*Por Henry Fountain

Pesquisadores relataram na semana passada que a Groenlândia registrou uma perda recorde de gelo em 2019. Quase metade foi perdida em julho, quando a região “cozinhou” graças a uma onda de calor incomum.

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Segundo os cientistas, a perda líquida de gelo de mais de 530 bilhões de toneladas métricas foi mais que o dobro da média anual registrada desde 2003. Em julho, quando o ar quente da Europa se moveu para o norte, elevando a temperatura a níveis bem acima do normal e causando o derretimento generalizado da superfície do manto de gelo, a perda foi aproximadamente igual à da média de um ano inteiro.

Ingo Sasgen, geocientista do Institudo Alfred Wegener, em Bremerhaven, na Alemanha, e principal autor de um artigo que descreve as descobertas na revista “Communications and Environment”, disse que, devido ao calor do verão passado, ele e seus colegas suspeitavam que 2019 seria um ano ruim para o manto de gelo.

Eles analisaram dados de dois satélites que medem, com precisão, a atração gravitacional e, portanto, a massa da área sobre a qual orbitam. “Levamos um bom tempo para analisar e quantificar os dados de forma robusta, mas a conclusão é que foi mais um ano com recorde de derretimento”, afirmou Sasgen. No ano recorde anterior, 2012, a perda líquida havia sido de cerca de 460 bilhões de toneladas métricas.

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Yara Mohajerani, pesquisador de pós-doutorado da Universidade de Washington que não participou do estudo, comentou que isso fazia “parte de uma série de estudos que mostrou a mesma coisa”, incluindo o trabalho, realizado por ele, que relatou uma perda recorde de gelo no verão de 2019.

O manto de gelo da Groenlândia tem quase três quilômetros de espessura em alguns lugares e, se todo o gelo derretesse, o nível do mar subiria cerca de sete metros e meio.

Isso levaria séculos. Mas como, desde a década de 1990, o Ártico aqueceu de forma mais rápida do que qualquer outra parte do planeta, a perda de gelo da Groenlândia e sua contribuição para o aumento do nível do mar se aceleraram. Na taxa atual de perda, o gelo da Groenlândia é responsável por cerca de 6,3 milímetros por década do aumento total global, que é de cerca de 31,7 milímetros por década.

Mas a perda de gelo pode variar de ano para ano. Em seu artigo, Sasgen e seus colegas descobriram que a perda líquida em 2017 e em 2018 foi cerca de metade da média anual desde 2003. Segundo ele, até agora, em 2020, a perda líquida de gelo parece estar um pouco abaixo da média.

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Sasgen informou que tanto 2017 quanto 2018 registraram verões mais frios do que o normal, quando o ar frio vindo do norte passou pela costa oeste da Groenlândia e diminuiu a perda de gelo. Em 2019, no entanto, esse padrão de circulação foi invertido e o ar quente veio do sul.

Inversões semelhantes já aconteceram antes. “É realmente fascinante ver de novo essa mudança de condições históricas muito frias para um ano de derretimento recorde”, disse ele.

A mudança para um fluxo de ar que aponta para o norte ocorre quando uma região de alta pressão, resultado de mudanças na corrente de ar, estaciona sobre a Groenlândia. Chamadas de “bloqueio”, essas zonas de ar estacionário se tornaram mais frequentes no Ártico e, embora haja um debate sobre o motivo, muitos cientistas estão vendo uma ligação cada vez mais nítida com o aquecimento global, que, por sua vez, é agravado pela perda de gelo marinho no Oceano Ártico.

“É muito claro que os últimos 10, 15, 20 anos produziram mais padrões de ondas estacionárias e mais situações de bloqueio na Groenlândia. É muito provável que isso esteja relacionado à perda de gelo marinho. Mas é realmente difícil de provar”, explicou Sasgen.

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Na Groenlândia, a perda de gelo resulta do escoamento da água de degelo da superfície e da descarga de gelo das geleiras, que servem como saída para o manto de gelo, uma vez que o conectam ao oceano. O acúmulo resulta da queda de neve que, comprimida ao longo dos anos, acaba se transformando em gelo. Quando o escoamento e a descarga excedem o acúmulo, o resultado é a perda líquida.

Um artigo publicado recentemente no mesmo jornal mostrou que a descarga de gelo das geleiras, que inclui tanto a formação de icebergs quanto o derretimento subaquático, aumentou cerca de 14 por cento desde os anos 1980.

O maior aumento foi de 2000 a 2005, e as taxas de descarga permaneceram consistentes nesse nível mais alto desde então, informou a principal autora do estudo, Michalea King, que recentemente obteve seu doutorado na Universidade Estadual de Ohio e em breve será pesquisadora na Universidade de Washington.

“O aumento da descarga de gelo, ao lado da tendência de aumento do escoamento da água de degelo nas últimas décadas, torna cada vez mais improvável que a Groenlândia tenha anos de ganho líquido de gelo. É uma espécie de golpe duplo. Esperaríamos ter ganho de massa em apenas um em cada cem anos”, comentou ela.

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King disse que o novo artigo, que contou com sua contribuição, ilustra esse ponto. “Embora os verões frios anormais de 2017 e 2018 tenham gerado maior acúmulo de gelo e menor escoamento superficial de derretimento, ainda assim são anos de perda de massa, em grande parte por causa da maior taxa de descarga de geleira”, declarou.

“A perda de massa não irá embora tão cedo, mas é claro que temos o controle sobre a taxa ao tomarmos medidas para mitigar as mudanças climáticas. Não é o tipo de situação de jogar a toalha”, completou a cientista.

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