*Por Gaia Pianigiani e Emma Bubola

Pozzallo, Itália – A temporada das férias de verão chega ao fim na Itália, e um aumento nos casos de Covid-19 está insuflando um sentimento anti-imigração, mesmo com o governo garantindo que os estrangeiros são apenas uma pequena parte do problema.

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O presidente da Sicília, Nello Musumeci, ordenou o fechamento de todos os centros de apoio ao imigrante da ilha em agosto, alegando ser impossível impedir a disseminação da doença nas instalações – e, embora a justiça tenha embargado a decisão, dizendo que ele não tem autoridade para fechá-los, o impasse enfatiza a dificuldade que a Itália enfrenta com os políticos direitistas tentando reacender o debate sobre imigração em um país severamente castigado pela pandemia.

Em Pozzallo, cidadezinha no sul da Sicília que tem o maior número de infecções entre os estrangeiros recém-chegados, o prefeito Roberto Ammatuna, de centro-esquerda, se viu tendo de equilibrar o medo de uma nova onda da doença com a obrigação de resgatar os imigrantes em perigo no mar.

“Nossos cidadãos precisam se sentir seguros e protegidos, pois estamos na linha de frente da Europa. Ninguém quer imigrantes contaminados, mas não podemos interromper os resgates no mar”, revelou ele durante entrevista concedida em seu gabinete, que dá para a água azul-turquesa do Mediterrâneo.

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Em uma única semana de agosto, o exame de 73 dos 200 imigrantes quarentenados na cidade deu positivo. Cerca de 11.700 chegaram à ilha desde junho, sendo que 3 por cento deles foram confirmados doentes na chegada ou durante o período de confinamento que as autoridades federais impuseram nos abrigos.

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(Foto: Fabio Bucciarelli / The New York Times)

Entretanto, para Franco Locatelli, presidente do Conselho Superior de Saúde da Itália, o papel desses estrangeiros no retorno da doença ao país é “mínimo”.

Segundo o Instituto Nacional de Saúde, nas duas primeiras semanas de agosto, cerca de 25 por cento das novas infecções registradas no país foram importadas, sendo que mais da metade desse número era de italianos que tinham viajado para o exterior, e muitos outros eram estrangeiros que já viviam na Itália; menos de 5 por cento das infecções foram verificados em recém-chegados, de acordo com o Ministério da Saúde.

A Itália foi um dos países mais atingidos pelo coronavírus na Europa, com mais de 35 mil mortes registradas antes do confinamento severo que ajudou a reduzir a contaminação. Com a aproximação do verão, porém, o controle foi se afrouxando aos poucos e os casos começaram a crescer de novo, quase todos ligados à aglomeração dos jovens em casas noturnas.

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Embora tenham sido registrados surtos nos centros para imigrantes, o fluxo sazonal de verão dos estrangeiros que atravessam o Mediterrâneo e saem da Europa Oriental rumo à Itália aumentou o medo de uma ressurgência generalizada do vírus.

No fim de agosto, um navio que levava centenas de africanos e médio-orientais, dos quais 20 foram confirmados com Covid-19, ficou navegando em círculos nas proximidades da Sicília, rejeitado por inúmeros prefeitos, até finalmente conseguir atracar em Augusta, no sudeste.

“Estado fora da lei. Invasão de imigrantes ilegais, aumento no número de infecções. A Sicília está à beira de um colapso”, acusou Matteo Salvini, líder do partido anti-imigração Liga Norte e ex-ministro do Interior, no Twitter.

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(Foto: Fabio Bucciarelli / The New York Times)

A mensagem em que insiste o direitista, cuja ascensão política foi calcada sobre a manipulação do medo do imigrante e da criminalidade antes que ele e seu partido fossem depostos no ano passado, foi adotada por outros políticos do mesmo viés, ainda que a popularidade da Liga venha caindo.

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“Não podemos permitir que esta terra, depois de todos os esforços e do sucesso no combate à pandemia, se veja em uma situação difícil por causa da falta de controle”, exaspera-se Massimiliano Fedriga, membro da Liga e presidente da região de Friuli-Venezia Giulia.

