O novo diretor do Hospital Infantil Joana de Gusmão tem 77 anos, mas carrega um espírito entusiasta, típico da juventude, que será sua principal arma à frente do mais alto cargo da instituição, pela segunda vez na carreira. Cirurgião pediátrico, Murillo Capella assume em meio a crises de cianetobacter, reformas intermináveis e protestos de pacientes e familiares por melhores condições físicas e de atendimento. Tudo isso o preocupa, mas nada disso o assusta.

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Quase 34 anos depois de deixar a direção do hospital – ele foi o primeiro médico a administrá-lo, à epoca da inauguração -, ele retorna com um desafio ainda maior: minimizar as impressões negativas que o local angariou ao longo dos últimos anos e torná-lo tão estimado quanto foi há três décadas.

Para enfrentar o desafio, Capella aposta nos anos de experiência em gestão que acumulou ao longo da carreira. Foi presidente da Associação Catarinense de Medicina (ACM), secretário municipal de saúde (entre 1991 e 1992), vice-prefeito de Florianópolis (2001 a 2004) e, por mais de 30 anos, dedicou a vida às aulas do curso de Medicina da UFSC. Entre as idas e vindas, porém, nunca saiu de dentro do Hospital Infantil: chefiou o setor de cirurgia pediátrica do local até se aposentar, há cerca de seis anos, quando passou a se dedicar exclusivamente ao centro de estudos da instituição, ajudando a coordenar a parte científica e as residências feitas ali. Atualmente, Capella dá aulas na Unisul e é vice-presidente da Região Sul da Associação Médica Brasileira (AMB).

Ele deve ser nomeado oficialmente como diretor do Infantil ainda esta semana.

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DC – O Hospital Infantil está em meio a uma das piores crises da história. Qual é o principal problema do local hoje?

Capella – O pior deles está aqui dentro mesmo: é o desestímulo de quem trabalha aqui. As condições inadequadas de trabalho, as reformas que nunca chegam ao fim, a remuneração que não condiz com o trabalho, a impressão negativa do hospital lá fora, tudo isso se acumulou e só piora as coisas. Quero renovar o ânimo de cada um dos servidores, porque só isso pode proporcionar mudanças de fato. Preciso melhorar esse espírito.

DC – O senhor está vistoriando o local desde a última segunda-feira. O que já viu até agora?

Capella – Ainda não assumi, e não deu tempo de ver muita coisa, mas comecei uma visita técnica no hospital inteiro para fazer um diagnóstico de como está a situação. Vou revisitar cada canto, cada tijolo. Embora nenhum setor esteja parado, as reformas da área física precisam sair do lugar. E a primeira delas será o centro cirúrgico: a quarta sala de cirurgia fica pronta em 5 de junho e, aí, teremos espaço para realizar quatro mil operações por mês. Fora isso, o hospital já teve 200 leitos em funcionamento. Hoje temos 125. E o grande motivo dessa redução é a falta de pessoal. Minha meta é chegar lá.

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DC – Mas área de oncologia deve terminar a reforma até o início de maio, conforme o último prazo…

Capella – Ainda não estive lá para analisar a situação, mas vou ficar em cima dos prazos.

DC – E sobre a acinetobacter? Há um surto no hospital?

Capella – Isso não é surto. Esses três casos não passam de coincidência. Para teres ideia, uma das crianças trouxe a infecção de outro hospital. Mas estamos tomando uma série de medidas para que outras áreas não sejam contaminadas. As crianças estão isoladas e recebendo o tratamento adequado. Logo tudo isso termina.

DC – Como reverter a atual situação do hospital?

Capella – Os últimos acontecimentos deixaram o Infantil com uma imagem muito negativa. Mesmo assim, nem o movimento, nem o atendimento diminuíram. Acredito muito no poder do diálogo e vou sanar cada um desses problemas. Quero lançar um serviço de informação dentro do hospital, que façam com que os servidores, de todos os escalões, informem a direção de todos os problemas que eles virem por aí. Os que eles já estão vendo e os que podem vir a acontecer. Isso é trabalhar preventivamente. O Hospital Infantil já foi exemplo de gestão e funcionamento no mundo inteiro. Quero trazer isso de volta. O Infantil precisa se reerguer.

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DC – O que precisa mudar?

Capella – É o modelo de gestão que existe hoje. Em 1981 deixei o Infantil para presidir a Fundação Hospital de Santa Catarina, que coordenava os 14 hospitais públicos do Estado. Isso dava autonomia administrativa a cada um deles. Mas a fundação foi extinta em 1988 e tudo isso passou a se concentrar na Secretaria do Estado da Saúde. Os hospitais perderam toda a autonomia, sendo impedidos até de contratar pessoal e comprar materiais e equipamentos. Isso não funciona. Agora, o governo do Estado contratou uma empresa de consultoria alemã para analisar onde estão os erros das gestões. Estamos esperançosos nisso. Não sei qual vai ser a sugestão de mudança deles, mas essa vai ser a minha luta: retornar àquele modelo antigo.

DC – Mas até lá, o que é possível fazer?

Capella – Muita coisa. Desde os pequenos detalhes até a fiscalização das obras que já estão em andamento. E uma das minhas primeiras medidas será criar um núcleo de projetos, com uma equipe multidisciplinar e apostar em metas. Não quero trabalhar com demandas – senão não vou conseguir realizar nada, só vou consertar problemas.

DC – O senhor foi o primeiro diretor do Hospital Infantil, em 1979. Agora, volta à administração. O que mudou de lá para cá?

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Capella – Naquela época, o hospital estava zerado, novo. Agora tem uma história, traz 32 anos nas costas. Os equipamentos e os servidores envelheceram e a área física se desgastou com o tempo. O hospital está passando por uma transição. A maioria dos problemas apareceu agora, de alguns anos para cá. Este é o momento para transformá-lo. E isso é benéfico sob todo o tipo de ponto de vista. O hospital está a caminho de ter uma nova feição, não na arquitetura externa, mas internamente. Todos esses desgastes do tempo precisam ser consertados.

DC – Quais são seus planos?

Capella – Tenho garantia de permanecer no cargo até 31 de dezembro do ano que vem, quando termina o mandato do governador Raimundo Colombo. Até lá, quero tornar o Hospital Infantil melhor do que ele já foi um dia. Essa é a minha meta.