O discurso no futebol, e por conseguinte nas Copas, obedece a uma linguagem específica e diferenciada. Não é como em outras atividades, em que pode ser mediado por considerações, por reconsiderações. O discurso do futebol é muito ele mesmo, determinado pelo momento, e necessariamente deve se constituir em uma afirmação que faça sentido para seu público. Não pode ser, por exemplo, como o discurso de um político, em que as pessoas em torno reconhecem como um discurso articulado, mas não sabem o que ele diz. Não. No futebol, se o ouvinte não entende o discurso, este perde o sentido.

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Durante as Copas, ouvem-se discursos de vários tipos e talentos. Alf Ramsey, treinador da Inglaterra nas Copas de 1966 e 1970, era um homem comedido, mas duro, enérgico, pontual. Seus jogadores entendiam isso e, no campo, eram duros, enérgicos e pontuais. Luiz Felipe Scolari, campeão em 2002, é franco, durão, simplório às vezes em suas avaliações, mas muito honesto. Se você se aproxima dele levando em conta esses fatos, existirá uma relação boa, de qualidade, às vezes surpreendente. Já Carlos Alberto Parreira, atualmente na condição de coordenador técnico da seleção, é um intelectual, mas garante a Felipão um suporte estratégico e político muito importante, arredondando situações e poupando Luiz Felipe de um confronto quase diário com a imprensa.

A seleção de 1970 teve dois estilos de discurso completamente diferentes. João Saldanha, durante as eliminatórias, foi convocado pela CBD justamente por ter a mobilização: criou a imagem das “Feras do Saldanha”, determinou que os jogadores brasileiros eram os primeiros do mundo. Zagallo, que assumiu na fase final para a Copa de 70, tinha estilo oposto: fala de superstições, é mais leve, libera um folclore que o torna popular, mas trabalha direito.

Há exemplos em que o discurso fracassa. Telê Santana, que treinou a seleção em 1982 e 1986, era um casmurro, um fechado, de poucas palavras e de convicções muito firmes. E não gostava de ficar discutindo matérias de convicção. Telê entendia muito de futebol, mas a relação dele com a mídia era desastrosa. Faltava-lhe um bom assessor de imprensa. Cláudio Coutinho, que orientou a seleção na Copa de 1978, teorizava sem embaraço ao lançar expressões como “overlapping” e ponto futuro. Quando o Brasil saiu da Copa da Argentina invicto e apenas com o 3º lugar, Coutinho declarou que o Brasil era o “campeão moral” do torneio. Visivelmente uma frase de efeito, um discurso vazio.

Os melhores técnicos lidam com duas realidades. A do vestiário, em que a fala pode e deve ser bem coloquial, pode ser simples, até com algum palavrão amável. Porque existem palavrões amáveis. A outra, a externa, que deve reafirmar que as coisas estão correndo muito bem. Todos, comissão técnica e jogadores, podem estar loucos para brigar entre si, mas o discurso externo deve ser homogêneo, simples e de mobilização.

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O discurso dos jogadores, por sua vez, mudou perceptivelmente com a chegada dos empresários e assessores de imprensa em seu meio. Isso preservou os jogadores em questões como tratativas de contrato e relações de trabalho, mas a espontaneidade nas declarações públicas foi praticamente banida. A franqueza, hoje, só escapa numa queixa, numa reclamação dentro da situação de jogo, muito raramente nas questões de ordem profissional e empresarial, que essas agora estão sendo tratadas por especialistas e o jogador não tem nada a declarar nesse campo.