*Por Steven Erlanger

BRUXELAS – Com a paralisia global causada pelo coronavírus, os níveis de poluição e emissão de carbono estão caindo por toda parte – deixando céus mais azuis, tornando montanhas visíveis e fazendo vicejar esplêndidas flores silvestres. Até os canais de Veneza, famosos por sua cor turva, estão ficando claros.

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Após décadas de pouco progresso na questão climática por parte da indústria e do governo, para alguns isso prova que uma ação eficaz pode ser alcançada.

Mas o renascimento da natureza tem um custo enorme, uma vez que a economia europeia projeta um declínio de 7,4 por cento para esse ano. Assim, para muitos, como os que subitamente ficaram desempregados, as preocupações climáticas – que pareciam urgentes há alguns meses – podem parecer menos importantes agora.

Esses campos concorrentes estão travando debates sobre como e o que reconstruir – de um lado, há aqueles que querem retomar a economia a qualquer custo e, do outro, os que argumentam que a crise é uma chance de acelerar a transição para uma economia mais limpa.

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Jean Pisani-Ferry, economista e ex-assessor do presidente francês Emmanuel Macron, descreveu isso como a luta que "definirá o mundo pós-pandemia". Segundo ele, para os militantes do meio ambiente, o vírus "apenas fortalece a necessidade urgente de uma ação climática. Mas os intransigentes industriais estão igualmente convencidos: não deve haver maior prioridade do que a reparação da economia devastada, e regulamentos ambientais mais rígidos devem ser adiados, se necessário. A batalha começou".

Enquanto os governos europeus discutem amargamente sobre um fundo de recuperação do vírus e o orçamento para os próximos sete anos, a questão está na frente.

A União Europeia (UE) iniciou o ano promovendo um plano para uma rápida transformação da economia em direção a um futuro neutro em carbono – o Acordo Verde – como seu tema principal e motor de crescimento renovado.

Os líderes europeus insistem que, de alguma forma, ele continuará sendo fundamental, mas o novo coronavírus complicou as coisas.

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Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia – a importante burocracia da UE –, disse, no fim de abril, que as metas verdes do bloco deveriam ser "o motor da recuperação". Ela tem o apoio importante de Macron e da chanceler Angela Merkel, da Alemanha.

A questão é até que ponto alguém está disposto a ir agora, já que os líderes políticos de todo o continente estão sob pressão – dos cidadãos, em busca de alívio econômico, e das indústrias, desesperadas para que suas antigas fábricas voltem a funcionar.

O bloco está debatendo uma lei para impor a neutralidade do carbono até 2050, mas muitos querem endurecer as metas para 2030 – alterando a proposta de redução de 40 por cento dos níveis de 1990 na próxima década para até 55 por cento. Eles argumentaram que a pandemia é uma oportunidade de usar dinheiro novo para acelerar a transição do carbono.

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(Foto: Laetitia Vancon / The New York Times)

Ministros europeus do meio ambiente de 17 nações assinaram uma declaração para convencer os governos a "transformar a recuperação da UE em um Acordo Verde" e para "construir a ponte entre o combate à Covid-19, a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas".

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Mas mesmo o primeiro vice-presidente da comissão e responsável pelo Acordo Verde, Frans Timmermans, está preocupado. "A crise climática que nos afligia antes da crise do coronavírus ainda está aí e não perdeu sua urgência. Mas, no futuro próximo, ela não estará mais no topo da lista de prioridades das pessoas. Vai cair algumas posições", argumentou Timmermans. Para ele, a "grande questão", conforme comentou em uma entrevista, é: "Os políticos manterão o curso e ficarão de olho na crise de longo prazo ou nos interesses eleitorais de curto prazo?"

Segundo ele, se a recuperação for lenta, "as pessoas estarão nas ruas e os políticos começarão a injetar dinheiro nas empresas para mantê-las vivas, sejam elas solventes ou não, verdes ou não. Por conta disso, faço um apelo a um maior envolvimento social de jovens focados no futuro".

Mas, com as negociações climáticas globais, conhecidas como COP-26, já adiadas, há um ceticismo significativo.

"Suspeito que o próximo choque de valor na política será entre o ambientalismo e aqueles que priorizam o crescimento econômico, e temo que a economia sairá vencedora. Veremos uma dívida enorme, e tenho a sensação de que tudo será abafado pelo argumento econômico", analisou Anand Menon, professor de política europeia do King's College London.

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O argumento de Timmermans e de líderes nacionais como Merkel e Macron é bastante simples: usar o dinheiro novo não para restaurar o mundo antigo, mas para ajudar a criar o novo. "Certifiquem-se de que o investimento nos levará a uma nova economia", disse Timmermans ao Parlamento Europeu.

Para as autoridades europeias, algumas respostas são óbvias: ajudar a indústria automobilística a se recuperar, mas apoiando a produção de carros elétricos e de baterias melhores. Ajudar o setor de energia a avançar em direção a fontes renováveis e de hidrogênio. Encorajar a instalação de estações de carregamento elétrico, painéis solares no telhado, melhor isolamento térmico nas residências, medidores inteligentes e janelas e caldeiras mais eficientes. Regulamentar regras para garantir a eficiência energética de novos edifícios.

Algumas questões, no entanto, estão menos claras, como o futuro do transporte de massa e grandes complexos de apartamentos, especialmente nas grandes cidades – isso sem mencionar o futuro das companhias aéreas. Macron vinculou um novo financiamento para a Air France-KLM à redução da emissão de carbono.

Conforme destaca Stefan Lehne, um ex-funcionário do bloco: "Todos os dias chegam à Comissão cartas de poderosas organizações industriais, do cimento ao plástico e à indústria automobilística, dizendo que precisamos relaxar os padrões de emissão e as regulamentações. Há um enorme conflito entre salvar os empregos das empresas à beira da falência e investir em novos empregos, e haverá muita pressão para restabelecer a situação pré-pandemia o máximo possível."

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Os países da Europa Central e do Leste Europeu já estão preocupados com a dor de uma transição verde. E os países mais pobres do sul, com dívidas mais altas e menos espaço para contrair mais, temem uma nova desigualdade, já que os países maiores e mais ricos, como a Alemanha e a França, podem subsidiar suas indústrias de maneira muito mais generosa.

Os países mais ricos rejeitam a dívida coletiva para ajudar os mais endividados. Mas, no plano político, será mais aceitável promover mais gastos com a preservação do meio ambiente, disse Jacob Funk Kierkegaard, do Instituto Peterson de Economia Internacional.

Mujtaba Rahman, analista-chefe europeu do Grupo Eurásia, também está mais otimista. "O Acordo Verde trata essencialmente de dinheiro e é um ótimo lubrificante, mesmo na Europa Central e no Leste Europeu. Se uma parte substancial do orçamento for destinada a gastos com o meio ambiente, isso os incentivará a se engajar, embora eu tenha dúvidas a respeito da transição energética e do compartilhamento do fardo", afirmou.

Diederik Samsom, chefe de gabinete de Timmermans, está trabalhando para revisar o Acordo Verde para enfrentar a nova crise. "Sim, há uma demanda por uma recuperação verde, mas há também uma demanda por empregos e crescimento. Se conseguirmos combinar isso, podemos fazer o que quisermos. Se não conseguirmos, esqueça", resumiu ele.

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