Um ano difícil. Assim será 2020, na visão de Armínio Fraga Neto, um dos economistas mais influentes do Brasil. O carioca de 62 anos, que presidiu o Banco Central entre os 1999 e 2003, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), espera que, vencida a pandemia do coronavírus, a sequência do ano seja “a melhor ponte possível para um 2021 melhor”.
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Por e-mail, ele atendeu à reportagem. Respondeu perguntas sobre os impactos financeiros e sociais causados pela crise provocada pelo novo vírus e fez projeções sobre o futuro da economia no Brasil e no mundo. Crente nos preceitos da social democracia, com papel relevante para o Estado, ele vê uma fase de declínio da globalização.
Fraga Neto é cauteloso ao abordar a retomada econômica, projetada por muitos economistas ainda no terceiro trimestre deste ano. Diz que isso depende do sucesso no combate ao vírus e a retomada da confiança por parte da população. No Brasil, tem dúvidas se os recursos anunciados pelo governo chegarão ao destino em tempo de evitar uma desaceleração maior.
O economista não titubeou ao afirmar que sim, quando perguntado se o mundo ficará mais pobre a partir da pandemia, mas avaliou que é possível haver uma volta relativamente rápida do emprego e da atividade em geral. Ressaltou a importância de ações públicas bem desenhadas e executadas.
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Questionado sobre qual dica daria aos leitores neste momento de crise, o economista cravou:
– Não se endivide.
Confira mais detalhes na entrevista a seguir:
A pandemia do coronavírus fez estragos na economia global. Wall Street fechou o trimestre com o pior desempenho desde 1987 (-30%), Dow Jones e as principais bolsas da Europa registraram queda de mais de 20%. Grandes países do G-20 planejam investir bilhões de dólares para sustentar a economia. Diante desse cenário, o que é possível projetar? Como será a economia no mundo daqui pra frente?
A pandemia está provocando uma profunda recessão mundo afora, com quedas do Produto Interno Bruto (PIB) aumentos enormes no desemprego em toda parte. Alguns ainda projetam uma recuperação forte a partir do terceiro trimestre deste ano, mas não há garantia de que venha a ocorrer, pois dependeria de sucesso rápido no combate ao vírus e na recuperação da confiança por parte da população. Isso mesmo com juros de volta a zero e expansões fiscais na maioria dos casos maiores do que as de 2009, menos na China.
E o cenário no Brasil, o que podemos esperar?
No Brasil o quadro é semelhante. Uma tímida recuperação foi abortada e a economia dá claros sinais de colapso. O governo começou a responder nas últimas semanas, mas as previsões de crescimento vêm sendo revisadas para baixo. A resposta ao vírus está calcada principalmente no isolamento social, posto em prática a despeito da oposição do presidente da República.
A área econômica vem procurando estimular a economia através de juros mais baixos, mais liquidez bancária e mais gastos. Programas de apoio a trabalhadores informais desempregados foram anunciados, assim como linhas de crédito especiais para pequenas e médias empresas.
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As regras do mercado de trabalho foram flexibilizadas e complementadas pelo auxílio desemprego. Resta saber se os recursos chegarão ao destino em tempo de evitar uma desaceleração maior. Vai ser um ano muito difícil.
O governo federal sancionou um pacote de auxílio aos trabalhadores informais, intermitente e microempreendedores individuais, como forma de mitigar os danos da crise gerada pela pandemia da Covid-19. Há muitos críticos da medida, por considerá-la modesta. Qual é a sua opinião? Diante da atual calamidade, as medidas deveriam ser mais agressivas?
O pacote pretende atingir um número grande pessoas, que receberão R$ 600 por mês por três meses. Provavelmente será necessário prorrogar esse programa, assim como o de crédito. Aguarda-se também um programa de crédito flexível implementado pelas credenciadoras de cartões de crédito. Seria uma espécie de crédito consignado para as empresas.
Ao fim e ao cabo, imagino uma expansão fiscal de 6 a 8 pontos do PIB, uns 4-5 pontos de gastos novos, o resto de queda na arrecadação. Me parece que terá sido um esforço importante. Se ficar circunscrito a medidas temporárias, a credibilidade de longo prazo do país não terá sido muito danificada. Mas teremos que lidar com o tema por um bom tempo.
