brasileira de Ciências, lembrando que Lula já se reinventou muitas vezes, conseguindo resistir aos arranhões que o atingiram na época da eclosão do mensalão, em 2005, e dando a volta por cima, primeiro na reeleição e, depois, com as vitórias de Dilma Rousseff, para o Planalto, e Fernando Haddad, para a prefeitura de São Paulo.
A diferença é que, desta vez, Lula está mais vulnerável. Sem a blindagem do cargo de presidente, viu antigos rumores sobre seu envolvimento no mensalão voltarem à tona pela boca do empresário Marcos Valério, condenado pelo Supremo Tribunal Federal a mais de 40 anos de prisão como operador do esquema. Em 2005, a própria oposição recuou na tentativa de impeachment em nome da governabilidade, deixando no ar as declarações feitas à época pelo governador Marconi Perillo (PSDB-GO) de que havia falado a Lula sobre o mensalão um ano antes.
Hoje, a situação se agrava porque as declarações feitas por Valério à Procuradoria-Geral da República – de que Lula teria dado “ok” a empréstimos bancários e de que o esquema teria pago despesas pessoais dele – se somam a outras suspeitas. Enredado com os resultados da Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, que revelou suas relações de intimidade com a ex-chefe de gabinete da Presidência em São Paulo Rosemary Nóvoa de Noronha, envolvida em uma quadrilha de venda de laudos técnicos, Lula se exilou em seu próprio silêncio. Mesmo tendo retornado na sexta-feira de um tour pela Europa, se manteve distante dos microfones.
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– Não tenho nenhuma razão para acreditar no Valério, salvo uma: o silêncio do Lula. Quem hoje está dando aval ao Valério é Lula com seu silêncio – avalia o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), ministro da Educação da primeira gestão do ex-presidente, que deixou o PT após desilusão com os rumos do partido, em 2005.
Diante dos ataques, o PT tem reagido com o discurso de que tudo não passa de uma tentativa de uma oposição desesperada para atacar o seu maior líder. Petistas também têm acusado o julgamento do STF de politizado e midiático, e planejam a retomada das caravanas de Lula pelo país em busca do contato com a população.
– Há uma obsessão da oposição em criminalizar Lula, que é totalmente infundada. Lula é o líder político que mais preconceito sofreu na história do Brasil. Quando um governo popular faz transformações, contraria interesses – defende o deputado federal Henrique Fontana (PT).
Mas a estratégia de defesa do PT tem um preço, alerta o cientista político Leoncio Martins Rodrigues Netto, autor do livro Mudanças na Classe Política Brasileira. Ao atacar as “elites conservadoras” , na sua avaliação, o partido corre o risco de acirrar os conflitos de classe e assustar os doadores de campanha em 2014.
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Para o presidente nacional do PSDB, deputado Sérgio Guerra, a reação do PT – ao partir para a revanche com a decisão de aprovar convite para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso depor no Congresso – revela uma “incapacidade de lidar com as denúncias”.
– A postura deveria ser: não temos nada a temer, tudo a explicar. Lula tem de se livrar das acusações com argumentos – opina.
Preocupado, o ex-governador Olívio Dutra teme que a política nacional se transforme em uma “guerra de bugios” – fazendo uma analogia entre o comportamento reativo dos partidos e o dos animais que, em meio a uma briga, jogam suas fezes uns contra os outros:
– Não adianta dizer: eu fiz mal, mas vocês fizeram pior. Esse precisa ser um momento de autocrítica do partido. Esse movimento da oposição de tentar explorar só é possível porque tem elementos que possibilitam isso. No interior do partido, se cometeram coisas erradas, as pessoas têm de ser julgadas e punidas pelos erros.
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Com a palavra, o ex-presidente Lula.
Olívio Dutra
Ex-governador do Estado
”O PT não é a história de um indivíduo, é uma história social. O PT não era para ser o partido da acomodação, da política rasteira e rastaquera”.