“Este verão a gente tem que agradecer que está vivo”. Para o doutor em epidemiologia e reitor da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), Pedro Curi Hallal, este é o lema para a temporada de 2021 em Santa Catarina. Ele acredita ser possível manter o turismo ativo durante a pandemia, mas não igual aos anos anteriores. Festas com aglomeração, como as que foram registradas no fim de ano em diversos municípios catarinenses, não devem acontecer.
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A consequência das aglomerações, estima Hallal, deve ser sentida com aumento de casos nos próximos dias. O passo seguinte é aumentarem as internações de pacientes graves, o que deve acontecer em duas semanas. As mortes, evidência mais triste do fracasso no controle da doença, aumentam na semana seguinte.
Em entrevista ao Diário Catarinense, o epidemiologista diz que o principal desafio dos gestores é a efetiva aplicação de testes e o monitoramento dos casos de Covid-19, o que ele define como “dedo no pulso”. Além de testar quem apresenta sintomas, é necessário, segundo ele, rastrear com quem a pessoa esteve nos dias anteriores para controlar a disseminação da doença.
Sobre a reabertura de serviços não essenciais, Hallal afirma que é necessário premiar quem faz um trabalho correto, seguindo os protocolos sanitários. Ele diz ainda que existem diferenças entre o funcionamento de setores que seguem as regras e as baladas, que provocam um ciclo de contaminação. Confira detalhes na entrevista a seguir:
Tivemos flagrantes de festas com aglomeração registrados no fim de ano em Santa Catarina. As imagens mostram pessoas sem máscara ou qualquer tipo de distanciamento. Quando devemos sentir as consequências dessas ações? Haverá aumento nos casos e mortes?
Existe essa janela que para facilitar a gente divide em três semanas. A primeira coisa que acontece quando a gente passa do ponto, ou seja, quando acontecem aglomerações que não deveriam, é que de cinco a sete dias depois começam a bombar os casos, porque muita gente se contaminou naquele dia e muita gente contamina outros ainda. Na primeira semana bombam os casos e depois, na segunda semana, começam a bombar as hospitalização porque (muitos) dos casos, especialmente os que vão evoluir. Infelizmente para um quadro mais grave, demoram umas duas semanas para acontecer. E na terceira semana, infelizmente, aumentam os óbitos.
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Claro que se fosse um episódio único, vamos citar um jogo de futebol, vai acontecer, vai ter essas três semanas e depois fica tranquilo.
O problema é que agora existe a possibilidade de acumular a coisa da festa de fim de ano com o início de janeiro e fevereiro e as aglomerações nas praias. Aí, pode criar uma combinação explosiva do tipo de uma progressão geométrica.
O ‘troço’ vai acontecendo um dia após o outro e aí a situação pode ficar ainda mais grave. Acho que esta é a preocupação. A preocupação então não é somente com as pessoas que frequentam as baladas, certo? Mas sim com o ciclo de contaminação que elas podem causar.
Claro. Esta é a questão. Não é só a contaminação do momento é a contaminação decorrente do depois. Ela [a pessoa que foi à balada] pode se contaminar nesse dia, ela pode contaminar os parentes no dia seguinte, pode contaminar outros amigos num outro dia. Essa é a combinação perfeita aocontrário: a tempestade perfeita para o sentido ruim. Uma contaminação vai gerar uma onda de novas contaminações.
Faz sentido essas baladas exigirem testes PCR ou sorológicos para as pessoas entrarem? Isso previne de alguma forma novas contaminações?
Não acho que as pessoas devem parar de se divertir por causa da pandemia do coronavírus. Agora, uma festa com mais de 30, 40 pessoas não é para ter neste momento. Claro que é melhor que tenha exigência do teste do que não tenha, mas, na prática o queera para acontecer é que não era para estar tendo essas festas.
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Não é para ter festa de 30, 40 pessoas neste verão. Este verão a gente tem que agradecer que está vivo, temos que fazer festa em grupos menores de amigos e familiares. Não é para ter uma festa grande. A minha fala pode ser radical neste caso e os jovens não vão gostar de ouvir, mas os jovens podem não ter casos graves, mas os pais, os avós deles têm. E têm quase 200 mil pessoas que morreram no Brasil até hoje (segunda-feira, dia 4) por causa dessa doença. Então, é uma falta de consideração com essas pessoas quando os jovens acham que é essencial ter uma balada com 100, 200 ou 500 pessoas.
O governo de Santa Catarina liberou a reabertura de diversas atividades que estavam restritas desde março de 2020. Hotéis puderam reabrir com capacidade máxima e outros serviços não essenciais também foram liberados. Contudo, o Estado vive um momento de expansão dos casos. É necessário restringir as atividades para que haja uma melhora no cenário da pandemia?
