Vinte e seis milhões de reais. Parece um número bem alto, não é mesmo? Este é o valor que poderia ter sido investido na cultura em Blumenau nos últimos cinco anos por empresas interessadas nos incentivos fiscais oferecidos pelo governo federal através da Lei Rouanet. Poderia, mas não foi. Isso porque nem metade desse dinheiro chegou aos bolsos de produtores culturais da cidade. É o tortuoso caminho de quem busca apoio financeiro para ações artísticas na principal e mais volumosa fonte de recursos para este tipo de atividade no país.
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Segundo dados levantados pela reportagem do Santa através do sistema do Ministério da Cultura (MinC), Blumenau teve 56 projetos aprovados para a Lei Rouanet entre 2012 e 2016. O valor total liberado para captação foi de R$ 26,1 milhões, mas somente R$ 8,4 milhões (cerca de 32%) foram efetivamente doados por empresas do país. Na média dos cinco anos, é menos de um terço do valor possível que vira realidade e ajuda a aumentar a produção artística em Blumenau.
Combinação de fatores
Quem vive no dia a dia a luta por incentivo financeiro para a cultura diz que a explicação para essa conta não fechar está em uma soma de desconhecimento, sistema centralizado no eixo Rio-São Paulo e medo de tributações equivocadas. O resultado? Menos empresas destinando o valor do imposto para a arte.
– É uma dificuldade em nível nacional que está sendo bastante debatida esse ano. Os recursos estão centralizados no Sudeste e poucas empresas sabem como apoiar ou têm interesse. Há uma cobrança muito grande dos gestores públicos em cultura para que a Lei Rouanet seja descentralizada – explica o presidente da Fundação Cultural de Blumenau, Rodrigo Ramos.
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Em termos simples, o apoio por meio da Lei Rouanet existe quando empresas desejam transformar parte do imposto anual a ser direcionado ao governo federal em incentivo cultural. É um valor que será pago de qualquer jeito. O que a lei fornece é a escolha de, em vez de dar ao grande bolo, dividir uma fatia diretamente ao projeto cultural escolhido na lista dos aprovados pelo MinC.
Projetos ligados ao poder público têm mais doações
Por desconhecimento da lei ou até medo de fazer uma declaração errada e acabar caindo na malha fina, muitos projetos acabam aprovados pelo MinC, mas não conseguem captar doações suficientes das empresas.
– Construir um projeto até é tranquilo, mas a parte de captar com as empresas é muito difícil. Com a maioria eu não consigo nem marcar reuniões. Acho que falta interesse, falta dar valor à cultura – desabafa o ator Rafael Koehler, integrante do Grupo K-Teatro, de Blumenau.
Um projeto do grupo aprovado ano passado já conseguiu arrecadar metade dos R$ 90 mil liberados. É uma conquista a ser comemorada pela trupe, pois os dados da Lei Rouanet em Blumenau deixam claro um segundo gargalo na distribuição do dinheiro.
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Dos 11 projetos aprovados pelo MinC na cidade em 2016, somente dois não são ligados ao poder público municipal e conseguiram captar doações – o outro é o plano de manutenção do Teatro Carlos Gomes.
De R$ 1,6 milhão arrecadado, R$ 1,5 milhão foi destinado a eventos como Magia de Natal, desfiles da Oktoberfest e Osterfest, todos relacionados à prefeitura. Para os produtores culturais, a explicação é simples: tais eventos têm mais visibilidade e, muitas vezes, apoio de entidades empresariais que facilitam a conversa para captação de verba.
Criação de cotas regionais poderia ajudar
O Festival Nacional de Teatro Infantil (Fenatib) é uma espécie de “case de sucesso” em relação à Lei Rouanet. Viabilizado 100% com recursos do programa ano passado, o Fenatib é um dos poucos que conseguem doações todos os anos. Pelo outro lado, o Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau (Fitub) até desistiu de tentar verba pela Rouanet após anos de trabalho em vão.
– A visibilidade do evento é o fator mais cruel na Rouanet. Primeiro que para fazer a doação a empresa precisa trabalhar na modalidade de lucro real, e não lucro presumido. E muitas usam o presumido para poder pagar menos impostos. Depois, as empresas que têm bastante recurso acabam investindo em algo que vai levar o nome delas para âmbito nacional ou até internacional. Por isso os grandes projetos no eixo Rio-São Paulo são sempre os que mais arrecadam verba, deixando pouco para ações regionais – avalia a chefe da divisão de cultura da Furb, Leide Regina de Liz.
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Para tentar descentralizar a Rouanet o governo federal até fez algumas mudanças na lei no começo do ano, estabelecendo alguns tetos e valores médios, mas ainda é pouco para garantir que o dinheiro não fique acumulado nos grandes centros. Na opinião de Leide, uma saída sugerida é a criação de cotas regionais e uma melhor política de distribuição do dinheiro pelo MinC, com menos liberdade de escolha de projetos pela empresa doadora, que tende a decidir pela temática que mais lhe agrada ou que irá dar mais visibilidade na mídia.
Profissionalização de produtores
Um lado positivo na trilha pedregosa da Rouanet é a profissionalização dos produtores culturais. Nos últimos cinco anos, 55 projetos foram aprovados para captação na lei em Blumenau, sendo que 34 conseguiram algum valor. Para o presidente da FCBlu, Rodrigo Ramos, fica a lição da qualidade dos projetos enviados e do surgimento de profissionais especializados em lidar com as burocracias de fundos, editais e leis de incentivo:
– A consistência dos projetos melhorou muito e consequentemente mais aprovações ocorrem a cada ano. O Conselho Municipal de Cultura também dá um apoio nesse sentido, não em montar o projeto, mas orientar.
Em tempos em que “todo mundo tem que ser empreendedor”, a máxima vale para os artistas que aprenderam a interpretar papeladas e construir projetos viáveis para patrocínio. Falta atrair o outro lado.
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