*Por Steven Erlanger

Bruxelas – O coronavírus criou uma forma toda própria de terrorismo: bagunçou a rotina, paralisou a economia e separou as pessoas. Fez crescer o medo do estranho, do desconhecido, do invisível. Esvaziou ruas, restaurantes e cafés. Gerou uma agorafobia quase universal. Interrompeu as viagens aéreas e fechou fronteiras.

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Causou milhares de mortes e lotou hospitais em números semelhantes aos tempos de guerra, transformando-os em alas de triagem. Para ir à mercearia da esquina, as pessoas colocam máscara e luvas como se estivessem se preparando para uma batalha.

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Especialmente para a Europa, atingida por diversas ondas de terrorismo que levaram a resultados mais ou menos semelhantes, os ecos da pandemia atual são sinistros. Entretanto, esse vírus criou um terror diferente por ser invisível, invasivo e não ter um fim definido. Foi infligido pela natureza, e não pela mão do homem ou em nome de uma ideologia. E exige uma reação drasticamente diferente.

As pessoas correm, gritando, da bomba do terrorista, para depois engrossar as marchas de solidariedade e desafio – mas, quando finalmente for anunciado o fim da quarentena, todo mundo vai sair para a luz como um bando de toupeiras saindo do buraco.

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(Foto: Fabio Bucciarelli / The New York Times)

"As pessoas têm mais medo do terrorismo do que de dirigir. Muito mais gente morre em acidentes de carro e em quedas no banheiro do que como vítimas do terror, mas é dele que as pessoas têm mais medo, pois não podem controlá-lo", afirma Peter R. Neumann, professor de estudos de segurança do King's College London e fundador do Centro Internacional para o Estudo da Radicalização.

"Embora a principal ideia que o terrorismo instigue seja a de matar gente, na verdade se trata da manipulação de nossas ideias e nossos cálculos de interesse", acrescenta. Ou, como diz a famosa frase de Trótski, "o objetivo do terror é aterrorizar".

Mas o terrorismo do coronavírus é ainda mais assustador não só por ser tão contagioso, mas por ser imune a qualquer uma das reações comuns – vigilância, times da SWAT, agentes duplos ou persuasão.

"Não é um inimigo humano ou ideológico, ou seja, não se impressiona com retórica ou bravatas. O vírus é um elemento que não conhecemos, não podemos controlar e, portanto, nos causa medo", prossegue Neumann.

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Há bons motivos para isso, pois, nos EUA, o vírus já fez mais de vinte vezes o número de vítimas do ataque de onze de setembro de 2001 (três mil), e vai matar muito mais.

"Há uma diferença entre os desastres naturais e os causados pelo homem; no geral, as pessoas têm mais medo das ameaças artificiais, mesmo que causem menos estragos. Já esse vírus é diferente, mexe muito mais profundamente com a sociedade e afeta os indivíduos de forma muito mais ampla", opina Thomas Hegghammer, especialista em terrorismo e pesquisador do Norwegian Defense Research Establishment, em Oslo, na Noruega.

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(Foto: Maria Contreras Coll / The New York Times)

Para Julianne Smith, antiga assessora de segurança do ex-vice-presidente Joe Biden que hoje atua no German Marshall Fund, a sensação de impotência é a mesma. "Você não sabe quando será atingido pelo terrorismo ou por uma pandemia; tanto um como o outro invadem sua vida pessoal. E em ambos os casos você passa a ter medo de aglomerações, comícios e eventos esportivos; a multidão passa a representar perigo."

Segundo o ex-diretor para contraterrorismo do Conselho Nacional de Segurança e atualmente professor de direito da Georgetown, Joshua A. Geltzer, o terrorismo é, em parte, tão aterrador por causa da aleatoriedade. "E o terrorista a usa em seu favor; sob vários aspectos, o vírus se comporta da mesma maneira, pois tem a capacidade de fazer as pessoas pensarem: 'Podia ter sido comigo.'"

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"Só que para derrotá-lo é preciso uma mentalidade diferente. Você vê uma bomba na Maratona de Boston e aí fica na dúvida se vale a pena ir ou não no ano seguinte; o impacto é bem direto. Já o vírus exige um passo muito maior: é preciso pensar coletivamente para não espalhar a doença e sobrecarregar o sistema de saúde."

