A autora da seção mais quente da Revista de Verão nesta 7ª edição é Luisa Nucada. Estudante de Jornalismo da UFSC, mora há quatro dos seus 22 anos em Florianópolis. Na reta final do curso, quer viver de contar histórias, sejam elas doces, amargas, azedas ou apimentadas.
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O calouro
Era ainda primavera e o país era a Argentina. Um bando de estudantes eufóricos e cantarolantes havia saído de Floripa para um encontro de Comunicação Social em terras hermanas. Como é de praxe nesses eventos, o que rolou solto foi a comunicação interpessoal e horizontal, caracterizada por movimentos repetitivos.
No ônibus de ida, um calouro de olhos pidões dá um jeito de sentar na poltrona ao meu lado. Depois de horas de papo furado e joguinhos de adivinhação, o assunto acaba e nossas bocas decidem conversar mais de perto. Um edredom amarelo e surrado, carinhos comportados, beijos sonolentos e o som dos pneus comendo a estrada. No fim das contas, as 30 horas de viagem nem foram tão longas assim.
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Chegando ao destino, de manhã cedinho, ocupei um quarto do hotel com mais três meninas. Entre descansar, explorar o território e fazer compras no mercadinho da cidade, acabei perdendo o calouro de vista. Só o reencontrei à noite, a caminho da primeira festa. Vindo de um esquenta bemsucedido, ele estava pra lá da Patagônia. Trocamos algumas palavras, no que ele prometeu uma revanche nos jogos de adivinhação – havia perdido quase todos, coitado.
Já na festa, me muno de um copo de cerveja e o vejo, serelepe e saltitante, cumprimentar um grupo de argentinas com um “Hola, chicas!” dos mais descarados. Calouro miseráel. Mordida de ciúmes, parei de persegui-lo com os olhos e fui me entreter com o cordobês que insistia em demonstrar a brasilidade do seu rebolado. Ele era a cara do Gael García Bernal, mas não aguentei nem 15 minutos do papo, que mesclava Tropa de Elite, Neymar e Michel Teló.
Achei melhor ir, como quem não quer nada, em direção ao centro da pista, onde o calouro saracoteava movido a fernet, um licor de ervas que os hermanos bebem com Coca-Cola.
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A estratégia deu certo, pouco tempo depois já enlaçávamos beiços e línguas e dançávamos descoordenadamente, trançando os pé, abraçados. Ao fim da festa ele convidou: vamos deitar na beira do lago? Afanei dois cobertores do meu quarto e preparei o espírito, sabia que o calouro estava mal intencionado. Mas esticar a festa no lago não foi ideia só dele. Música alta, risadas, vozes embriagadas e nenhuma privacidade.
Por sorte a noite era um pretume só e achamos um canto escondido para nosso leito improvisado. Mal tinha deitado e já me vi sem sutiã Suas mãos de polvo faminto me atacaram por baixo da saia. Ai, que calor, que calouro rapidinho, eu já revirava os olhinhos, mas o pouco juízo restante me alertava para as pessoas por perto e o iminente perigo de um flagra.
Contive como pude seus avanços, até ele indagar, no mesmo espanhol descarado: No te gusta? Mas é claro que me gusta, me gusta mucho, me encanta! A vontade venceu o bom senso, a vergonha, o receio de ser pega no ato. Olhei para aquele céu negro, para aquelas centenas de estrelas-testemunha, invoquei Marta Suplicy, relaxei e simplesmente deixei rolar.
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A umidade da grama atravessava o cobertor e molhava nossos corpos. Nó dois, tão magrelinhos, ossinhos da bacia se atritando, cachinhos do cabelo dele me roçando o rosto, indo e vindo, indo e vindo, e a lua, voyeur e cheia, espiando lá de cima nossa travessura.
Fizemos e refizemos e caímos na inconsciêcia, dormindo o sono pesado dos amantes satisfeitos. Acordamos no meio da madrugada com o barulho de um cavalo, que pastava a uma distância assustadoramente pequena de nós. Pescamos nossas peças de roupa, encharcadas de sereno, e voltamos ao hotel, não sem levar uma bronca do tiozinho da limpeza pelo sequestro dos cobertores, agora cheios de capim e lama.
Segunda noite, segunda festa. Eu estava pra lá da Patagônia, após beber uma garrafa inteira de um vinho de 12 pesos, vagabundo e ácido. Ao topar com o calouro, não pensei duas vezes e dei uma chave de braço, “de mim você não escapa”. Escapamos para um quarto vazio, valiosa raridade num evento de dormitórios compartilhados. Ele me joga na cama, se joga por cima e, de repente o quarto todo gira, a visão embaralha e meu estômago avisa que vai expulsar todo aquele vinho barato.
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Vomitei, depois chorei e chorei como um cabrito desmamado, com soluço e sem motivo. Ao pobre calouro, murcho e desalentado, só restou consolar a veterana que exagerara no ácool. No dia seguinte, a monstruosa ressaca martelava meu crânio quando nos despedimos, na porta do quarto. Nos meus olhos, a gratidão pelo cuidado. Nos dele, um carinho recém nascido. Um abraço terno e já era, estávamos apaixonados, fadados a atritar nossos ossinhos em outras travessuras.