O discurso foi feito durante um ato à porta do centro, localizado em Udine, do qual nove imigrantes tinham fugido. Com capacidade para receber 320 pessoas, mas acolhendo 460 requerentes de asilo, a instituição foi posta em quarentena depois de diversos casos de Covid descobertos ali.

Para muitos italianos, a verdadeira questão em relação aos imigrantes é a necessidade de limitar a disseminação do vírus nos centros já existentes, que não têm estrutura para confinar as pessoas.

“Não houve um aumento significativo no número de recém-chegados; a grande diferença, entretanto, é a complexidade que eles acarretam agora, por causa do isolamento e da quarentena”, explica Gianfranco Schiavone, vice-presidente da Associação de Estudos Jurídicos sobre Imigração.

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“O uso simultâneo de chuveiros e banheiros para seis pessoas nesses centros geralmente é adequado, mas não em tempos de Covid-19”, atesta Carmelo Lauretta, médico responsável pelo controle de doenças da região de Pozzallo.

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(Foto: Fabio Bucciarelli / The New York Times)

Em agosto, o governo federal proibiu o funcionamento de clubes noturnos e salões de baile, reconhecendo que o povo estava baixando a guarda. Muitas regiões instauraram a realização de exames em portos, aeroportos e estações de trem, mas o controle da disseminação do vírus entre os aproximadamente 61 mil imigrantes que vivem em abrigos imensos espalhados pelo país tem se mostrado bem mais complicado.

“O estrangeiro na Itália corre um risco maior de adoecer porque é mais isolado, vive em condições de pouca higiene e em grupos grandes. Isso tem a ver com segregação, e não com etnia ou origem”, destaca Matteo Villa, pesquisador do Instituto para Estudos Políticos Internacionais.

No início de agosto, o vírus se espalhou em um centro para imigrantes em Treviso, no norte da Itália, infectando 256 das 293 pessoas abrigadas ali e transformando-o em um dos maiores núcleos mais recentes da doença no país. “Todo mundo pegou. Não teve jeito”, lamenta Baxso Sanyang, um gambiano de 28 anos que dividia o quarto com dois jovens cujos exames deram positivo antes que ele também contraísse o vírus.

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Para Mario Conte, prefeito da cidade e membro do mesmo partido de Salvini, dadas as condições do local, a contaminação era inevitável. “A situação mostra bem o fracasso do Estado. Se em condições normais já é complicado manter quase 300 pessoas em um mesmo lugar, com a Covid é absolutamente impraticável.”

Muitos dos imigrantes que vêm para a Itália estão atravessando a porção ocidental dos Bálcãs, uma vez que o relaxamento das medidas restritivas da quarentena os permite cruzar a Grécia e o território italiano para seguir rumo ao norte da Europa. Os governos regionais de direita pediram a Roma que fechasse as travessias menores para a vizinha Eslovênia e estão mandando de volta um número cada vez maior de pessoas.

Entre os que se arriscavam para entrar no país estava Shahid Mehmood, um paquistanês de 23 anos que foi mandado de volta para a Eslovênia em junho. “Quando contei a meus pais que eu não tinha sido aceito, eles não acreditaram. Disseram que a Itália nunca fazia isso. Mas a verdade é que o coronavírus mudou tudo”, relata ele, por telefone, de um campo na Bósnia, para onde foi transferido.

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(Foto: Fabio Bucciarelli / The New York Times)

Mesmo com parte dos políticos tentando insuflar o sentimento anti-imigração, muitos se dizem mais preocupados com os conterrâneos que baixaram a guarda depois do afrouxamento das restrições de viagem, apesar da exigência da realização de exames daqueles que chegam de determinados locais.

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Em Pozzallo, um barco para 800 passageiros agora oferece uma ligação diária e rápida com Malta, país considerado perigoso pela Itália por causa de um surto recente por lá.

“Estou mais preocupada com isso e com a moçada indo para a balada sem máscara para descobrir, dois dias depois, que pegou Covid. Por que tanta preocupação com os imigrantes? Qualquer pessoa pode transmitir. Temos de ser responsáveis”, conclui Isabel Gugliotta, de 17 anos, sentada a um quiosque de praia em Pozzallo.

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