Aos 18 anos, a então moradora de Florianópolis Emiliana Knapp Greghi desistiu do curso de Medicina e decidiu ir cursar Agronomia em uma instituição de Rio do Sul, município do Alto Vale do Itajaí que fica a aproximadamente 110 quilômetros da Capital. Na época, em 2018, ela nem imaginava que conheceria o futuro marido em uma pensão onde planejava morar enquanto cursava a faculdade. Foi no primeiro dia na casa nova que Patrik Ribeiro Alves Caramori ofereceu ajuda com a mudança de Emiliana, que fazia muitas viagens do carro até o quarto onde moraria em razão da quantidade de coisas que havia levado. A partir daí, os dois passaram a nutrir uma amizade.
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Patrik, na época com 19 anos, havia se mudado do interior de Calmon, município catarinense com pouco mais de 3 mil habitantes, para ingressar no primeiro semestre de Agronomia, na mesma instituição de Emiliana, o Instituto Federal Catarinense (IFC) de Rio do Sul.
Em março daquele ano, após dois meses de amizade, Patrik pediu Emiliana em namoro. Inicialmente, eles deixaram a pensão para dividir uma casa com o irmão dele, em 2019. Um ano depois, os dois se mudaram para um apartamento sozinhos e decidiram comprar um terreno para começar um sítio “do zero”, motivados pelo amor pela natureza e pelos animais.
Atualmente, Emiliana e Patrik têm 24 e 25 anos, respectivamente, e recém conquistaram a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP) para o Sítio Ouro Negro. O documento identifica as unidades familiares de produção agrícola e é considerado importante para solicitar crédito rural e acessar programas do governo de incentivo à agricultura.
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Conheça a história do casal
Ao iniciar os estudos no curso de Agronomia, Emiliana começou a se apaixonar pelo sistema agrícola familiar, onde o que é comercializado é produzido em âmbito familiar, ou seja, entre pais, filhos, tios ou avós.
— Pesquisando mais sobre o assunto, eu entendi que nosso Estado tem mais agricultura familiar, que é o que abastece grande parte das nossas regiões — diz Emiliana, que está cursando o último semestre da faculdade.
A estudante tem razão. Em Santa Catarina, 78% das propriedades rurais pertencem à agricultura familiar, que ocupa 364 mil pessoas e tem 2,45 milhões de hectares cultivados, de acordo com o Censo Agropecuário. Na safra de 2023/2024, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) investiu R$ 8 bilhões na agricultura familiar de Santa Catarina, o que representa um aumento de 6,3% em relação à safra anterior, de 2022/2023.
Foi após se apaixonar pelo sistema que Emiliana começou a buscar culturas alternativas, atrás de qualquer coisa que fosse possível cultivar.
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— Eu já estava um pouco saturada da mesma coisa de sempre… milho, soja, trigo e grãos no geral. É claro que eles são necessários para muita coisa, como a fabricação de ração para atender o sistema pecuário, mas [o grão] não é e nunca foi o meu objetivo — comenta.
Patrik, diferente de Emiliana, já vinha de uma realidade rural. No interior de Calmon, ele cresceu com os avós, que tinham produção de milho e já chegaram a fornecer leite para a marca catarinense de leite Tirol. Ainda assim, a experiência que ele tinha com a família é diferente do que eles têm hoje, no Sítio Ouro Negro.
Um dos primeiros passos que eles deram com o sítio foi dar continuidade ao trabalho com as caixas de abelha de Patrik. Onde morava, ele já era apicultor da abelha melífera africana (Apis mellifera scutellata), e o casal resolveu aproveitar o talento. Algumas “caixas” de abelha foram colocadas no sítio, em Rio do Sul, e outras foram para hectares de reflorestamento de eucalipto que o casal “arrendou”, ou seja, alugou, em Rio do Oeste. No momento, o casal tem 30 caixas de abelha, embora nem todas sejam produtivas.
