Um novo hospital para Joinville. Esta é a principal proposta da atual diretoria da Sociedade Joinvilense de Medicina (SJM) para aliviar o quadro da saúde na cidade. A ideia é que a unidade seja pública, mas com gestão privada, e receba todos os chamados procedimentos eletivos realizados no Hospital Municipal São José.
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A entidade defende que o São José seja voltado apenas aos atendimentos de emergência. Na avaliação do presidente da SJM, o médico Antônio César Franco Garcia, a atual gestão da Secretaria da Saúde está “engessada” por compromissos judiciais e limitações financeiras, em parte devido às despesas com o São José.
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Detalhes da proposta do novo hospital foram repassados pelo presidente na terça-feira à CPI da Saúde da Câmara de Vereadores, onde foi ouvido. Ainda não há uma estimativa de quanto custaria o projeto. Verbas poderiam ser captadas com empresas, por meio de renúncia fiscal, parceria público-privada e financiamentos.
Em entrevista a AN, Antônio Garcia fez críticas à “judicialização” da saúde em Joinville, lamentou a falta de diálogo e defendeu uma triagem mais qualificada dos pacientes incluídos nas filas de espera. O entendimento do médico é de que parte dos casos poderia ser resolvida sem a necessidade da intervenção de especialistas.
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A Notícia – Qual a avaliação da SJM em relação ao quadro da saúde em Joinville? Há caos?
Antônio Garcia – Alguns setores estão bem, outros mais ou menos e outros ruins. Você pode classificar algumas questões como caóticas e outras como adequadas à nossa estrutura socioeconômica. O sistema público em Joinville tem problemas gerais de toda a rede pública no Brasil, alguns globais, e problemas locais bem significativos.
AN – Quais trazem maior preocupação?
Antônio – A maioria das pessoas vê só questões pontuais, como a superlotação do Hospital São José ou as filas. Isto é resultado de problemas estruturais. O sistema de saúde se divide em primário, secundário e terciário. Primário é o sistema de entrada, o programa de saúde da família, postos comunitários, que deve resolver de 70 a 80% dos problemas da população. Secundário é mais especializado, ambulatorial. E terciário é o atendimento hospitalar.
O primário em Joinville cobre cerca de 45% da população, quando deveria resolver de 70 a 80% dos problemas. Isso sobrecarrega os demais setores. O paciente não consegue atendimento e vai para o pronto-socorro, para uma fila.
AN – Isto se resolve com mais médicos, ampliação da rede?
Antônio – Não, este é outro pensamento linear. O problema que temos hoje em Joinville é resultado de décadas. De subfinanciamento, falta de planejamento. Não adianta judicializar a saúde. Se você judicializa em demasia, ocorre o efeito contrário, atrapalha o processo. Porque uma questão judicializada tem de ser cumprida de qualquer maneira, sem ver o lado técnico. E aí, alocando recursos para uma coisa, inevitavelmente pode tirar de outra, mais prioritária.
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AN – Há rigor excessivo do Ministério Público nas cobranças?
Antônio – Não diria que é excessivo. Se o usuário leva uma demanda até o Judiciário, é preciso que haja uma resposta. Ocorre falta diálogo. Temos um tripé na saúde: o prestador de serviço, o usuário e o gestor. Podemos incluir o Judiciário, que seria um intermediador para quando não há a uma solução. Como não há diálogo em nenhuma das três frentes, o Judiciário tem que entrar e, aparentemente, de forma rigorosa. Hoje o gestor da saúde, em que pese algumas críticas, está engessado.
Em Florianópolis, o município não banca nenhum hospital, só se preocupa com o setor primário. Joinville deveria focar no atendimento primário, em postos de saúde e programa de saúde da família. Precisa ser mais abrangente e qualificado. O restante, secundário e terciário, é extremamente caro. Precisa contratar mais médicos? Não. Se o neurologista começar a atender dor de cabeça, não haverá médicos suficientes. Tem que chegar ao especialista quem foi triado de maneira qualificada e realmente precisa do atendimento especializado.
AN – Sua crítica é voltada ao sistema?
Antônio – Ao sistema. Claro que parte disso ocorreu por características da cidade. A Prefeitura está engessada porque gasta com saúde entre 35 a 37% do orçamento. Muito devido ao São José. A SJM tem uma proposta: a construção de um hospital público, com gestão privada (filantrópico), que tiraria da Prefeitura esse ônus financeiro do São José, que seria transformado em um pronto-socorro.
O novo hospital seria eletivo, com foco em oncologia. Tiraríamos toda a parte eletiva do São José, que ficaria só com emergência. A ideia do novo hospital tem dois enfoques. Retirar o peso da Prefeitura e do Hospital São José. E, pelo envelhecimento e crescimento da população, precisaremos de mais leitos.
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AN – O MP, na figura da promotora Simone Schultz, fala em falta de gestão. O senhor concorda?
Antônio – Parcialmente. O principal fator é orçamento. Ele leva a uma gestão deficiente. É uma dupla via. É muito difícil gerenciar qualquer coisa sem dinheiro. E isto vem de muito tempo. Há uma tendência de agravar porque a demanda aumenta. Se chegou a um ponto em que, sozinho, o gestor público não vai resolver. Claro que há problemas. Acho que a atual gestão tem se esforçado, mas há um engessamento jurídico e econômico.
AN – Que medidas mais imediatas poderiam minimizar os problemas?
Antônio – Temos que otimizar o atendimento à demanda. Fizemos um programa de matriciamento. Começamos indo nos postos de saúde, dando orientação aos colegas de como deveriam atender os pacientes da cirurgia vascular, da angiologia, critérios de encaminhamento para o especialista. Deu uma melhora significativa. A fila parou de crescer. No caso das cirurgias, criamos critérios de prioridade. Esses critérios removeram alguns pacientes que não precisavam, a rigor, de procedimento cirúrgico. Isto na área vascular, mas pretendemos fazer em outras especialidades.
AN – Convênios com clínicas particulares. O senhor é favorável?
Antônio – Isto foi contratado por imposição das liminares. Aí entra o aspecto ruim da judicialização. Não é uma coisa planejada, mensurada. Vimos, pelos números, que a fila da ortopedia não cai. Porque não adianta aumentar a estrutura sem dar um jeito na demanda.
AN – O senhor é otimista quanto ao trabalho da CPI da Saúde na Câmara?
Antônio – Discussão em relação a esse assunto sempre é boa. Agora, o quanto será bom, não sei dizer. Depende de como os vereadores vão dar sequência a isto, um Norte para a discussão gerada. CPI significa tirar um diagnóstico de uma situação, mas sabemos que muitas CPIs não dão um direcionamento às questões levantadas.
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