O afrobeat dos anos 1970, aquela fusão frenética de música yorubá, jazz, funk que o nigeriano Fela Kuti e sua banda disseminaram pelo mundo na época, é apenas um modelo de processo do fazer música, não necessariamente o resultado almejado pelo Bixiga 70. Sem regras ou apegos ao virtuosismo, a banda de São Paulo é como um espelho onde se reflete a contemporaneidade musical brasileira (e todo seu cosmopolitismo urbano) embasada nas matrizes africanas, dos tambores de terreiros ao maracatu. Destaque na cena nacional recente, Bixiga 70 se apresenta pela primeira vez em Florianópolis nesta sexta, junto com Curumin & The Aipins e o grupo Abayomi em festa promovida pelo WhataFunk? e Conexão Sul. O show será no Green Park, na praia da Joaquina.
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Bixiga 70 existe desde 2011, surgiu do encontro de 10 músicos que desenvolviam trabalhos no estúdio Traquitana, em São Paulo, localizado no endereço que inspirou o nome da banda. Somados os conhecimentos de todos e o gosto particular por música africana, latina e brasileira, eles chegaram a um som instrumental totalmente orgânico. Em três anos, lançaram dois discos, realizaram turnês internacionais, participaram de grandes festivais e conquistaram o prêmio de Revelação do 25ª Prêmio da Música Brasileira, em 2014.
::: Ouça o segundo álbum completo:
O guitarrista e tecladista Maurício Fleury, que já tocou na banda de Emicida, concedeu entrevista por telefone na terça-feira, emocionado depois de ter recém-chegado de uma turnê pela França, Alemanha, Bélgica e África (Marrocos). Ao falar do grupo, o faz sempre em nome da coletividade – nunca eu, sempre a gente – e pontua a espiritualidade e volta à ancestralidade como crucial (ou ritual) para a musicalidade deles.
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Confira trechos do papo solto e filosófico:
Afrobeat
O afrobeat é que é um gênero que já vem de uma fusão de gêneros. O Fela Kuti já misturava ritmos ancestrais com a música pop. O afrobeat é um exemplo claro da resposta local a uma onda internacional, no caso, a Nigéria ao funk e outros gêneros nos anos 1970. Na mesma época o Gil [Gilberto] fazia isso aqui no Brasil, integrava no discurso dele as matrizes africanas. E a presença da música africana é muito forte desde sempre na música brasileira. Esse processo a gente vê também no mangue beat, com o maracatu e as guitarras elétricas.
O que queremos
A gente enxerga a música brasileira nessa linha (a fusão dos ritmos). Nossa vontade é mais pelo processo do afrobeat, isso é o interessante pra gente. É o que queremos fazer. Se for entendido como o que o Fela kuti fez, não é. Nossa intenção é fazer algo novo, autêntico, não emulação ou fazer de conta que estamos na África dos anos 1970. O Bixiga 70 tem endereço, Rua Treze de Maio, 70, Bixiga, São Paulo. Nosso tempo é o aqui e o agora.
Música brasileira contemporânea
O contemporâneo é o que as pessoas vêm fazendo hoje. A gente, por exemplo, escuta muito Hip Hop, rap nacional. Estamos atentos à música da rua. Todo o movimento Hip Hop, o Graffitti fazem parte da nossa formação. Estamos envolvidos com tudo isso, com a cidade, por isso também o título das canções. São coisas que a gente vê e vive. Somos músicos atuantes, com as antenas ligadas, com projetos paralelos, música eletrônica. A gente gosta de rap e também de Hermeto Pascoal e Luiz Gonzaga.
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Herança do terreiro
A música que abre o primeiro disco, Grito de Paz, fiz em parceria com um amigo. Inspiração dos terreiros e dOs Tincoãs, grupo de Cachoeira, na Bahia, que fez muito sucesso nos anos 1970. Pra gente é um pouco isso, um pouco do que já foi contado e cantado pelos Tincoãs. O terreiro é um lugar onde muitos da banda passaram, trabalharam com percussão, como ogãs. Para nós tudo isso é um terreiro, onde a gente se encontra e se comunica. Deixa a Gira Girá, música que abre o segundo disco, é um ponto conhecido, também interpretado pelos Tincoãs.
Ancestralidade latente
Música ancestral é onde a gente se encontra, é natural. A volta para a ancestralidade e espiritualidade é importante para dar um chão por onde podemos caminhar. A gente vive uma vida materialista, individualista. Ser artista hoje é caminhar contra muita coisa. O Bixiga 70 não tem a característica da mitificação e individualização. Somos um time em busca de certa transcendência. É respeito, algo natural contra a opressão dos tecnocratas, fundamentalistas religiosos.
Somos músicos que tiveram diferentes criações, cada um veio de um lugar, mas o fato de nos encontrarmos nesse ritual é o que justifica nosso existir. A espiritualidade na música é algo necessário. Se não fosse necessário nem a estaríamos fazendo. Porque hoje o que impera é a desconexão. Tentamos humildemente mostrar um sentido verdadeiro da música, sem individualizar ou profetizar. Quem está dentro faz parte desse ritual.
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Anos 70 X Anos 2014
Arrisco a dizer que existe certa similaridade com o Brasil dos anos 1970, embora muito diferente, claro, mas tem em comum uma certa descrença nas coisas como elas são. Talvez seja preciso recuperar o sistema e o modo de vida de forma muito mais profunda. Por isso é natural que a gente busque a transcendência, esse mundo está tão difícil de acreditar.
Cena instrumental sem amarras
Pra gente a música instrumental sempre foi fundamental. O que o Bixiga 70 tem e é diferente é o fato de ter perdido preconceitos e aberto mão de critérios que definem a música instrumental. Existem as prisões impostas pelo pessoal do instrumental, né?, como o virtuosismo. Fazemos música para as pessoas, por nós em conjunto, num esquema coletivo e menos de virtuosismo. Nosso caminho é a libertação total de qualquer dogma e amarras.
Gravadoras e o jabá
Esse pessoal aí que fala que as gravadoras acabaram… Acredito que elas (as gravadoras) ainda têm força, principalmente porque fazem lobby em cima das rádios. Se Bixiga 70 tocasse no rádio, sairia muito mais. Então esse papo de fim das gravadoras não tá com nada, ainda tem muito jabá.
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:: Agende-se
O quê: show de Bixiga 70, Curumin & The Aipins e o grupo Abayomi
Quando: sexta, a partir das 22h
Onde: Green Park Music Hall (Av. Prefeito Acácio Garibaldi S. Thiago, 1.303, Lagoa da Conceição, Florianópolis)
Quanto: R$ 70 / R$ 35 (meia e quem doar um quilo de alimento) – 1º lote. R$ 100 / R$ 50 (meia e quem doar um quilo de alimento) – 2º lote. Ingressos à venda no Café Saint Germain (Lagoa da Conceição), Roots Records (Galeria ARS, Centro), Varal Camisetas e Acessórios (Centro), SóAçaí (Rio Tavares), Academia Power Club (Lagoa da Conceição), Manga Rosa e Cia (Lagoa da Conceição) e Loja Triton (Shopping Iguatemi)