Em entrevista exclusiva ao jornal A Notícia, o prefeito de Joinville, Udo Döhler, analisou a situação econômica da prefeitura para sobreviver à crise causada pela pandemia do novo coronavírus, comentou as relações com o Governo do Estado e os possíveis caminhos para a retomada. "O Governo não escuta ninguém", reclamou, reforçando um desconforto sobre as relações com o governador Carlos Moisés e sua gestão que já havia mencionado nas últimas semanas.
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Entre a principal reclamação, está a falta de diálogo para possibilitar a retomada do transporte coletivo em cidades que ofereçam estrutura e possibilidade de fiscalização para garantir as medidas de prevenção contra o contágio por coronavírus entre os usuários. Segundo o prefeito, as indústrias estão atuando com menos funcionários do que o quadro permitido, de até 50%, e mesmo assim as equipes estão sendo deslocadas em veículos que não permitem o distanciamento nem a verificação efetiva de que os cuidados necessários estão sendo tomados.
Entre outras medidas, informou da possibilidade de reduzir ou até cortar a cobrança de ISS das concessionárias do transporte coletivo por um período, a ajuda com recursos às creches comunitárias e a proposta da Prefeitura de Joinville de aumentar a alíquota do servidor público em 3%, que já está em discussão desde o início do ano, a ser votada pela Câmara de Vereadores.
A entrevista com o prefeito Udo Döhler também passou por questões de saúde e da preparação da cidade para um possível pico de contágio pelo Covid-19. Leia a primeira parte da entrevista nesta matéria.
"Vamos recorrer para flexibilizar o transporte coletivo"
Como está o orçamento da prefeitura?
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Joinville precisa de mais recursos e o Estado não dispõem destes recursos para passar para Joinville. Com a crise, a nossa receita diminui e o Estado não repassa os recursos necessários para a cidade. Mas não podemos reduzir nossa estrutura. Bom seria se pudéssemos diminuir o número de servidores pela metade, mas não podemos. Porque, dos nossos quase 13 mil servidores, 10 mil atuam na saúde e na educação. Nossa receita está em cima dos tributos, a mais importante é a do ICMS, que caiu 50%. "Ah, mas o governo do Estado está com dificuldades". Bom, a prefeitura de Joinville também está. Falta este diálogo maior do governador com os municípios.
O senhor já reclamou sobre a situação da relação dos prefeitos com o Governo do Estado. Como ela está neste momento?
O Estado não ouve ninguém. Acontece que as pessoas não moram só na capital do estado, elas moram nas cidades. A infraestrutura de Joinville hoje seguramente é melhor que a de Florianópolis. Por exemplo, o transporte coletivo: as pessoas se empilham dentro das vans ou alugam um carro por aplicativo. Qual foi nossa sugestão: flexibilizar o transporte coletivo, porque ao invés de prevenir a propagação do vírus, nós a estimulamos. Nós estamos permitindo às pessoas se amontoarem dentro de vans. Mas eles se recusam a sair da capital do Estado, eles não vêm a Joinville. Nós estamos muito mais bem preparados do que os outros, então por que não considerar [a flexibilização do transporte coletivo]? Estes são os equívocos.
Essa é a principal demanda da prefeitura não atendida pelo Governo do Estado?
Em Porto Alegre, em Curitiba, no Rio de Janeiro, em todos esses lugares os ônibus funcionam. Os metrôs funcionam. Aqui, ao invés do Governo do Estado ajudar, ele nos atrapalha. Agora, as empresas estão atuando somente com 30% de sua capacidade, mas na medida que 50% da indústria funcionar, daqui a pouco este número cresce, e teremos mais pessoas circulando. Com a reabertura das lojas, o funcionamento dos supermercados, a cidade começa a criar vida, as pessoas estão se movimentando. Então, qual é nosso cuidado: fazer com que essas pessoas possam estar bem distribuídas, equipadas com máscaras e possam transitar com toda a segurança. São coisas simples. Temos hoje uma frota de ônibus, quase 400 ônibus, que estão parados, disponíveis, e insistimos em amontoar as pessoas dentro de vans e automóveis.
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O transporte público coletivo é de responsabilidade da administração municipal. O senhor já considerou a possibilidade de entrar com ação para retomar o transporte coletivo?