Isso depende do quanto se fizer o monitoramento de forma próxima e com o que eu chamaria assim de “o dedo no pulso”. A liberação dos serviços essenciais e depois dos não essenciais é necessária. Ninguém neste momento está defendendo que fique tudo fechado, mas a gente tem que saber onde estão os gargalos do processo. Por exemplo, lá no começo se falava muito em comércio. O comércio tem dado exemplos positivos, ele não tem sido uma fonte de disseminação grosseira, exceto, é claro, nas aglomerações registradas no final de ano. O setor da indústria é um que tem se adaptado bem.
Não dá para procurar um vilão no todo. O vilão está na aglomeração, o vilão está na balada com 300 pessoas sem máscara. O vilão não está no trabalhador que usa o transporte público respeitando o distanciamento e de máscara para poder sustentar a família dele. Essa fala tem que ser reforçada.
O coronavírus se dissemina na falta de cuidado. Entre quem está tomando cuidado, o tio, como dizemos aqui, que tem uma vendinha e que está sobrevivendo para sustentar a família dele, é muito pouco provável que alguém se contamine entrando lá de máscara para comprar um produto. O problema é quando o filho dele vai para a balada e fica todo mundo sem máscara.
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E qual é o papel do gestor público neste momento? Quais devem ser as medidas para controlar a pandemia?
Algumas coisas têm que ser repetitivas. Digo desde o começo da pandemia que são coisas que não são feitas. A primeira delas é a testagem em larga escala e rastreamento de contato, isso é algo que não é feito até hoje no Brasil e estamos no pior momento da pandemia em algumas regiões do país, inclusive no Sul.
O gestor tem que pensar em testagem e rastreamento de contato e isso não tem sido feito de forma qualificada. O que quero dizer com rastreamento de contato? Se você for contaminado não adianta só fazer um teste e mandar você ficar em casa, tem que perguntar quem são as pessoas que você teve contato nos dez últimos dias. Isso não está sendo feito. Em relação às restrições e aos decretos, que é o que os gestores mais têm feito, entra a questão da razoabilidade.
É premiar quem vem fazendo as coisas certas, como falei da indústria, comércio e etc, e restringir nos lugares onde está havendo excesso, principalmente essa coisa de festa. O setor de restaurantes é um que, em geral, tem funcionado bem. Agora, os bares às vezes passam do ponto. O gestor tem que ter esse monitoramento muito próximo de quanto que tem de casos na região dele, da disponibilidade de leitos para ele ficar nessa coisa do abre e fecha sempre tentando chegar ao ponto ideal para que o sistema de saúde dê conta dos casos.
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Com essas medidas que o senhor citou, você acredita ser possível conciliar o turismo durante a pandemia?
É possível. Tenho me manifestado sobre isso várias vezes porque acho injusto que o turismo que precisa existir em Santa Catarina seja culpado por algo que não é responsabilidade dele. Claro que a balada faz parte do turismo, mas o turismo pode acontecer sem balada. As pessoas podem aproveitar as praias de SC, os restaurantes podem estar abertos com cuidados, as pessoas podem estar nas ruas, as lojas podem estar abertas, mas claro que não igual aos outros anos. Seria pagar um preço alto demais nesse momento fechar tudo porque não é isso que está causando o descontrole. O que causa o descontrole é o que a gente já falou várias vezes: os excessos. Claro que nas praias tem que ter uma política um pouco mais rigorosa de distanciamento. Vi algumas imagens agora do final do ano passando do ponto. Isso é o que o gestor tem que estar preocupado, não em fechar a praia. Tem que garantir que a praia consiga funcionar em nível adequado para que as pessoas aproveitem com segurança. E isso é possível, dá para acontecer.
Em meio ao início da vacinação em outros países e com a ausência de uma vacina definida para o plano nacional de imunização, ainda estamos muito longe de uma vida normal? Qual o percentual da população têm que ser imunizados para que possamos nos ver livres do coronavírus?
Estamos longe. O número mágico que a gente usa na epidemiologia para isso é 70%. Ele não é um número exato, mas é bem aproximado. Quando a gente chega a 70% da população imunizada, o vírus praticamente não consegue mais se disseminar. Claro que já que as vacinas que estão disponíveis não são 100% eficazes, algumas são 90%, outras são 80%, a estimativa que estamos fazendo era de 85% da população imunizada para a gente poder dizer que o coronavírus é problema do passado. Não são números precisos, mas são muito aproximados. Para a gente dizer que estamos perto da normalidade temos que trabalhar ai com pelo menos 70%.
O que é preciso fazer para que as pessoas entendam a gravidade da pandemia? Como conscientizar de forma eficaz?
Acho que a questão da campanha de conscientização é assim: as pessoas estão cansadas da pandemia, todo mundo está cansado, isso é normal. Mas uma coisa é estar cansado e a outra é ser irresponsável. A gente não usa mais só o “fique em casa” porque ele hoje é uma medida inócua. Para mim a conscientização de hoje não é a conscientização de dizer para a pessoa não sair mais de casa e dizer para a pessoa “olha, ok, sai se for preciso, mas com os devidos cuidados”.
Pedro Curi Hallal é Doutor em epidemiologia, reitor da UFPel-RS e coordenador do Epicovid19
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