Em um abafado domingo em Niterói, então capital do Rio de Janeiro, há exatos 50 anos, um garoto de nove anos conseguiu furar a enorme fila que se formava do lado de fora da lona e garantiu um lugar na plateia. Em 17 de dezembro de 1961, nada poderia magnetizar mais a atenção de uma criança do que o maravilhoso mundo do circo.
Continua depois da publicidade
Com o primo de 12 anos, parceiro na aventura, o garoto assistiria ao final do número de trapezistas para pegar a sessão seguinte desde o início. Não deu tempo.
Logo alguém gritou: “Fogo!”. Depois de não mais do que 10 minutos de horror, a lona estava abaixo. Consumidas pelas labaredas, as cores do circo deram lugar a um cenário de terra devastada. O garoto escapou, mas decidiu voltar para buscar o primo. Ficou preso e teve de ser resgatado pelos bombeiros. Durante os oito meses em que ficou no hospital, teve a perna esquerda amputada e se tornou a primeira pessoa no Brasil a receber pele liofilizada (que retém os líquidos que seriam perdidos quando um paciente se queima). Foi atendido por um cirurgião plástico em ascensão chamado Ivo Pitanguy e recebeu a visita de João Goulart. O então presidente da República o consolou mostrando o problema em seu próprio joelho esquerdo, que o impedia de dobrar a perna. Dois anos depois, Teixeirinha lançou Tragédia no Circo, música que lembrava do incêndio.
Dos mais de 3 mil espectadores, 503 morreram, segundo a prefeitura (o número ainda hoje é motivo de divergência). Os médicos estimaram que 70% eram crianças. Na ocasião, o episódio foi definido como “a maior tragédia circense da história” pela agência internacional de notícias Associated Press. Ainda hoje é considerado o maior incêndio com vítimas do Brasil.
Continua depois da publicidade
Depois da comoção, veio o luto. Nas décadas seguintes, muitos dos sobreviventes silenciaram sobre o ocorrido. Até que os fatos foram resgatados em uma pesquisa do jornalista Mauro Ventura, que durou dois anos e meio e está registrada no livro-reportagem O Espetáculo Mais Triste da Terra (Companhia das Letras, 352 páginas, R$ 46), lançado no final de novembro.
A verdadeira causa do incêndio jamais foi descoberta. Um sujeito chamado Adilson Marcelino Alves, o Dequinha, foi condenado com outras duas pessoas. A opinião pública se dividiu entre os que acreditavam que o incêndio foi intencional e os que consideravam Dequinha um desajustado inconsequente. Ainda hoje se aventa a possibilidade de um curto-circuito acidental. As condições de segurança do circo eram precárias: havia apenas uma saída para o público.
Apesar do nome, o Gran Circo Norte-Americano jamais esteve nos Estados Unidos. Seu dono era o gaúcho Danilo Stevanovich, nascido em Cacequi em uma família de origem iugoslava. A tradição circense, segundo consta, estava em seus antepassados havia mais de um século. Danilo era um dos 10 filhos de Dimitri e Maria, que se conheceram na França. Quando chegaram à América do Sul, foram equivocadamente saudados como norte-americanos – daí o nome do circo, que em 2000 passou a se chamar Le Cirque e funciona até hoje, comandado pelos sobrinhos do dono e seus netos. Danilo morreu em 2001.
Continua depois da publicidade