— Quando as notícias chegaram de que todos os tops do surf mundial estavam aqui na Joaquina, veio todo mundo pra cá. Isso aqui ficou um formigueiro. Dez da manhã do domingo, acabou a água, o refrigerante, a cerveja, acabou tudo. Teve gente que parou no pé do morro da Lagoa, estacionou o carro e veio correndo ou então que atravessou as dunas. O campeonato acabou meio dia. Até quatro horas da tarde não tinha como sair da praia. Então foi um deus nos acuda— recorda, 30 anos depois, o empresário Flávio Boabaid,organizador do Hang Loose Pro Contest de 1986.

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O clima foi de um verdadeiro carnaval, mas o legado que os oito dias de competição deixaram para Santa Catarina e para o Brasil foi algo muito sério. A WSL (Liga Mundial de Surfe) estima em até 20 mil pessoas nas areais da Joaquina. O campeão foi o australiano Dave Macaulay, e os conterrâneos dele dominaram o pódio nos quatro anos que a Ilha sediou o evento. Mas foi a partir dali, que o surfe se tornou profissional no País.

Quem estava lá lembra que o vento Sul parou na véspera do campeonato e deixou um swell perfeito, com ondas de até três metros. Foi a primeira vez que Florianópolis recebia uma etapa do circuito mundial. Boabaid, que deixou de competir com 22 anos e passou a se dedicar à organização de grandes eventos de surf, se orgulha da competição que esteve à frente. Além dos atletas brasileiros, surfistas da Austrália, Estados Unidos, Árica do Sul e Inglaterra marcaram presença.

O catarinense Teco Padaratz, bicampeão do WQS (mundial qualificatório) e um dos ídolos brasileiros no esporte, era um garoto com 15 anos recém completados, mas que já acompanhava o cenário do surfe nacional e mundial através das revistas.

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Teco Padarataz entrou para o circuito mundial dois anos depois de acompanhar a competição de 86 Foto: Cristiano Estrela / Agencia RBS

— Esse já era o meu mundo. Eu ficava imaginando se um dia pudesse estar no lugar de um surfista desses. Acho que fui o resultado perfeito do efeito que dá trazer os maiores profissionais do mundo para uma praia. Foi uma experiência incrível conhecer dentro de casa os surfistas do circuito mundial, que depois eu viria a competir contra — destaca o atleta, hoje longe das ondas.

Em 1986, nenhum brasileiro disputava em toda a temporada do circuito mundial. E dois anos depois, Teco e o também brasileiro Fábio Gouveia passaram a ser patrocinados pela Hang Loose e competir o campeonato o ano inteiro.

— Não existia carreira. O surfista fazia outra coisa e nas horas vagas ele surfava, ganhava algum prêmio. Tinham até alguns que ganhavam patrocínios, mas não era nada sério. Na época era muito difícil até de dizer para o pai que queria surfar, mesmo que fosse brincar, pior ainda se fosse para ser profissional — recorda.

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Abismo separava os surfistas brasileiros
A troca de experiência dos gringos de 86 com a juventude que já surfava aqui alavancou o esporte no Brasil. Tanto que no ano seguinte foi criada a Associação Brasileira de Surfe Profissional (Abrasp). As marcas estrangeiras, pirateadas no Brasil, tiveram que entrar em acordo com as cópias para se regularizarem. A ilha de Santa Catarina, então uma pacata cidade, se transformou a partir daquela data. 

— Foi um legado incrível. Ali foi o ‘start’ pra gente entrar no circuito mundial, que foi uma reta só até o Medina ser campeão mundial e logo depois o Adriano — destaca Teco.

Flávio Boabaid explica que ninguém sabia o potencial que o surfe tinha. E que, se na época do Hang Loose, existia um abismo entre os surfistas brasileiros e os do cenário internacional, hoje estamos no mesmo nível das escolas americana e da australiana.

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Flávio Boabaid foi organizador do evento há 30 anos e agora será diretor de prova Foto: Cristiano Estrela / Agencia RBS

— Depois de 86, a gente promoveu um intercâmbio durante 6 anos nos Estados unidos, e com o treinamento técnico para esse pessoal de ponta, o Neco Padaratz, o Flávio (Teco) Padaratz, o Fábio Gouveia, o Vitor Ribas, todo esse pessoal que era júnior, eu treinei forte com eles com os critérios do circuito profissional. E quando eles viraram profissionais, acabaram com eles — compara.

Competição nostálgica reunirá surfistas de 22 países
A estrutura montada na Joaca tem o mesmo visual de 1986, com as cores azul turquesa e amarelo. O logotipo também é o mesmo. De lá pra cá, o Hang Loose Pro Contest, que nasceu na praia do Leste da Ilha, passou por praias de Pernambuco e São Paulo até chegar em Fernando de Noronha, onde acontece atualmente. Hoje é o campeonato de surfe mais tradicional da América Latina.

Foto: Cristiano Estrela / Agencia RBS

Para essa edição, serão 144 surfistas de 22 países disputando os 6 mil pontos e 25 mil dólares ao vencedor. Brasileiros são 58. Medina e Adriano de Souza estarão presentes. Essa pontuação é importante para a definição dos surfistas que se classificam para a elite do surfe mundial em 2017.

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Alguns já podem confirmar classificações para o ano que vem. Entre eles,está o pernambucano Ian Gouveia, filho do Fábio Gouveia e que morou 14 anos em Florianópolis. Os catarinenses mais bem cotados são o cabeça de chave Alejo Muniz e Tomas Hermes. A competição acontece do dia 1º a 6 de novembro para decidir o novo campeão.