Uma das histórias mais emblemáticas que gosto de contar para explicar a imprevisibilidade do catarinense é aquela em que estava eu e um amigo vendo as obras de um shopping que era construído em cima do mangue florianopolitano, quando avistamos um nativo, de roupas simples, chinelo e semblante desolado. Era evidente que aquela era a representação de um senhor local arrasado ao ver o progresso passar por cima de sua tão amada natureza.

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Ficamos, eu e meu amigo, tocados pela imagem, e nos aproximamos para mostrar sensibilidade frente à dor do manezinho. “Dureza ver o mangue dando espaço para um shopping, não senhor?”, perguntei. Ao que o tiozinho respondeu: “Oquê?!” (imaginem um “Oquê?!” bastante alto, alto demais para um ouvido que esperava uma resposta mansa, alto demais como toda abertura de frase manezinha, que é sempre um “Ô!” ou um “Ê!”). “Oquê?!”, perguntou pela segunda vez. “Não tô nem aí pro mangue, querido! Eu vou me preocupar com mangue?! Eu quero é progresso, querido. Quero emprego. Evolução. Esse mangue é a coisa mais fedida dessa região. Pode construir. Coisa mais linda esse shopping”. E era mesmo uma coisa linda.

O catarinense é essa figura mesmo imprevisível. Como um florianopolitano que não surfa. Como um joinvilense que não gosta de trabalhar. Como um blumenauense que não gosta de tomar cerveja. Como um chapecoense que não goleia o Inter.

A maior imprevisibilidade aconteceu em Criciúma, com a turma do Pretinho Básico, em que a festa estava tão boa que um colega nosso acabou beijando uma menina que, fomos descobrir depois, não era bem uma menina. Imprevisível!

Mesmo nascido na Carmela Dutra, a honra de ser catarinense não me foi dada, por completo. Perguntam sempre, em seguida, se meu pai e minha mãe são catarinenses também. Minha mãe é gaúcha. “Então és gaúcho!”, me dizem os conterrâneos mais ortodoxos. Moro no Rio Grande do Sul há nove anos. Aqui sou considerado catarinense. Ou seja, não sou nunca de Estado algum. Sou sempre um forasteiro.

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Mas, se sou estrangeiro, então, sou um catarinista. Um estrangeiro nascido aqui, especializado em assuntos catarinenses. Acompanho, de longe, nossos melhores momentos, sejam as belezas naturais, as festas ou a capacidade admirável pelo trabalho. Lamento, de perto, nossos deslizes, sejam piscinas com símbolos estranhos, hostilidades com imigrantes ou selfies orgulhosas com Bolsonaro. Quem somos nós? Nós somos muitos, espalhados, divididos, variados. Nós somos todos iguais. Todos igualmente singulares. Igualmente insondáveis. Imprevisíveis.