*Por Jessica Bennett

Na maior parte da minha vida, tive um problema pequeno, porém crônico: meu rosto, quando está relaxado, parece não somente sério, mas mau.

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Algumas mulheres vão se identificar com esse problema, principalmente aquelas que – nessa época do ano, quando o sol aparece e a maioria sai de casa – se acostumaram a ouvir a pergunta “Por que você não sorri?” de pessoas anônimas na rua, geralmente homens (ou a praticar, até perder o ar, uma maneira de deixar as pessoas “à vontade”, suavizando as expressões faciais em frente ao espelho).

Esses críticos sorridentes não estão apenas na rua, é claro. Às vezes, estão na televisão, dando conselhos a mulheres atletas ou em cargos políticos, sugerindo que a porta-voz da Casa Branca tente sorrir mais, ou como no caso do presidente Donald Trump, que pareceu dizer isso à sua esposa durante uma recente sessão de fotos.

Eles inspiraram pelo menos uma exposição de arte, “Parem de mandar as mulheres sorrirem”, de Tatyana Fazlalizadeh.

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Mas, se existe um pequeno, bem pequeno, lado bom da realidade de que a máscara é um componente necessário de nossa vida diária agora, é este: nós decidimos quando sorrir.

“Pela primeira vez, o fato de o tempo estar ficando mais agradável *não* tem correlação com homens exigindo que eu sorria, portanto já é algo positivo. Obrigada, máscara facial!”, tuitou recentemente Steph Herold, uma ativista e pesquisadora da cidade de Nova York.

“Não ter de dar sorrisos falsos ou se desculpar por um sorriso estranho tem sido um alívio para mim”, comentou Talia Cuddeback, uma recrutadora de Austin, no Texas.

“Usar uma máscara é tão libertador que talvez eu continue usando uma, mesmo que encontrem uma cura para a Covid-19. Passei por um canteiro de obras outro dia e, apesar da minha cara fechada, ninguém gritou para mim: ‘Sorria, amor!’ Nenhum homem aleatório no supermercado me sugeriu: ‘Anime-se!’ E pessoa alguma sugeriu que eu ficaria mais bonita com um sorriso no rosto”, disse Clare Mackintosh, escritora que mora no País de Gales.

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Em meio a uma pandemia que trouxe à tona muitas das desigualdades purulentas que se formam logo abaixo da superfície – e quando a injustiça racial ocupa o palco central e legítimo do ativismo americano –, a liberdade facial feminina é uma vitória menor. Mas é uma vitória.

Estudos têm descoberto que as pessoas têm menos probabilidade de atribuir crimes a quem tem um rosto amigável, enquanto quem parece “feliz” é geralmente considerado mais confiável. Há todo tipo de pesquisa sobre os preconceitos sutis – e às vezes nem tanto – de raça e de gênero envolvidos na maneira como interpretamos as expressões faciais de outras pessoas (ou, em alguns casos, em nossa incapacidade de vê-las), com os negros frequentemente pagando o preço mais alto. Na pandemia, os homens negros se mostraram temerosos de que a máscara facial faça com que a polícia os aborde mais vezes.

Quando se trata de gênero, parece haver uma associação profundamente arraigada entre feminilidade e sorriso. Estudos apontaram que os bebês sorridentes têm mais chance de ser rotulados como femininos pelos observadores, enquanto os homens veem as mulheres sérias como menos atraentes do que aquelas que parecem amigáveis (o oposto de como as mulheres veem os homens).

As mulheres tendem a sorrir mais do que os homens, em todas as faixas etárias e etnias. Mas não é necessariamente porque são mais felizes; na verdade, as mulheres têm taxas mais altas de depressão. Em vez disso, para Marianne LaFrance, psicóloga da Universidade Yale que estuda gênero e comunicação não verbal, as mulheres sentem pressão para sorrir e podem ser penalizadas se não o fizerem.

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“A sociedade impõe às mulheres que o sorriso deve ser a expressão padrão no rosto. Portanto, todos esperam que elas sorriam, incluindo as próprias mulheres”, comentou LaFrance, autora de “Why Smile? The Science Behind Facial Expressions” (Por que Sorrir? A Ciência por Trás das Expressões Faciais, em tradução literal).

Nancy Henley, psicóloga cognitiva, teorizou que o sorriso frequente das mulheres é proveniente de seu status social mais baixo em âmbito mundial (ela chamou o sorriso de “distintivo de apaziguamento”). Outros apontaram que as mulheres são mais propensas a trabalhar no setor de atendimento ao cliente, em que sorrir é um trunfo.