Vamos fazê-lo. O STF já se pronunciou a este respeito. Hoje, temos uma ação judicial em curso aberta pelas empresas concessionárias e veio uma liminar em primeira instância, que foi derrubada pelo Tribunal de Justiça e agora está no Supremo [Tribunal Federal]. Nós não podemos agora entrar com decreto porque existe uma ação judicial, e esta ação precisa ser cumprida. Só que ainda não fomos notificados, assim que formos notificados, vamos recorrer desta decisão para flexibilizar o transporte coletivo.
Como o Estado poderia ajudar na redução dos impactos econômicos na cidade?
No que diz respeito ao socorro para a economia, a participação do Estado é menor, aí tem que vir do Governo Federal. A redução da jornada de trabalho, que tem a contrapartida do Governo Federal, esperamos que este recurso venha. Então, qual vai ser a busca: manter o maior número de empregos. Ao invés de suspender a jornada de trabalho, é manter a jornada com redução, porque a contrapartida vem do Governo Federal. Se, por exemplo, uma empresa optar pela redução da jornada de trabalho por 90 dias, ela se obriga a estender a estabilidade por um período igual. Ou seja, seriam 180 dias. 180 dias é a metade do ano. Ela está dando segurança de emprego por seis meses.
O que Joinville espera do Governo Estadual?
Hoje em Joinville, tanto quanto com o coronavírus, estamos preocupados com a dengue. Temos 600 pessoas contaminadas. Vão morrer mais pessoas pela dengue do que pelo coronavírus em Joinville. Sabemos que tem pessoas morrendo em casa, que não estão saindo para buscar ajuda porque acha que pode ser contaminada. De AVC, por exemplo. Não é só a dengue. Se nós não tivermos o cuidado, vamos perder um pedaço da rede privada de saúde. Os hospitais vão quebrar. Hoje, os hospitais estão operando com 50% da sua capacidade e com o quadro funcional integral, porque o decreto do estado não permite que se realizem as cirurgias eletivas. Só que o quadro está lá porque os leitos estão sendo disponibilizados para o coronavírus. Se este quadro encolher no futuro, será um caos. Ninguém fala nisso agora. Nosso negócio é só resolver o coronavírus. Hoje, ninguém quer falar de dengue na cidade. E a dengue nos preocupa tanto quando o coronavírus.
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E do Governo Federal?
A nível de país, estamos vivendo um relacionamento surdo entre poder executivo, legislativo e judiciário. Eles não se entendem. Baixa uma medida provisória hoje, o Supremo cassa no dia seguinte, o presidente veta… Infelizmente, com o coronavírus, o clientelismo político está sendo mortal porque é um ano de eleições. Talvez elas nem aconteçam em outubro. Temos que cuidar das pessoas, mas não é no sentido da pessoa pensar apenas em si.
Com este isolamento, como estamos tendo menos contato, teríamos até mais tempo disponível para conversar sobre estas questões, mas ninguém quer conversar sobre isso. Seria bom se nós estivéssemos também aproveitando o nosso tempo para olhar o que irá acontecer depois do coronavírus.
O senhor acha que as eleições devem ser mantidas em outubro?
Sou favorável a uma eleição só. Se fosse para ter uma prorrogação, que fosse para 2022, para eleger todos. Hoje, temos eleições a cada dois anos, o que já é mortal, é vitamina pura para o clientelismo político. Mesmo correndo risco, se essa doença puder ser vencida até o final do ano, que aconteçam as eleições este ano. Se não for possível, que prorrogue até 2022. Não vamos fazer eleição no meio do ano para depois fazer de novo um ano depois. Mas isso não acontece porque não interessa ao Estado uniformizar as eleições.
O que pode ser feito em Joinville para evitar a crise financeira dentro da prefeitura?
Não tem como fazer. Se nós não conseguirmos uma transferência de recurso, teremos dificuldades. Temos hoje a [proposta da] mudança da alíquota do servidor de 11 para 14%. É claro que nenhum servidor quer perder 3% de seu salário. Mas isso já está na reforma da previdência. O servidor perde 3% de seu salário, mas e se a Prefeitura tiver que reduzir em 50%? Estes 3% significam, no mês ou no ano, uma economia pequena, mas se colocar isso na linha do tempo, significa um número gigantesco. Isso alavanca a economia do município. O ônus do município para com o Ipreville cai sensivelmente. Isso permitiria que nós pudéssemos construir uma equação sem comprometer o salário do servidor quase até o final do ano. Ela é dura, mas é a única forma. Se eu reduzir o salário eu estou reduzindo a disposição, a capacidade, o empenho, e se perdermos isso nas áreas da saúde e da educação, como é que fica?