E exige um tipo diferente de solidariedade. Após os ataques de onze de setembro, o presidente George W. Bush pediu aos norte-americanos: "Toquem a vida adiante, viajem de avião, saiam, trabalhem"; após os ataques à redação da Charlie Hebdo e ao Bataclan, em 2015, o presidente François Hollande fez o mesmo na França, liderando marchas e demonstrações públicas de resiliência e desafio.

"Mas diante do vírus, com tantas sociedades claramente despreparadas, a demonstração de resiliência agora não é entrar em um avião, mas sim ficar em casa", escreveram Geltzer e Carrie F. Cordero, ex-autoridade de segurança do Departamento de Justiça e membro do Center for a New American Security.

De acordo com Neumann, durante muito tempo o trabalho dos analistas que lidam com ameaças "mais brandas", como a saúde e o clima, foi considerado secundário. "O pessoal mais radical da segurança ria, mas agora ninguém duvida mais. Com certeza, haverá departamentos de segurança da saúde e virologistas contratados pela CIA; nosso conceito de proteção já mudou."

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E haverá novas ameaças depois: a preocupação com o colapso econômico, as dívidas generalizadas, convulsão social. Muitos já temem o efeito dos preços baixíssimos do petróleo nos países árabes e do Golfo Pérsico, que precisam pagar os salários do funcionalismo público e as Forças Armadas, que dirá lidar com os subsídios do pão.

Mas até o Estado Islâmico pede a seus membros e seguidores que "os saudáveis não entrem na terra da epidemia e os afetados dela não saiam", o que pode ser um alento.

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(Foto: Andrea Mantovani / The New York Times )

Hegghammer já morava na Noruega em julho de 2011, por ocasião dos ataques terroristas cometidos por Anders Behring Breivik, que matou 77 pessoas para divulgar seu medo dos muçulmanos e do feminismo. A reação do país foi de solidariedade coletiva, determinação e o consenso de "dugnad", palavra norueguesa para "trabalho comunal", com os indivíduos doando seu tempo e seu trabalho para um projeto comum.

"O 'dugnad' voltou a ser evocado por causa do vírus, com os jovens ajudando os idosos, e o governo e a oposição trabalhando juntos. Quase juntos demais."

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"O vírus e os ataques perpetrados por Breivik estão sendo comparados explicitamente no debate aqui, mas de forma crítica, reprovando a falta de preparo do governo, tanto em um caso como no outro, para lidar com uma grande ameaça. Tem muita gente dizendo: 'Já passamos por isso, como é possível tamanho despreparo?'"

No rescaldo da pandemia, tal como no caso de Breivik, é muito provável que seja instaurada uma comissão de inquérito na Noruega, como inevitavelmente também nos EUA, como a que foi criada depois do onze de setembro, para saber como o governo falhou e o que pode ser feito no futuro. Mas, ao contrário do país escandinavo, amplamente homogêneo, os norte-americanos estão profundamente divididos.

"Ao contrário do onze de setembro, quando uma única série de eventos uniu a nação em um instante por meio do luto, a crise atual se desenrola aos poucos, afetando as regiões e a sociedade a velocidades diferentes. Por isso, não estamos unidos como país", explica Smith, do German Marshall Fund.

"Uma vez que já existe uma profunda polarização política nos EUA, com brigas partidárias em relação à ciência e aos fatos, é bem provável que o vírus tenha o mesmo impacto que a peste teve em Atenas, durante a Guerra do Peloponeso, gerando indiferença à religião e à lei, fazendo com que um grupo de políticos mais inconsequentes se destaque", arrisca Kori Schake, diretora do programa de política externa e de defesa do American Enterprise Institute, think tank de viés conservador.

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"Mas, no fim das contas, a ação tardia da Casa Branca desacredita a liderança política e as práticas da sociedade existentes. Se as consequências políticas forem muito graves, podem levar ao fim da presidência imperial e à volta ao tipo de ativismo federal e congressional para o qual os fundadores da nação projetaram nosso sistema. O vírus pode até ser um divisor político, mas é também um lembrete de que as sociedades livres se desenvolvem sob normas de responsabilidade cívica."

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