“Em 1967, meu pai embarcou de Mafra para Curitiba com destino aos porões da ditadura militar e nunca mais voltou. Com certeza, a exemplo de outros militantes, arrancaram sua arcada dentária e suas digitais (para evitar a identificação, ainda não se falava em teste de DNA) e o corpo sumiu. Para onde? Jogado na serra da Graciosa? No mar, numa vala comum a exemplo de Perus, em São Paulo, ou Araguaia, em Tocantins?
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Não sei. Eu tinha cinco anos quando me despedi de meu pai, às margens da BR-116. Por meses, ia todos os dias para a estrada na esperança de que ele retornasse. Minha irmã, com 12 anos, percorria necrotérios da região à procura de seu corpo. Minha mãe tinha apenas 34 anos e seis filhos para sustentar. Teve depressão e, muitas vezes, nossos vizinhos acabavam ajudando a cuidar da gente. Anos mais tarde, na escola, eu era chamado de “o filho do comunista”.
Meu pai fazia parte de um grupo de militância armada de Curitiba. Era funcionário público e morávamos todos em Mafra. Um dia, ele nos disse que precisava ir a Curitiba a trabalho. E nunca mais voltou. Minha família já temia que ele acabasse sofrendo algum tipo de repressão. Um amigo seu já tinha fugido e, antes disso, avisou que ele seria o próximo. Meu pai estava preparando a fuga da nossa família quando o levaram embora.
O Brasil de hoje mudou. Ao olhar para o meu neto, de dois anos, e suas perspectivas de futuro, penso como sou grato ao meu pai por ter lutado por um País melhor. Porém, fica a mágoa de não ter um túmulo onde eu possa depositar uma flor. O Estado confiscou o direito de enterrar meu pai.”
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*O professor de biologia Arlindo Costa é filho do funcionário público Lucindo Costa. Segundo relatório da Secretaria de Direitos Humanos, Lucindo morreu em 26 de julho de 1967, atropelado, em Curitiba. Foi enterrado como indigente. Uma certidão de óbito chegou a ser entregue à família, que não teve direito ao reconhecimento do corpo e nem a um enterro.