Diferentemente de uma cadeia produtiva tradicional, a de drogas envolve uma engrenagem criminosa na maioria das vezes puxada pelo maior financiador do tráfico: o usuário. Os R$ 50 usados para comprar 10 gramas de maconha se tornam R$ 200 em quatro vendas para financiar mais um quilo no Paraguai, maior fonte do produto trazido para Santa Catarina. Aqui, o quilo é vendido por até R$ 2 mil, conforme a disponibilidade ou composição do produto.
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O fluxo intenso de compra e venda de entorpecentes no Estado está representada nas apreensões ocorridas somente nos primeiros seis meses de 2017. Foram 42 toneladas de maconha, cocaína, crack e outros tipos retirados de circulação nas estradas federais catarinenses. O destino principal era o litoral. Somente de maconha foram 32 toneladas, o que representa R$ 32 milhões que deixaram de ser arrecadados por traficantes.
— O usuário financia todo esse sistema. É a lei da oferta e da procura: enquanto tiver gente para comprar, terá para vender — explica o delegado responsável pela Divisão Especializada de Combate ao Narcotráfico (Denarc) da Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic), Pedro Henrique Mendes.
Antes desorganizado, o transporte de entorpecentes de países como Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia para Santa Catarina passou a ser sofisticado nos últimos anos. Os pequenos carros com 200 kg de droga foram substituídos por caminhões com toneladas e veículos batedores para burlar a fiscalização. E isso se deve ao envolvimento do crime organizado.
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Em SC, duas facções criminosas disputam espaço no tráfico, produto que financia as ações dos grupos. Responsável pela Delegacia de Combate às Drogas (Decod) da Capital, Attilio Guaspari Filho revela que com o lucro do comércio de entorpecentes são comprados diversos armamentos usados para proteger os pontos de venda, praticar assaltos e promover confrontos com facções rivais. O resultado está nas estatísticas da segurança pública catarinense: a apreensão de armas aumentou 132% entre 2010 e 2017.
Entre janeiro e junho de 2010, foram apreendidas 76 pistolas. Este ano, no mesmo período, foram 389. No mercado negro, uma arma deste porte gira em torno de R$ 2,5 mil. Enquanto o fuzil, que teve 10 exemplares apreendidos no Estado neste ano, custa R$ 50 mil.
O delegado da Divisão de Repressão ao Crime Organizado (Draco) da Deic, Antonio Claudio Seixas Joca, diz que há sete anos era apreendida uma pistola por mês no norte da Ilha. A quantidade cresceu consideravelmente:
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— O mercado da droga é rentável. Com isso, os traficantes comparam armas para fortalecer o poderio bélico e se defender com medo de perderem o ponto de venda.
Com os números do tráfico de drogas crescendo, o impacto atinge diretamente o sistema prisional. Estima-se que 75% do atual número de detentos de SC tenham sido presos por crimes ligados a entorpecentes. O secretário-adjunto de Justiça e Cidadania, Leandro Soares Lima, relata que esse perfil mudou. Na década de 1980, o maior percentual era ligado a assassinatos. Depois disso, os apenados que furtaram ou roubaram passaram a dominar o sistema, até serem ultrapassados pelos casos envolvendo tráfico.
Descriminalização da droga e consumo como problema de saúde pública
Com o consumo e tráfico enraizados na sociedade, o integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Elisandro Lotin, defende o tratamento como uma necessidade relacionada à saúde pública. O problema se torna de segurança, argumenta, quando é gerado o ciclo do crime:
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— Precisamos mudar a visão e não só atuar com a repressão como forma de enfrentar esse problema. Droga é um problema de saúde pública, e é assim que o usuário precisa ser tratado. Há casos pelo mundo de redução de 30% no consumo quando os países começaram a cuidar como saúde pública.
Lotin acredita que o consumo deve ser regulamentado no Brasil. Com uma regulação, os traficantes deixam de existir, segundo ele. Enquanto isso não acontece, o integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública diz que quem paga o preço são policiais por enfrentarem a guerra diária nas ruas.
O coordenador estadual do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd) da Polícia Militar (PM), major Reginaldo Rocha, concorda que o consumo deveria ser tratado como saúde pública. No entanto, é contra a regulamentação:
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— Pouco se fala sobre prevenção e o que leva uma pessoa a usar entorpecentes. Para o usuário, a droga não faz mal, porque naquele momento ele vai preencher um vazio que tem nada vida. A droga sempre existiu e não vai ser a liberação que vai mudar alguma coisa.
Mesmo com a regulamentação, o major acredita que o traficante continuará existindo, como é atualmente com o cigarro, por exemplo, em que o contrabando existe para burlar produtos legalmente vendidos, com preços maiores.
Confira os gráficos sobre apreensão de armas, munições, drogas e drogas sintéticas em SC de 2010 a 2017
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