Um mistério ronda o primeiro filme de ficção gravado em Santa Catarina. Isso porque, após a exibição, as gravações sumiram, restando apenas os sete minutos finais do longa-metragem original. O Preço da Ilusão, de 1957, tem como pano de fundo a cidade de Florianópolis.

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O longa foi produzido pelo catarinense Armando Carreirão e dirigido por Nilton Nascimento, do Rio Grande do Sul. O filme, idealizado pelo Grupo Sul chegou a ficar três semanas em cartaz, conforme registros de reportagens da época, mas depois disso sumiu. O destino dele, até hoje, é incerto.

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Para detalhes sobre o enredo do filme e o contexto histórico da década, o NSC Total conversou Zeca Pires, cineasta que dirigiu um especial sobre a obra para o Canal Memória, da TV UFSC.

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Hipóteses do sumiço


O cineasta diz que não sabe especificar quando as duas únicas cópias do filme e os negativos sumiram. Ele conta que fez uma pesquisa com junto colegas jornalistas em que conversaram com Salim Miguel, responsável pelo roteiro, e Armando Carreirão em que empreenderam uma grande busca pelas imagens.

Após um tempo, um amigo de Salim encontrou apenas os sete minutos finais na Cinemateca Brasileira, nos anos 1980.

— O Máximo Barro, amigo de Salim, tentou remontar o filme. Se não me engano, os sete minutos finais vieram de uma emissora de TV, que exibiu o filme. Mas as pistas eram muito incertas já naquela época, em 1986 — relembra.

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Em uma matéria de 2015, o NSC Total citou um dossiê feito pelo jornalista e diretor de cinema Marco Stroisch, em que se debruçou em arquivos da época para desvendar o enigma. Ele chegou a três possíveis hipóteses que possam explicar o desaparecimento:

1 – MARLY MARLEY

Em São Paulo, a atriz, cantora e ex-vedete Marly Marley (1938-2014) buscava reconhecimento, e o produtor e amigo paulista Antônio Thomé teve a ideia de inserir cenas dela no meio do filme. Ele chamou o editor paulista Máximo Barra para fazer a segunda versão.

– A edição na época era manual. Literalmente cortar os negativos e depois montar. Barra fez uma cópia em 16 mm e recortou o outro filme para fazer a nova montagem. O Thomé acabou brigando com a Marly Marley e ninguém viu a segunda versão – disse Stroisch, em entrevista à época.

2 – UM ATOR ATRAPALHADO

Outra cópia teria ficado em Florianópolis. Em depoimento a Stroisch, o escritor Salim Miguel, responsável pelo roteiro junto com Eglê Malheiros, contou que um dos atores da produção, figura carimbada na cidade, vivia com problemas financeiros e um dia pediu a Armando Carreirão para projetar o longa em cidades do interior do Estado. Quando voltou, disse que o filme tinha pegado fogo e nunca mais se viu a cópia.

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3 – TV GAZETA

Na década de 70, o diretor do filme, Nilton Nascimento, assistia em casa ao programa Cinema Brasileiro, na TV Gazeta, quando o então apresentador francês Pierre Lagousdis anunciou a exibição de O Preço da Ilusão. Era possivelmente a cópia em 16mm feita por Máximo Barro. A emissora atualmente não tem nenhum registro sobre o longa, e a informação é a de que o ex-apresentador teria ficado com as latas. Procurado por pesquisadores, Lagousdis sempre negou.

Fiasco na primeira exibição do filme

O cineasta Zeca Pires relata que o filme teve sua estreia no cine Ritz, em Florianópolis, no dia 9 de agosto de 1958. A sessão rodou às 22h e, depois dessa, percorreu algumas cidades.

Durante a exibição, segundo Zeca, o filme teve problemas de montagem e finalização, o que não agradou a quem foi prestigiar.

— Com o copião (filme bruto) daria para ter um filme muito melhor — diz.

O enredo

Conforme o Canal Memória, O Preço da Ilusão surgiu como uma resposta ao Rio 40 Graus, de Nelson Pereira Santos, mostrando, identicamente, alguns aspectos da cidade. Zeca reforça que o filme catarinense, retratando duas diferentes histórias, fez uma crítica social da vida florianopolitana da época.

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A trama entrelaça duas histórias: a de Maria da Graça, uma funcionária pública cansada do trabalho e que sonhava em ganhar um concurso de beleza, e a de Maninho, um menino de oito anos que trabalhava de engraxate e que sonhava em ter um boi-de-mamão.

— O filme pretendeu ser uma crônica de uma cidade a partir da construção de duas histórias em contraponto, que se entrelaçam dando ritmo ao filme. As relações [com o contexto histórico] eram muitas como: uma crítica a exploração das mulheres com os concursos de rainha, a exploração infantil e o folclore com o boi de mamão. Praticamente toda a cidade participou do filme — diz Zeca Pires.

As duas histórias que se entrelaçam

Na primeira história, Maria da Graça, uma funcionária pública entediada com o ofício, despreza a opinião da mãe, desiste do noivado com o namorado Paulo e aceita o convite de Souza, organizador do concurso “Rainha do Verão”, para se candidatar. Ela sonha com o sucesso.

Cada candidata tem um patrocinador, que tudo lhe oferece antes do concurso: joias, roupas, promoções sociais e publicidade em jornais. Doutor Castro, patrocinador de Maria da Graça, consegue, junto com seus amigos ricos, comprar o maior número de votos para que a candidata escolhida por ele seja eleita “Rainha do Verão”.

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Na euforia da vitória, Castro seduz sua candidata nas dunas da lagoa. Terminada a festa, Maria da Graça resolve deixar a cidade. Ao comunicar sua decisão a Castro, os dois começam a discutir dentro do carro em alta velocidade. Na ponte Hercílio Luz o carro se perde, esbarra nas grades de proteção e cai no mar. Um garoto assiste à cena, se espanta e grita.

Na segunda história, que é narrada em paralelo com a primeira, Maninho, um menino de oito anos, trabalha de engraxate e vendedor ambulante para ajudar a mãe que faz rendas de bilro. Seu pai é envolvido com brigas de canário e aposta seu minguado dinheiro em jogos.

O sonho do Maninho e sua turma é terem um boi-de-mamão. Para isso organizam um “livro de ouro”, visando arrecadar dinheiro para montar o boi-de-mamão. No entanto, recebem ajuda de poucas pessoas, pois a preferência no momento são os votos da “Rainha do Verão”.

A mãe de Maninho adoece e o pai se recusa a comprar remédios com o dinheiro apostado nos jogos. O garoto fica sem outra alternativa, senão usar as economias destinadas ao boi-de-mamão. A mãe piora e Maninho corre para comprar os remédios. Ao atravessar a ponte, ele se depara com luzes e ouve um estrondo: um carro esbarrou e precipitou-se, lá do alto, no mar. No plano seguinte, Maninho vê o local onde caiu o carro.

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Maninho continua a correr como um louco na ponte escura, gritando: o carro caiu. Sua voz fica longe e o eco de seus passos se distancia. O vento faz o bolinho de notas, que caiu da mão do garoto, voar. No final do filme as duas histórias que até então se entrelaçavam, encontram-se num final comum: os sonhos acabam.

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