O engenheiro e economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações e ex-presidente do BNDES durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, é um crítico da política econômica atual do país.

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Em palestra ontem na sede da Federação das Indústrias de SC (Fiesc), Mendonça de Barros disse que vê diferenças importantes nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de sua sucessora, Dilma Rousseff.

Segundo o ex-ministro, Dilma está demonstrando uma verve intervencionista maior que Lula. E uma das causas disto é que ela estaria nervosa porque não está conseguindo ver o Produto Interno Bruto (PIB) crescer tanto como em anos anteriores. E isso não deverá acontecer, na opinião de Mendonça de Barros, por limitadores que surgiram, justamente, com o crescimento da economia nacional.

– A maior crítica que faço para o governo da Dilma é que ela não percebeu que o Estado não tem mais tamanho para purxar a economia brasileira, muito diversificada e grande. O que o governo precisa fazer é facilitar a dinâmica do setor privado, a indústria, ao invés de ficar dando subsídio – criticou.

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Na análise de Mendonça de Barros, o governo Lula foi pouco intervencionista. O ex-presidente teria acertado ao tornar o Estado mais presente na política social. Mas Dilma estaria perdendo o foco ao assumir uma postura estatizante.

– Eu diria que, às vezes, até mais que isso. Uma postura soviética. A última versão do plano para a indústria automobilística é soviética. O governo não tem condições para fazer isso. Ele deve respeitar a dinâmica da economia – opinou.

Durante o governo de Lula, segundo Mendonça de Barros, o país contou com alguns “foguetes auxiliares” para o crescimento do PIB, como a elevação do crédito de 25% para 50% do PIB e uma inserção forte de pessoas na classe C _ entre janeiro de 2003 e maio de 2011, 39,5 milhões de pessoas teriam entrado nesta faixa de renda.

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– Estes foguetes ou estão parando ou estão funcionando ao contrário. No caso do crédito, o custo para rolar a dívida do brasileiro passou de 4% para 22% ou 23% agora. Está muito mais difícil para a Dilma conseguir um crescimento de 4% ou 5%. Eu diria que até impossível – argumentou.

A projeção de Mendonça de Barros é que a economia do país cresça entre 3% e 3,5% este ano. Veja a seguir, trechos da entrevista com o ex-ministro feita antes do evento na Fiesc:

Diário Catarinense – Na sua análise, já existem indícios de desindustrialização no país?

Luiz Carlos Mendonça de Barros – Primeiro, o que significa desidustrialização. É um conceito que precisa ser qualificado. Se a desindustrialização é entendida como perda da importância da indústria na economia, claramente estamos neste processo. E por que isso está acontecendo? Aí a coisa começa a ficar mais complexa. Uma das causas da perda da importância da indústria no PIB é que o brasileiro vem apresentando, nos últimos anos, um aumento da sua renda e uma sofisticação na sua cesta de consumo. De maneira que esta sofisticação está aumentando a parcela de serviços e diminuindo a parcela de produtos industrializados. Isso é um movimento natural que acontece em economias avançadas. A França, por exemplo, que é um país industrial, a indústria representa 16% do PIB, mais o menos o nosso que está aqui. No Brasil de 10 a 15 anos atrás a indústria era 27% do PIB. Precisamos entender que essa mudança de 27% para 16% no meu entendimento tem pelo menos três componentes.

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DC – Quais seriam estes componentes?

Mendonça de Barros – O primeiro é essa sofisticação da cesta de consumo. A segunda componente é que o preço relativo dos produtos industriais com os produtos do alimento no mundo todo diminuiu. De maneira que a mesma quantidade, uma televisão, um quilo de feijão, um quilo de arroz, fez com que, pela diferença de preço, a indústria tenha perdido importância para a agricultura. O terceiro ponto, essa é a componente mais dramática desse processo, é que as condições de competitividade da economia brasileira pioraram muito com a abertura. E a indústria foi a que mais sofreu. O segmento mais protegido da economia brasileira sempre foi a parte industrial. Com a abertura diminuiu esse poder de competição.

DC – E o que deve ser feito para melhorar este cenário?

Mendonça de Barros – Tem que se resgatar o poder de competição e tem que se repassar para outros segmentos, principalmente insumos, o problema da indústria. Por exemplo, a indústria na economia fechada, era protegida, a energia elétrica no Brasil custava três, quatro vezes o que custava nos países que concorrem conosco, daí não tem problema nenhum. O consumidor vai estar pagando esta diferença. Hoje não pode mais. Então não pode ter a estrutura tributária que nós temos em uma série de insumos da indústria.

DC – Quando se fala em desindustrialização, normalmente são apontados outros fatores além da carga tributária, como falta de infraestrutura, câmbio, invasão de importados. O que pesa mais neste processo de retrocesso da indústria?

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Mendonça de Barros – A coisa mais importante, que precisa ser entendida, é que a economia brasileira abriu. Não é mais uma economia fechada. E quando a economia se abre, a competitividade ganha outra dimensão. Qual é a principal delas? Os custos de produção no Brasil tem que estar em linha com os custos de produção dos nossos concorrentes, e não estão. O câmbio é um problema? Óbvio. Mas temos que entender que o câmbio hoje no Brasil é um câmbio que vai ser mais forte que no passado, porque as nossas exportações de commodities são muito fortes. Normalmente o brasileiro quer saber qual é a receita de bolo. Mas essa é uma receita muito complicada.

DC – E qual seria o primeiro ítem desta receita?