Agora, eles comercializam três tipos de mel: o mel silvestre, que é de florada nativa de Rio do Sul e de Calmon, cidade natal de Patrik; mel apenas de eucalipto, que vem da cidade de Rio do Oeste; e mel de melato, que é um produto cheio de benefícios e muito cobiçado no exterior.
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Em meio às dificuldades, casal encontrou “riqueza” em terreno
Antes das abelhas, a ideia do sítio surgiu como um “chamado” para o casal. Os dois gostavam muito da natureza e, em meio a conversas durante caminhadas pela faculdade, os dois decidiram ter um terreno e uma casa para que pudessem buscar esse acolhimento. Em 2020, então, os dois compraram o terreno onde moram, de três hectares. Em 2024, eles compraram outro terreno, “colado” a esse, de 2,8 hectares.
Mesmo com a perspectiva positiva, o casal encontrou alguns problemas.
— Um grande “porém” da nossa região é que ela é muito acidentada (áreas com muitos altos e baixos, depressões, saliências e muita irregularidade). Por isso, de área agricultável, a gente pode dizer que temos 1,5 hectare — conta Emiliana.
Área agricultável é a área que possibilita uma lavoura, a entrada com máquina agrícola, colheita, e outras atividades para dar continuidade às práticas que envolvem ter um sítio.
— Um hectare e meio é muito pouco para você poder viver da agricultura. Além disso, a nossa realidade aqui é terreno dobrado, área de reserva legal, de preservação permanente, então são áreas que a gente não pode mexer — relata a catarinense.
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Foi encontrando essas dificuldades que eles tiveram que buscar, mais ainda, uma alternativa para poder tirar alguma renda do terreno, que possuía um “tesouro” escondido.
— Em conversa com os vizinhos, que são biólogos, a gente conseguiu entender que a gente tinha uma baita de uma riqueza aqui no nosso terreno, que é o palmito-juçara — diz ela.
O terreno do casal de catarinenses está cheio de palmito-juçara, que tem o fruto do açaí.
— Do palmito-juçara, a gente consegue colher esses cachos manualmente e comercializar os frutos. O que a gente consegue tirar do nosso terreno é de extrativismo. A gente não precisa entrar com nenhum tipo de adubação. É totalmente natural: pegar fruto por fruto e separar aqueles que estão doentes e que estão verdes — diz Emiliana.
O casal vende os frutos para uma empresa de beneficiamento de Praia Grande, que fica no extremo Sul catarinense e os transforma em açaí.
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Conheça o sítio do casal de catarinenses
Com a prática, o casal consegue tirar um dinheiro “limpo”, por não terem gasto com manutenção de máquinas agrícolas, por exemplo. O único “gasto” que eles têm é com o tempo de colheita.
“Passos de formiguinha”
Agora, com a DAP conquistada, o casal busca cada vez mais recursos com o novo plano safra para poder fazer mais investimentos no terreno, visando principalmente o trabalho com o fruto do palmito-juçara.
— Isso tudo é a “passos de formiguinha”. Como é só eu e ele e a gente tem ainda a faculdade, estamos fazendo tudo com muita calma para que não prejudique nada para o futuro — diz ela.
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O palmito demora de sete a oito anos a dar os frutos. Por isso, de acordo com a estudante, tem que ser algo muito bem pensado. Por enquanto, eles têm o palmito-juçara somente em área de sub-bosque, mas querem produzi-lo em linha no futuro.
— Quando a gente for plantar, temos que analisar a posição do sol porque até os cinco anos o palmito não tolera sol, então a gente tem que fazer uma área de sombreamento. Depois dessa etapa, a gente precisa do contrário: que o palmito pegue sol, porque ele vai gerar frutos mais sadios, mais doces. Então tudo tem que ser muito bem pensado e muito bem calculado para que a gente não não sofra danos no futuro — explica.
*Sob supervisão de Jean Laurindo
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