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Após registrar quedas no passado recente, a taxa de desemprego no Brasil subiu no trimestre encerrado em fevereiro, chegou a 11,6%, alcançando 12,3 milhões de pessoas, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) contínua, divulgada pelo IBGE no fim de março. Os números ainda não refletem os impactos da crise da pandemia. Logo, a tendência é que esse contingente de desempregados seja maior. Quais medidas devem ser tomadas para reverter esse cenário?
Citei algumas anteriormente. Adicionaria uma resposta mais completa à questão central, que é a pandemia. Teremos que contar com esforço grande nas áreas médico-hospitalar, de suprimentos (para que não aumente o trauma que assola as pessoas), na massificação de testes de diagnósticos e do uso de máscaras, ambos nem perto das necessidades.
E nas contas de estados e municípios? Na sua avaliação, o que vai mudar?
Os estados há anos enfrentam sérios problemas fiscais que se agravarão com a crise. A maioria tem folhas de pagamento e contas previdenciárias insustentáveis. As cidades não estão tão mal, mas algumas capitais inspiram cuidados. Ajuste importante e reformas estruturais nas áreas administrativa e previdenciária serão necessárias. Alguns estados vêm agilizando providências, com destaque para o Rio Grande do Sul, que deve colher frutos do esforço.

Qual é a importância da economia doméstica em um momento como esse?
O Brasil é um grande exportador de commodities mas, sendo uma economia mais para fechada, depende sobretudo da economia doméstica. Aqui, as travas são conhecidas: deficiências na educação e na infraestrutura, um sistema tributário complexo, imensas desigualdades, de renda e outras, um Estado inchado e ineficiente, e um sistema político que tem tido dificuldade em mudar de rumo. Justiça feita aqui ao Legislativo, que vem liderando um importante esforço de reformas. Espero que continue!
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Com muitas pessoas sem renda no Brasil e em diversos países, por conta da pandemia, é possível afirmar que o mundo ficará mais pobre por conta da crise?
Sim, sem dúvida. Mas para os países que lidarem bem com a pandemia, pode haver uma volta relativamente rápida do emprego e da atividade em geral. Assim como aqui no Brasil, será importante que as ações públicas sejam bem desenhadas e bem executadas.
Como ficarão o capitalismo e o consumismo daqui pra frente?
Vejo uma volta ao modelo social democrata, com papel relevante para o Estado. Será necessária uma adaptação aos imperativos da preservação do meio ambiente, da criação de oportunidades e de mobilidade social, da qualidade da rede de proteção social, do envelhecimento e da organização e qualidade da gestão do Estado. As tentações autoritárias e populistas terão que ser repelidas. Provavelmente a globalização passará por uma fase de declínio. O capitalismo será mais policiado por valores menos consumistas. Não sei em que grau, espero que em algum pelo menos.
Nesse cenário, como fica a inserção do Brasil na economia global? E qual a importância das relações econômicas EUA-China e os impactos para a nossa economia diante das dificuldades de dois grandes parceiros?
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O Brasil sempre buscou um caminho pela via multilateral, compatível com a grande diversificação de nossas relações internacionais. Como a nível multilateral se progrediu pouco, perdemos a onda de parcerias regionais e bilaterais. Agora, com um mundo menos integrado, será preciso repensar essa área. A guerra econômica entre os EUA e a China exigirá muita habilidade da nossa diplomacia.
A conclusão do acordo com a Europa dependerá muito de nossas ações que entraram no radar global como a qualidade de nossa democracia e o trato que damos à Amazônia e questões identitárias. Uma ênfase regional parece bem complicada também, posto que a América Latina vive um momento singularmente difícil. Isso tudo significa que, mais do que nunca, vamos ter que acertar bem no front doméstico.

Por uma série de fatores, a cotação do dólar no Brasil vinha em uma escalada constante nos últimos meses antes mesmo de a pandemia chegar por aqui. Fechou a primeira semana de abril com o valor recorde de R$ 5,326. Quando o valor deve começar a ter queda?
Está difícil prever. O Brasil está barato, mas assim mesmo temos déficit em conta corrente, e muita incerteza em muitas áreas.
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O que esperar de 2020?
Que seja a melhor ponte possível para um 2021 melhor.
Por fim, se você pudesse dar apenas uma dica econômica para quem nos lê neste momento de crise, qual seria?
Não se endivide, diversifique, aproveite a crise para arrumar a casa.