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O esforço é continuar atendendo de forma adequada a população. Então, medidas duras estão sendo tomadas. É claro que se a Prefeitura pudesse abrir mão dos impostos do ISS e do ITBI, estaria ajudando a atividade econômica, mas teria que reduzir o salário do servidor para a terça parte.
Quais medidas estão sendo tomadas para ajudar os empreendedores de Joinville?
Já prorrogamos o pagamento do ISS de algumas atividades para 90 dias. Podemos esticar isso um pouco mais, especialmente para as empresas de transporte coletivo. No caso delas, se não for suprida, elas quebram. Acabou o coronavírus, vamos ficar sem ônibus. É algo que nos preocupa muito. Vamos estudar uma proposta que não é para resolver o problema das empresas de Joinville, mas do país. Não é aceitável uma tributação elevada sobre o óleo diesel. Sem a tributação em nível nacional, sem o ICMS, se reduzir ou até eliminar o ISS, estaríamos dando uma contribuição importante para estimular a economia e salvar o transporte coletivo. Estamos pensando em isentar o transporte coletivo do ISS. Não concluímos ainda, estamos analisando esta medida.
Há outras ações?
Além disso, temos nossas creches conveniadas. São 2.100 crianças atendidas, 1.900 na faixa de zero a três anos. Se estas creches não forem atendidas agora, elas simplesmente fecham. E aonde vamos colocar essas crianças depois do coronavírus? Estamos estudando uma fórmula para fazer com que a gente consiga passar recursos tirando para que se mantenham até que voltem a atender as nossas crianças. As pessoas podem perguntar: se o município está com seu orçamento apertado, por que vai socorrer uma creche particular? Porque ela atende crianças mantidas pelo poder público.
Então isenção ou suspensão de impostos municipais está fora de cogitação?
Já concluímos que não é dos impostos municipais que nós vamos resolver o problema da pequena e da média empresa. É preciso começar pelos informais, pelos autônomos, e estes recursos têm que vir do governo federal. Já existe aquele auxílio de R$ 600, e linhas de financiamento tem que ser consideradas, para que as pessoas possam sobreviver. O autônomo, via de regra, não construiu uma poupança. Quem está na informalidade, então, nem falar. Deste último, a discussão não é nem a progressão econômica, é outra coisa que preocupa, é a fome.
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Em um cenário pós pandemia, como a Prefeitura de Joinville planeja ajudar no reforço à economia local?
Na hora em que isso acontecer, vamos dar estímulos para que novos investimentos sejam feitos na cidade. Antes da pandemia, o interesse de investidores era maior do que foi no início do nosso mandato, em 2013/ 2014. A cidade não oferecia essa infraestrutura toda. Se olharmos para o Perini, que está aí há menos de duas décadas e abriga 20% do PIB da cidade, lá está a atividade 4.0. Este investidor vem para cá porque temos infraestrutura. E estamos investindo fortemente em inovação. Estamos desenvolvendo um programa para que, lá adiante, a gente consiga trazer estes investidores em atividades de valor agregado maior. Se olharmos, por exemplo, na área de TI, temos dois edifícios em Joinville e estes dois edifícios abrigam 2 mil especialistas em tecnologia da informação. Hoje temos disponíveis, 2 mil vagas para especialistas em TI. Estamos em situação relativamente boa para, quando este pandemia acabar, atrairmos investidores para a cidade. Com recursos próprios não temos como avançar.
Já foi possível estimar a perda do PIB de Joinville?
Projeção de perda não temos, mas sabemos que nosso crescimento será negativo. Não deu para dimensionar isso ainda. Estamos com uma dificuldade porque não sabemos quando será a flexibilização. E a indústria tem um papel importante aqui. Hoje podia estar operando com 100% e só pode operar com 50%. Vamos perder postos de trabalho. Se eu fosse feiticeiro, diria: não será menos que 25 mil, ou seja, o dobro da última crise. É claro que a suspensão de jornada deve ser estimulada ao máximo, para manter os postos de trabalho. Hoje, o número de desempregados no Brasil dobrou, e não tem como pagar salário-desemprego para essa gente toda. O fôlego do país é muito reduzido, as nossas reservas hoje são de 380 bilhões de dólares. O governo não pode mexer nessas reservas porque, se mexer, ninguém mais vai investir no Brasil, o país quebra.