Em tempos de Pokémon Go, tecnologias como a realidade aumentada ganham holofotes e também geram questionamentos. Afinal, para que mais serve esse tipo de novidade? Isso veio para ficar? Quando vamos vê-la aplicada no nosso dia a dia em outros aspectos?

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Para esclarecer dúvidas sobre o assunto, o professor do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) Marcelo Zuffo concedeu entrevista ao DC. Na próxima segunda-feira, ele virá a Florianópolis para uma palestra no terceiro e último workshop Gestão de Valor, no qual vai falar sobre os desafios da engenharia brasileira na sociedade do conhecimento.

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Qual a diferença entre realidade virtual e aumentada?

Existe na nossa literatura o que chamamos de contínuo virtual. Virtual está relacionado a virtuoso, é um radical de origem latina. Então, virtual, virtuoso vêm de alguns séculos, faz referência a algo melhor do que a realidade. Na década de 1980, surgiu a expressão realidade virtual, que é um termo legal, porque faz um contraponto entre o real e o virtual. Hoje, acredita-se que é um contínuo, porque o virtual nada mais é do que o real na tela do computador. Tanto realidade virtual quanto realidade aumentada estão relacionados com o conceito de imersão, que pode ser parcial – o que ocorre na realidade aumentada – ou total – como na realidade virtual. Se a gente escrevesse realidade de um lado de uma página e virtual do outro, no meio estaria a realidade aumentada. A ideia é que com a realidade aumentada você amplie a realidade normal. Por isso, no Pokémon GO você usa a geolocalização e a composição de vídeo. Na realidade, virtual é quando você tira o usuário do mundo real e o coloca totalmente no mundo virtual. Hoje temos o Pokémon GO, que é a primeira vez em que a realidade aumentada é consumida massivamente.

Que outras formas de aplicação devemos ver nos próximos anos na mesma escala?

Tanto a realidade virtual quanto a aumentada dependem da disponibilidade computacional. Os atuais smartphones chegaram a um padrão computacional em que podemos usar essas aplicações. O smartphone é hoje o verdadeiro supercomputador na sua mão. Mas isso é a ponta do iceberg. Muito disso é puxado pela indústria do entretenimento. Como no filme Avatar, que levou o 3D aos cinemas, o Pokémon GO está fazendo a realidade aumentada ser consumida em massa. O setor de entretenimento puxa muito a tecnologia de consumo. Antes, era a área militar que puxava isso, com a Guerra Fria.

Hoje, com os dispositivos consumíveis, ela está atingindo todas as dimensões da vida humana. E o Pokémon GO é isso. Um dos professores que inventaram essa tecnologia na década de 1980 – que na literatura chamamos de telepresença –, aplicou o recurso pela primeira vez na obstetrícia: você usa um óculos para ver através do corpo da mulher o posicionamento do corpo do bebê. Temos hoje múltiplas aplicações na engenharia, medicina, arqueologia, manutenção de rede elétrica, tradução, indústria automotiva. Está crescendo muito.

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Um dos seus projetos foi a Caverna Digital. Poderia explicar resumidamente o que é?

Começamos a Caverna Digital há 15 anos, quando era inimaginável fazer realidade aumentada ou virtual no celular. Nessa época, na USP, a gente já tinha essa visão de investigar o máximo possível a realidade virtual como uma coisa promissora. Tivemos muito sucesso e somos muito reconhecidos hoje. Basicamente é um cubo no qual você experimenta a realidade virtual por meio de projeções, mas de forma coletiva, não individual.

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O senhor trabalha há anos com realidade virtual. Quais os desafios de pesquisar nessa área no Brasil?

O Brasil é um dos maiores consumidores de tecnologia do mundo. O país que compete com a gente em consumo de tecnologia é a Alemanha. Ao mesmo tempo, não produzimos nada. Para se ter uma noção, estamos entre os 50 países que mais usam videogame e não temos uma só fábrica de videogame. Isso mostra que existe um potencial reprimido entre o que se consome e o que se produz. O brasileiro paga mais caro, por conta da alta tributação. O brasileiro acaba usando mais tecnologia com menos recurso. No Brasil, temos ainda uma estrutura agrária, não conseguimos superar, não conseguimos ter uma transição. Nossas corporações não pensam em tecnologia, têm medo da inovação. Há uma falta de visão de investimento em pesquisa. O governo Dilma já investia pouco. O interino jogou uma pá de cal no Ministério da Ciência e Tecnologia. Ainda assim, temos pesquisadores que se sobressaem no cenário internacional, como é o caso do nosso laboratório. Em um congresso nos Estados Unidos para o qual foram submetidos 450 trabalhos e selecionados 15, tivemos dois representantes entre os escolhidos.