No entanto, o sorriso também foi associado ao esgotamento no ambiente de trabalho, informou LaFrance. (Abençoada opção de interromper a câmera em videoconferências!)

Há cinquenta anos, a escritora Shulamith Firestone pediu um “boicote ao sorriso”, ao escrever, em “A Dialética do Sexo”, que “todas as mulheres abandonariam instantaneamente seu sorriso ‘agradável’ e que, a partir de agora, somente sorririam quando algo lhes agradasse”.

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Mais recentemente, as funcionárias da Safeway informaram que a regra de “sorrir e fazer contato visual” da empresa era frequentemente confundida com flerte, enquanto os comissários de bordo da Cathay Airlines ameaçaram não sorrir como parte de uma tática da negociação por melhores salários. Em 2016, após reclamações de funcionários da T Mobile, o Conselho Nacional de Relações Trabalhistas dos EUA decidiu que as empresas não podiam mais exigir que os funcionários fossem alegres.

Mas talvez a máscara oculte tudo isso. Em partes da Ásia, há muito tempo as máscaras são usadas para outras coisas além de simplesmente bloquear a passagem de germes.

Como a “Voice of America” relatou, a máscara tem sido usada para proteger contra a forte poluição e a exaustão. Os jovens chineses usam máscara para criar um “firewall social” e não ser abordados por outras pessoas, enquanto as japonesas a usam nos dias em que não têm tempo de se maquiar.

Anna Piela, professora visitante de estudos religiosos e de gênero da Universidade Northwestern, observou que as mulheres muçulmanas entrevistadas por ela disseram que acham mais fácil usar máscara, porque ela suaviza o estigma das coberturas faciais.

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“De repente, essas mulheres – que são frequentemente recebidas no Ocidente com hostilidade aberta por cobrirem o rosto – se parecem muito com todo mundo”, escreveu Piela em um artigo, em maio.

É óbvio que há um objetivo no sorriso educado. “A questão da expressão facial é que ela faz parte de nossa vida – ela mantém o fluxo, mantém tudo lubrificado”, comentou LaFrance.

De fato, de repente fiquei sem saber como expressar minha gratidão ao meu carteiro – e fiz um desajeitado “joinha” para ele. Eu não conseguia sorrir para cães, para crianças ou para os manifestantes que marchavam pela minha rua (se bem que o punho levantado parecia mais adequado). Olhei demais para uma mulher que estava correndo com um sutiã esportivo, tentando descobrir, através de sua máscara, se era alguém que eu conhecia – apenas para perceber que parecia que eu estava interessada nela.

Kwolanne Felix, uma estudante do primeiro ano da Universidade Columbia, que escreveu recentemente sobre como os assediadores não leram o memorando sobre a Covid-19, comentou: “Ela cria um tipo de anonimato estranho. Quando estou em uma loja ou no supermercado, ainda tento corresponder àqueles que trabalham com um sorriso no rosto, mas acabo meio que os encarando de forma estranha.”

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Felix observou que, como mulher negra, costuma se ver na posição de aliviar a tensão das pessoas brancas à sua volta com um “caloroso sorriso”.

A dra. Lynn Jeffers, presidente da Sociedade Americana de Cirurgiões Plásticos, mencionou que ainda há muito a ser transmitido por meio dos olhos, da voz e das sobrancelhas.

“Estou totalmente ciente de que sou muito mais expressiva com minha voz quando estou usando uma máscara. Mas é uma coisa estranha, num momento em que todos estamos passando por tanto trauma e sofrimento, não conseguirmos nos expressar com um sorriso”, disse Amy Zhang, produtora do Brooklyn que cresceu em Hong Kong durante a pandemia de Sars, quando as máscaras eram comuns.

Ou podemos? Como LaFrance descreveu, é o sorriso social obrigatório – que, segundo ela, é o “que as mulheres mais fazem” – que tende a se concentrar nos músculos da boca, facilmente encobertos por uma máscara médica. Mas um sorriso genuíno, ou o que é conhecido como o sorriso Duchenne (em referência a Guillaume Duchenne, um anatomista francês que o descobriu), envolve tanto a boca quanto os olhos.

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Para LaForce, o que é interessante é que o músculo facial ativado pelo sorriso genuíno – chamado de músculo orbicular do olho – não pode ser ativado de forma voluntária. “Assim, a máscara reprimirá um sorriso? Não. A menos que seja um sorriso falso.”

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