Mendonça de Barros – Eu diria que o primeiro passo é que a gente faça um diagnóstico correto do problema. Até agora eu não vejo esse diagnóstico correto. No começo a Fiesp centrou no câmbio. Não é verdade. O câmbio é parte do problema, mas não é o problema. E ao centrar no câmbio, fez com que o governo não fosse chamado à sua responsabilidade. O Banco Central está intervindo no câmbio. Mas não é essa a questão. O problema a que nós temos que chegar é que a estrutura tributária da indústria hoje, com a economia aberta, vai destruir a economia brasileira. Posso falar isso de peito aberto. Meu filho mais novo tinha uma indústria em São Paulo com 350 funcionários que está fechando esse mês porque não há condições de competir.

DC – Mexendo nos tributos reduziria o custo da energia, por exemplo.

Mendonça de Barros – A energia é tributária. Por que a energia brasileira é cara? O Brasil tem uma matriz barata de energia hidrelétrica. Agora, põe um monte de imposto, de confisco… isso quando a economia é fechada, não tem problema. Eu trabalhei com o ministro Dilson Funaro, que era um industrial, no governo Sarney, em 1985/6, quando a economia era fechada. Ele falava: ‘o preço da indústria é a seguinte, quanto custa pra produzir isso, quanto eu quero ganhar na venda, e esse é o preço final, porque o consumidor tem que pagar’. Hoje não é mais assim. O consumidor brasileiro tem outras alternativas.

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DC – Mas a reforma tributária se discute há muito tempo.

Mendonça de Barros – Mas a reforma tributária que se discutia era uma abstração. Hoje é sobrevivência. Sou velho demais, já vi as coisas no Brasil. Discutiu-se a inflação durante 25 anos. Quando é que se resolveu a inflação? Quando ela chegou à hiperinflação e era um problema de sobrevivência. Aí a sociedade resolveu se mexer. Eu diria que agora para a indústria é uma questão de sobrevivência. Aí os líderes da indústria que se mexam.

DC – Disso depende uma decisão política.

Mendonça de Barros – Óbvio. Pra você ter redução de impostos, você precisa que o governo faça redução de despesas para poder continuar equilibrado com o orçamento.

DC – Uma mudança prevista para a próxima semana, que afeta os impostos, está relacionada com a cobrança do ICMS de importados. Como o senhor vê esta medida? A importação vai continuar apesar disto?

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Mendonça de Barros – Vai. Você veja. Um caminhão no Brasil hoje custa 2,8 vezes um caminhão na Coréia, em qualquer outro país da Ásia. Porque quando você põe o imposto de importação, o IPI ou outro imposto, você encarece o produto aqui dentro. Tudo bem, equilibra, porque o sujeito vende um caminhão produzido aqui. Mas vende a que preço? E caminhão não é automóvel. Caminhão é um negócio que depois volta contra a indústria. Porque todo o transporte… quanto custa o transporte feito num caminhão que custa três vezes o que custa os outros? Essa é a questão. Ou então fecha a economia como era no passado e aí quem vai pagar isso é o consumidor. Tudo aqui vai custar três, quatro, cinco vezes o preço. Disseram que vão aumentar o IPI do vinho. O vinho é uma coisa que se faz contrabando. Você vai informalizar a economia. Esse não é o caminho.

DC – As últimas medidas adotadas pelo governo são protecionistas?

Mendonça de Barros – Lógico. Eu não sou contra protecionismo, desde que junto venha um conjunto de soluções para que este protecionismo diminua cinco anos pra frente. Eu como consumidor, se chegarem pra mim e falarem assim: ‘olha, você vai comprar o teu carro mais caro durante cinco anos para que daqui cinco anos a indústria brasileira possa produzir a um preço decente’, tudo bem. Outra coisa é o seguinte, eu faço isso e não faço nada mais… depois tem uma coisa que é terrível. Você faz o protecionismo hoje, equilibra de novo o preço interno com o preço externo, esse protecionismo leva ao aumento da inflação, daqui três ou quatro anos, o IPI de 30% não é mais suficiente, você vai ter que ter um IPI de 60%.

DC – Quem vai ganhar com uma medida como esta que vai padronizar o ICMS de importados?

Mendonça de Barros – Aí já é uma distribuição de ganhos e perdas neutra em relação a este problema. Essa mudança não vai no âmago do problema. Essa medida foi tomada porque existe uma lei no Brasil, princípio constitucional que tudo que é relacionado ao ICMS tem que ser acordado. Eu sou contra essa lei. Unanimidade quer dizer o seguinte… nunca tem unanimidade. Se fosse dois terços dos estados, eu acho que é correto. Agora fazer isso meio à galega eu acho que não é legal, porque não se deve fazer mecanismos sofisticados pra passar adiante de um problema que tem que ser enfrentado.

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DC – Antes o senhor comentou que é um processo natural o aumento dos serviços em economias maduras. Mas com a crise na Europa e nos Estados Unidos, há quem diga que talvez esse modelo teria que ser revisto.

Mendonça de Barros – Mas e a democracia? Como eu vou entrar no indivíduo, se ele vai gastar mais em restaurante ou menos.

DC – E os custos trabalhistas devem ser reduzidos mais?

Mendonça de Barros – Mais. Os benefícios, direitos dos trabalhadores é uma coisa. O problema é como eu financio isso. Não pode ser em cima da indústria como é hoje. O governo tem outras fontes de arrecadação para fazer isso daí.

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